Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, outubro 14, 2014

Marcelo Chamusca, treinador do Fortaleza

Profissional fala sobre trabalho na temporada e aproveitamento ótimo na Série C

Marcelo-Chamusca-7

Foto: Nodge Nogueira

Bruno Camarão / Universidade do Futebol

Entre 20 times, o melhor aproveitamento. A conquista de quase 65% dos pontos disputados passa por um trabalho iniciado no ano passado. O comando técnico é de um ex-jogador chamado “Marcelo”. Não, não estamos falando do Cruzeiro.

Na Série C do Campeonato Brasileiro, a grande sensação da temporada é o Fortaleza, treinado por Marcelo Chamusca. Irmão de Péricles, começou a carreira como auxiliar em diversos clubes. Passou por categorias de base, área administrativa, até em 2012 assumir a primeira equipe principal – o Vitória da Conquista, para em seguida trabalhar no Salgueiro.

No fim do ano passado, Chamusca foi contratado pelo Fortaleza, clube atual. Em novembro, completa um ano à frente dos cearenses, e até agora soma apenas três derrotas ao longo de todo o ano.

Chamusca

Além disso, com o fim da primeira fase da terceira divisão nacional, o “Leão do Pici” tem a melhor campanha (64,08%) entre todos os competidores. E, comparando com clubes das séries A e B, o desempenho só não é melhor do que o Cruzeiro, de outro Marcelo – Oliveira, ex-atacante do Atlético-MG.

“É um grupo muito bom em termos de preparação. Tenho uma forma de liderar que costumo compartilhar todas as tomadas de decisão no planejamento da semana de treinos. A ideia é fazer treinos diferentes a cada dia, estimulando a parte cognitiva dos atletas. E o departamento de futbol, como um todo, tem toda a liberdade pra me dar um feedback”, explica Chamusca.

Vice-campeão cearense, ele foi eleito o melhor treinador treinador do Estadual, mesmo com a perda do título para o rival Ceará. Algo que orgulha Marcelo, que trabalhou no Al Jaish e no Al-Arabi Sports Club, do Qatar, e no Oita Trinita, do Japão.

“O futebol é um espaço importante pra trabalhar a inclusão social. Por todos os lugares que passo, procuro bater muito na tecla da administração da carreira dos jogadores. Temos de ter esta preocupação, especialmente na base. Além de nos atentarmos à qualidade do jogo e aos resultados”, indica.

Nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol, uma semana antes do duelo contra o Macaé, pelas quartas de final da Série C, Chamusca fala ainda sobre a preocupação dele em relação ao futuro do futebol brasileiro.

“No Brasil, a captação de talentos até é feita com certa qualidade. Precisamos melhorar a formação dos treinadores de base. Deve haver um currículo mais homogêneo. Passei pelo Qatar e pelo Japão e a realidade é um pouco diferente. Na Europa, existe uma linha de qualificação já consolidada. Há um ponto falho por aqui”, finaliza.

Ouça a íntegra ali: Files/PodCastEntrevista/UDOF EN MCHAMUSCA 1010.mp3


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sexta-feira, outubro 03, 2014

Entrevista] Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva

Amir Somoggi

A Copa do Mundo passou e os velhos problemas do futebol brasileiro permaneceram. Ou melhor, continuaram. O calendário, o adiantamento das cotas de televisão, clubes sem patrocínio master, a falta de ativação, são alguns dos pontos mais alarmantes.

Para nos dar um contexto muito mais amplo deste atual momento que atravessa a modalidade, conversamos com o consultor esportivo Amir Somoggi, um dos nomes mais respeitados do marketing esportivo do Brasil.

Nesta entrevista, Amir destacou o motivo pelo qual o dinheiro investido pela Globo e Caixa Econômica – que detém o maior número de clubes patrocinados, não foi suficiente para amenizar os problemas enfrentados pelas equipes. Ao mesmo tempo, o consultor apresentou algumas soluções para que, enfim, o nosso cenário vislumbre mudanças.

 

MKT ESPORTIVO: Amir, passado apenas dois meses da Copa do Mundo e toda a expectativa criada em torno dela,  ainda assim, os assuntos do momento são racismo e crise na arbitragem. Tomando como base este cenário, que analise você faz do atual momento do futebol brasileiro.

Amir Somoggi: Os episódios de racismo e crise na arbitragem são casos isolados, mas frutos de um problema maior, que é o de gestão do futebol brasileiro. A Copa do Mundo foi um sucesso dentro de campo, mas passou como um raio; foi um oásis num ambiente de má administração do futebol nacional. A verdade é que, ao contrário do que algumas pessoas mais otimistas chegaram a imaginar, a Copa não solucionou os graves problemas estruturais do nosso futebol. Houve, sim, um momento fantástico em âmbito desportivo. Mas, ao final do torneio, tudo voltou a ser como era antes.

 

Seu estudo sobre o cenário do futebol brasileiro publicado em maio deste ano mostra um crescimento muitíssimo baixo de receitas dos clubes entre as temporadas 2012 e 2013 (3.089 bi contra 3.096 bi, crescimento de 0,2%). Ainda de acordo com o estudo, a quota relativa à Publicidade e Propaganda cresceu apenas 1% no período. Você acha que há um entendimento total dos clubes a respeito do que é fazer marketing esportivo, valorizar a imagem institucional e focar no torcedor, que é o seu consumidor e principal fonte de receita?

Essa é a grande questão. O estudo mostrou que as receitas não estão mais crescendo de forma significativa nos últimos anos. Em 2012 houve um incremento em função da renegociação das cotas de tevê pela Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão, com os clubes; no ano passado, houve um aporte da Caixa Econômica Federal, que se tornou patrocinadora master de diversas agremiações. Mas nem o dinheiro da Globo, nem o aporte da Caixa foi suficiente para mudar o cenário da Publicidade e da Propaganda no futebol brasileiro. Historicamente, os clubes sempre viveram com exposição de suas marcas na mídia, e só. No entanto, há várias outras ações que poderiam ser desenvolvidas por eles, junto às empresas e aos torcedores. Na verdade, hoje os clubes são reféns desse modelo. Com isso, os patrocinadores do setor privado não veem os clubes como plataformas de negócios, mas sim plataformas de mídia, apenas. Ainda que ser um plataforma de mídia seja importante para o clube e para a empresa, este não é o único canal para se fazer comunicação com o mercado consumidor. Infelizmente, ainda engatinhamos nesse aspecto.

No próximo mês de novembro você é um dos nomes presentes no MKT no Futebol – Master em Marketing Esportivo com ênfase em Futebol e debaterá justamente o tema da pergunta anterior, “Branding e a crise no mercado brasileiro de patrocínio no pré e pós-Copa”. Não abrindo todo o conteúdo que você abordará no dia do curso, mas alimentando a curiosidade dos que estarão presente, nos diga o por quê desta crise?

São vários os fatores responsáveis por esta crise de gestão pela qual passa o futebol brasileiro. Mas, em minha aula, vou abordar um deles, em especial. Tentarei mostrar à turma que, antes de buscar o faturamento, o clube deve investir na sua própria marca; precisa fazer um bom trabalho de branding para chamar a atenção do mercado. Quando está tudo bem, o clube não precisa se esforçar tanto nessa frente – ainda que, particularmente, eu não concorde com isso. Mas, com o mercado em retração, o clube precisa ser mais criativo. Na minha opinião, vivemos dois problemas: um de criatividade dos profissionais de Marketing esportivo e outro macro, econômico. O Produto Interno Bruto (PIB) do esporte brasileiro movimenta mais de R$ 70 bilhões. Entretanto, o mercado publicitário, as agências e os próprios anunciantes não conseguem perceber o retorno de um eventual investimento feito no esporte. E isso, muito em função da falta de ação – e de criatividade – por parte dos clubes.

 

Recentemente, o Lance divulgou uma pesquisa a respeito da lembrança do torcedor sobre o patrocinador de sua equipe. O destaque fica para a relação Atlético/MG – BMG, líder do ranking com 38% de share of mind. O banco mineiro, por sua vez, utiliza o futebol como mera plataforma de mídia, mas consegue ter o maior índice de lembrança. A que se deve este fato?

Mais uma vez, não acho que seja apenas um único fator que tenha levado a esse resultado. No caso do Atlético Mineiro, a lembrança do Banco BGM pode ter se dado porque a instituição também é uma marca do próprio estado de Minas Gerais, ou mesmo porque leva a sigla do estado no nome. Há, ainda, o componente de fanatismo da torcida do Atlético, uma das suas marcas registradas. Mas essa pesquisa, na verdade, acendeu um sinal amarelo no mercado. Os resultados são preocupantes, visto que os torcedores, que nada mais são do que consumidores, não se lembraram de marcas associadas ao seu clube do coração. E há muito clube que recebe mais dinheiro de seus patrocinadores que o Atlético Mineiro, mas nem assim houve retenção de marca desses investidores pela torcida. Por quê? Porque falta ativação de patrocínio. Sem ativação, é muito dinheiro investido e pouco retorno efetivo obtido.

 

Hoje, o foco está na Major League Soccer, que apesar de muito nova, está crescendo a passos largos nos EUA. Enquanto novas equipes entrarão na liga em 2015, e com elas a presença de Kaka, Lampard e Villa, os gigantes da Europa também utilizam o país para pré-temporadas e relacionamento com o fã norte-americano. De fato, é um mercado-chave para os patrocinadores. Comente sobre este atual momento do soccer e em qual aspecto o Brasil poderia se espelhar.

A MLS é uma liga muito bem administrada, cujo sucesso independe do volume de dinheiro que movimenta. Fato é que o boom do soccer nos Estados Unidos após a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, foi sucedido de um crescimento exponencial pela pela modalidade por parte dos americanos, sobretudo agora, após a Copa do Mundo do Brasil. E isso abriu um mercado fantástico para todos os que queiram explorar o mercado norte-americano. Importante salientar que a MLS foi criada após a Copa de 94, realizada lá mesmo nos Estados Unidos. E, de lá para cá, e principalmente nesta década, é evidente que os principais patrocinadores e investidores do futebol mundial voltaram suas atenções para o país. Isso também vale para os clubes, especialmente os europeus. Todos estão focados nos Estados Unidos. Nesse sentido, os clubes brasileiros certamente terão dificuldades em se estabelecer por lá. E, diante dessas dificuldades, resta-nos ter a humildade de tentar aprender alguma coisa com eles. Por exemplo, no que diz respeito ao rígido controle para fortalecimento comum de todas as equipes, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a Liga Espanhola de Futebol, onde raramente o título nacional não é vencido por Barcelona ou Real Madrid. Para os americanos, o modelo é antagônico ao da “espanholização” do futebol: quanto mais competitividade tiver a MLS, mais dinheiro será injetado no negócio em longo prazo. Com mais dinheiro, todos ganham. Esta é, sem dúvida, uma importante lição para o futebol brasileiro.

O ex-jogador Leonardo esteve no “Bola da Vez” da ESPN Brasil e comentou a respeito das fortes marcas que se tornaram as ligas da Europa. Premier League e Bundesliga, por exemplo, rapidamente são associadas a ligas com solidez financeira e competitivas desportivamente. Quando o assunto é o Brasileirão, segundo ele, os europeus não relacionam com a liga brasileira e futebol. Como mudar este cenário tão negativo? A venda de direitos de transmissão internacional seria parte do processo?

A venda dos direitos de transmissão internacional do Campeonato Brasileiro é apenas uma etapa para que essa mudança comece a acontecer. Falta-nos, hoje, que os clubes de fato tenham uma abordagem internacional de suas marcas e do futebol brasileiro como um todo, com um projeto mais amplo do qual façam parte a Confederação Brasileira de Futebol e a Rede Globo, como detentora da propriedade. Infelizmente, não temos Liga, tampouco união dos clubes no Brasil. Só isso já torna tudo mais difícil. E é por isso que estamos perdendo espaço para ligas como a própria MLS, que tem apoio da ESPN e transmite seus jogos para o mundo inteiro. Sem essa abordagem internacional, no contexto de um projeto bem montado, que envolve, também, temas como calendário, os times brasileiros continuarão sendo insignificantes no exterior. Conhecidos lá fora, só mesmo a Seleção Brasileira e nossos bons jogadores.

 

Você é um dos profissionais mais solicitados para entrevistas relacionadas ao universo do marketing esportivo e suas pesquisas embasam milhares de publicações. Sendo uma referência aos que se interessam pelo tema, que conselho você dá aos novos profissionais e aqueles que ainda desejam um espaço neste tão concorrido mercado?

O primeiro conselho é o de mudança de foco: muito profissional jovem pensa que Marketing Esportivo é trabalhar no clube do coração e fazer alguma coisa por ele, mas isso é um grande erro. Na verdade, isso é um sonho, e de difícil realização. Os grandes clubes são muito difíceis de se trabalhar. Por outro lado, clubes menores  com boas estruturas, tendem a ser receptivos a bons projetos. O mesmo acontece com outras modalidades esportivas. O mercado corporativo também precisa, e muito, de gente qualificada. Agências, consultorias, novas arenas e empresas de gestão esportiva devem estar no radar do profissional de Marketing Esportivo, e não apenas os clubes de futebol. Até arrisco dizer que os clubes talvez sejam os locais menos indicados para fazer carreira na área, visto que neles ainda predominam os interesses políticos. E também há vida no Marketing Esportivo para quem trabalha em empresas que não investem no esporte. Por que não tentar desenvolver um projeto do zero para pegar experiência e aprimorá-lo conforme os interesses desta empresa? Pode dar certo e despertar novas possibilidades comerciais para a corporação. Esta é outra dica que deixo.