Padronização dos processos de formação, desde a captação até o elenco profissional, acarretará menor dependência do clube em gerar receita advinda da venda dos jogadores, sem valor agregado**Tarcísio Rezende Dias, Marcos Marinho Teixeira e Paulo Lanes Lobato* / Universidade do FutebolResumo
O Engenheiro de Produção é conhecido por sua formação como um profissional multifacetado e capaz de atuar em diversos segmentos do mercado e em diversas áreas das empresas. E uma dessas formas de atuação possível é no mercado do futebol, trabalhando com a padronização dos processos e com a implementação de ferramentas que podem auxiliar no desenvolvimento do setor de forma a torná-lo cada vez mais profissional.
O presente trabalho busca o desenvolvimento de um modelo de gestão e padronização de métodos no futebol com foco no desenvolvimento de jovens jogadores. A ideia é que através de ferramentas de gestão como QFD – Desdobramento da Função Qualidade e Matriz SWOT obtenha-se um cenário atual da gestão do Cruzeiro Esporte Clube e proponha-se um modelo de gestão ideal já aplicado em outros clubes de futebol.
A abordagem é feita no sentido de tratar o clube como qualquer organização de outro segmento do mercado, onde este possui clientes (torcedores), investidores (sócios), funcionários (comissão técnica e jogadores), sede (Centro de Treinamento) e a busca de diminuir as despesas, aumentar as receitas e atender aos seus clientes. E como qualquer outra empresa, o segmento do esporte também necessita de profissionais capacitados atuando nela de forma a atingir sempre a excelência no setor. A diferença é que os stakeholders não estão interessados em dividendos e sim em títulos e por isso todo o lucro obtido no período deve ser reinvestido no clube em contratações e infraestrutura.
Introdução
O futebol brasileiro está passando por um período de grande transformação. A proximidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas, ambos com a realização no Brasil, o crescimento da economia local são fatores que geram uma grande oportunidade para que os clubes passem por uma “reengenharia” em seus processos de gestão. Somado a isso, as mudanças na Lei Pelé, que privilegiam o clube formador, como por exemplo, o direito da verba de solidariedade inclusive para transferências nacionais também contribuem para os que os clubes possam ampliar as suas oportunidades em relação a este novo tempo que vem se aproximando.
O modelo gestão de grande parte dos clubes do futebol brasileiro ainda é muito amador, sendo extremamente defasado em relação à maioria dos clubes do resto do mundo. O país que é referência de qualidade de jogadores, passa longe de ser exemplo quando o quesito é organização, responsabilidade, respeito aos seus principais clientes, os torcedores, gerenciamento e tantos outros aspectos que estão ligados a gestão esportiva que essas organizações devem possuir.
Esse amadorismo se reflete principalmente na formação de jovens atletas, onde os clubes demonstram tamanha incompetência e falta de habilidade gerencial para poder usufruir toda capacidade humana disponível existente em território verde e amarelo. Os clubes ainda não enxergaram a importância que as categorias de base possuem em relação à formação de equipes competitivas e qualificadas em longo prazo. E também a capacidade de exploração da identificação destes jogadores com a instituição, gerando uma maior identidade perante aos torcedores, e consequentemente maiores lucros.
Mesmo aqueles clubes que possuem uma excelente infraestrutura física, tendo belos centros de treinamentos, ainda não possuem um modelo de gestão integrado e profissionais capacitados, capazes de extrair toda a potencialidade que as categorias de base podem gerar em prol da própria instituição.
Então através dessa gama de oportunidades de melhoria que o esporte brasileiro, especificamente o futebol, possui para se aperfeiçoar foi desenvolvido o trabalho, tendo como objeto de estudo o Cruzeiro, clube da maior torcida em Minas Gerais e uma das instituições com melhor infraestrutura física de trabalho em todo Brasil, mas com uma gestão que tem apresentado limitações na utilização de jogadores oriundos da categoria de base no elenco principal.
Esta é uma situação que ocorre atualmente, sendo fruto de uma gestão não focada na qualidade e da não integração entre os setores das categorias de base e do profissional ao longo do tempo. Isso acarreta em uma falta de padronização e qualidade nos processos de formação dos jovens atletas. Com isso o clube não consegue utilizar o grande potencial de jogadores que desenvolve, não usufrui a melhor maneira desses atletas que dispõem, deixando de atender às expectativas e necessidades dos principais clientes, seus torcedores. Perdendo dessa forma, oportunidades de gerar maiores receitas e ter um maior retorno do capital investido nesses jovens atletas.
Estado da Arte
Os clubes de futebol no Brasil, em sua grande maioria, cuja representatividade no contexto cultural todos reconhecem, passam por circunstâncias que são esdrúxulas se você analisá-las com um pouco mais de atenção. Mediante as receitas de milhões, provenientes das mais diversas fontes, estas instituições não conseguem atender ao princípio mais elementar de qualquer negocio: se você gastar mais do que você arrecada, você não se mantém! E os clubes só não entram em falência por fatores que tornam esse meio ainda mais nebuloso.
Assim, entre a importância de uma instituição e o bem estar que ele proporciona, existem lacunas que devem ser preenchidas, fazendo com que o futebol brasileiro se torne um setor de referência, e gere satisfação de todos os envolvidos.
Dessa forma pretende-se mostrar a partir de uma revisão de vários trabalhos disponíveis na literatura, o quão é importante esse processo de mudança de gestão no futebol brasileiro, tendo foco na integração dos processos, na produção de produtos (jogadores) com alto valor agregado e nas equipes qualificadas. Dessa forma, espera-se gerar uma maior satisfação aos seus stakeholders e a diminuição do déficit operacional dos clubes, através de maior geração de receitas.
Segundo Slack (2009), o processo de transformação é muito importante para a organização e se traduz na transformação de inputs em outputs. As operações sofrem influência do recurso que está sendo transformado, da ferramenta utilizada e outros fatores ambientais. E diferentes empresas necessitam de diferentes recursos para suas transformações.
Esse processo pode transformar material, informação e pessoas, como no caso de jovens jogadores de futebol. A diferença entre os bens e os serviços produzidos é a tangibilidade. Mas o produto está cada vez mais associado ao serviço e isso faz com que a razão do processo produtivo seja “servir o cliente”. Este modelo pode ser observado na Figura 1 abaixo, bem como a relação existente entre um processo de produção de determinado produto ou de jovens jogadores de futebol.
Em sua tese de doutoramento, Esporte-Espetáculo e Futebol-Empresa, Marcelo Proni (1998) busca demonstrar que a adoção de métodos empresariais para a gestão do futebol profissional faz parte de um movimento amplo de transformação do mundo esportivo contemporâneo, que por sua vez, é produto da difusão da indústria do entretenimento e da globalização. E, no caso do futebol brasileiro, a transição para um novo modelo expressa os dilemas atuais da sociedade brasileira, em especial, os seus limites para adentrar plenamente na modernidade.
Na dissertação de mestrado de Marisa Cunha (2000), Desdobramento da Função Qualidade no setor de lazer: O caso Petrópole Tênis Clube, a autora apresenta, discute e analisa a situação do método de planejamento da qualidade denominado QFD - Quality Function Deployment aplicado ao segmento da prestação de serviços constituído por clubes sociais e esportivos. A metodologia proposta visa contribuir para a fidelização dos sócios do Clube em enfoque, já que o mesmo demonstra um cenário aonde seus sócios vêm se afastando gradativamente, implicando com isso, dificuldades de oferecer aos mesmos um ambiente com manutenção permanente, novos atrativos e capacitação da equipe que serve à entidade.
O livro de Ferran Soriano (2010), A Bola Não Entra por Acaso - estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol, baseado na experiência do autor no Barcelona F.C., traça um paralelo entre o mundo do futebol e o mundo corporativo. Ele mostra como as pessoas podem usar seu modelo de gestão para fazer empresas de qualquer segmento, inclusive clubes de futebol, alcançar o sucesso.
Em seu artigo Uma abordagem prática da interdisciplinaridade - O caminho que o futebol irá percorrer, mais cedo ou mais tarde, Antonio Afif (2007) tem como objetivo o aprofundamento das discussões em torno das práticas multi, inter e transdisciplinares e como elas podem se inserir no contexto do cotidiano dos clubes de futebol.
O artigo A importância da Pesquisa no Futebol - Conhecendo o perfil dos torcedores, baseado no livro de Budolla (1999), Gol! A emoção aliada aos negócios apresenta uma relação entre a pesquisa e o futebol: Venda do produto futebol - é através das pesquisas que se pode mostrar o potencial do clube, como número de torcedores e respectivo perfil, bem como o potencial de consumo.
Artigo de Rodrigo Godoy (2009) Gestão Esportiva: as grandes conquistas se iniciam fora de campo. Essa obra relata que para um clube se posicionar no grupo de elite, o planejamento estratégico precisa fornecer um caminho seguro, viável e que forneça resultados em um curto espaço de tempo, pois há uma cobrança constante do torcedor por resultados imediatos nas competições. Como o torcedor é, em última análise, o cliente e a razão de existir do clube, a cobrança é sempre legítima.
O autor ainda ressalta que realizar um planejamento estratégico é apenas o primeiro passo para que o resultado efetivo apareça. Muito mais importante que elaborá-lo é manter a disciplina e o foco para implementar os projetos prioritários apontados, promovendo melhorias efetivas nas rotinas do clube, principalmente nos processos do futebol, que é o negócio fim do clube. Sendo assim, estes fatores são os principais desafios de um clube para se inserir em um ciclo virtuoso de crescimento perene e sustentado, visando sempre à satisfação de seu torcedor, com conquistas e bons espetáculos em campo.
O artigo Clubes de Futebol e seus produtos precisam ser marcas “especiais” tem como objetivo mostrar como as agremiações têm de conhecer quem são seus consumidores, além de buscar conquistar os “torcedores inconstantes”. E esse conhecimento passa pela fidelização e conquistas de novos clientes (torcedores). Os passos que o autor cita para que os clubes consigam a manutenção e conquista de novos torcedores são: fortalecimento da marca; rejuvenescimento da marca para cativar os mais jovens; (Re)Construção da identidade para manter o clube sempre moderno; e por fim a conquista de novos mercados.
No artigo de Eduardo Barros (2008), A equivocada metodologia de treinamento aplicada nos clubes de futebol - Um problema essencialmente técnico-pedagógico ou administrativo?, tem-se uma breve compreensão da importância da necessidade na mudança da gestão de um clube. O autor faz um paralelo entre o mundo corporativo e do futebol, e ainda afirma que um dos maiores problemas do futebol brasileiro é a compreensão da gestão/produção de forma não integrada. Atualmente o mundo corporativo vive a era dos sistemas integrados de gestão/produção, onde grandes companhias avançam para a diminuição dos níveis hierárquicos da organização e apostam em capacitação e treinamento para a formação de profissionais multi-especialistas.
Essas pessoas tem que ter uma visão sistêmica e se atualizar constantemente, ajustando suas cadeias produtivas para otimizar tempo/custo/flexibilidade, e, assim, gerar produto ou serviço com qualidade ótima e passível de competitividade com o mercado. E onde se encontra, então, o futebol nesse contexto? Barros mostra que para tentar resolver esses problemas, alguns clubes começam a utilizar inovações tecnológicas, como softwares de gestão empresarial. Mas ressalta que a grande revolução não está na tecnologia e sim nas pessoas que gerenciarão as informações. Mais importante que o software é a contratação ou capacitação de profissionais que consigam obter o máximo de benefícios através dos dados gerados pelo sistema.
Objetivo
O presente trabalho é um estudo visando a gestão da qualidade nos clubes e o processo de padronização de métodos com foco nos resultados a partir da visão da engenharia de produção. Dessa forma, tem-se como objetivo, otimizar os custos de produção, gerar produtos/serviços de qualidade, proporcionar maior competitividade no mercado, melhorar resultados financeiros e consequentemente satisfazer seu principal cliente, os torcedores, e todos os outros stakeholders. A estruturação do estudo, que analisa amplamente os processos de produção do clube, de forma sucinta, tem como foco de atuação os seguintes aspectos:
- A gestão da qualidade no processo de produção de jovens atletas;
- Elaborar o documento metodológico da qualidade junto com a comissão técnica do clube, que se refere a um modelo de formação de jovens atletas baseado na filosofia e cultura do Cruzeiro Esporte Clube e na gestão da qualidade.
- O referencial utilizado na seleção dos profissionais diretamente envolvidos com o sistema de produção (seja ele treinador ou jogador);
- Resgate de valores (tais como os ídolos do passado e ligados às glórias do clube), que após uma capacitação, estariam incumbidos de desenvolver junto aos novatos a percepção do sentido da marca Cruzeiro, evidenciando os princípios que sempre estiveram e prevalecem na filosofia da instituição;
- Estabelecer padrões de referência básicos para o setor de futebol envolvendo desde as categorias de base até o profissional, a fim de que os profissionais - treinadores, gestores e outros - sejam contratados pela capacidade de desenvolver os projetos do clube. Essa é uma prática que geralmente ocorre em empresas de todos os setores, onde quem se adapta à empresa é o funcionário;
- Elaborar e desenvolver projetos voltados para jovens talentos, para que potencialize as habilidades do jovem atleta e fortaleça sua identificação com o clube;
- Buscar estabelecer as interfaces para que essas ações, mais do que o aprimoramento do produto-atleta (prata da casa), se consolide e se potencialize como fonte de divisas para o clube;
- Valorizar ainda mais a marca Cruzeiro fazendo o clube ser referência em gestão com foco na qualidade.
Material e métodos
O presente trabalho caracteriza-se como um estudo de caso. Segundo Rodrigo (2008), um estudo de caso evidencia-se como um tipo de pesquisa que tem sempre um aspecto descritivo, onde o pesquisador não pretende intervir sobre a situação, mas dá-la a conhecer tal como ela lhe surge. No entanto, o autor ainda afirma que não precisa ser meramente descritivo, podendo ter um alcance analítico, interrogar a situação ou ainda confrontá-la com outras já conhecidas e com as teorias existentes.
Dessa forma, pode ajudar a gerar novas teorias e novas questões para futura investigação. Visando propor melhorias para a cadeia em estudo, este trabalho buscou analisar e entender o funcionamento da mesma, compreendendo o contexto e a cultura em que estão inseridas.
A primeira etapa do estudo consistiu na realização de um diagnóstico, buscando a identificação do problema, sendo feito a partir de análises da situação. Essa análise foi obtida através da utilização do QFD (Quality Function Deployment – Desdobramento da Função Qualidade) que segundo Cheng (2007) é um método que visa auxiliar no desenvolvimento do produto focalizando na tradução e transmissão da voz do cliente até a pré-produção e, portanto no caso, resultará na qualidade do jogador formado a ser entregue ao time profissional.
A implantação do método QFD objetiva duas finalidades: auxiliar no processo de desenvolvimento dos jogadores, buscando, traduzindo e transmitindo as necessidades e desejos do clube e dos torcedores; e garantir a qualidade.
O Processo de Garantia da Qualidade durante o Desenvolvimento dos jogadores busca uma aproximação entre a “Qualidade exigida” do clube e dos torcedores e a “Qualidade dos jogadores recebidos” passando pela “Qualidade de especificação e Qualidade de fabricação dos jogadores”.
Este enfoque visa conceber bem o que se propõe a produzir e entregar de acordo com as necessidades e os desejos captados dos stakeholders.
Como complemento dessa análise, foi desenvolvida a Matriz SWOT que consiste num modelo de avaliação da posição competitiva de uma organização no mercado. Essa avaliação da posição competitiva é efetuada através do recurso a uma matriz de dois eixos (o eixo das variáveis internas e o eixo das variáveis externas), cada um dos quais compostos por duas variáveis: pontos fortes (Strenghts) e pontos fracos (Weaknesses) da organização; oportunidades (Opportunities) e ameaças (Threats) do meio envolvente. Assim essa ferramenta foi utilizada identificando os fatores internos e externos que afetam o clube de forma traçamos estratégias baseadas na análise feita.
Para o desenvolvimento do projeto foi necessário o reconhecimento de como esse processo de recrutamento e desenvolvimento de jovens atletas funciona no clube. Sendo feito através de aplicações de questionários e entrevistas com as pessoas envolvidas no processo.
Depois das análises e do modelo sugerido, iremos propor ao clube um plano de ação, que é o planejamento de todas as ações necessárias para atingir um resultado desejado. Esse é um momento importante para a entidade pensar sobre a sua missão, identificando e relacionando as atividades prioritárias para o ano em exercício, tendo em vista os resultados esperados. Dessa forma, facilitará o trabalho dos colaboradores, estabelecendo prazos e responsáveis por atividades que deverão ser cumpridas a fim de alcançar os resultados esperados.
Resultados
Como resultados do trabalho desenvolvido no Cruzeiro Esporte Clube, tivemos a elaboração das ferramentas que auxiliarão no projeto de modelo de gestão que se deseja implantar, sendo estas demonstradas abaixo.
A formatação destas ferramentas foi feita após uma análise da situação através de visitas aos dois centros de treinamento que o clube possui e entrevistas com profissionais que atuam no setor de desenvolvimento de jovens atletas, podendo assim conhecer o processo de formação de jogadores que a instituição possui.
A Figura 3 representa a matriz QFD - Desdobramento da Função Qualidade. A partir dela, os Gráficos 1 e 2 foram gerados e são referentes respectivamente aos aspectos mais importantes para o envolvidos no desenvolvimento do produto (jogador) e as características desse processo que o clube tem de mais relevante. Ou seja, uma comparação entre aquelas qualidades exigidas e as que o Cruzeiro Esporte Clube a fim de alcançar um nível de excelência no setor.
E com relação às qualidades que o clube possui, pode-se constatar que o Cruzeiro Esporte Clube possui profissionais capacitados, um Banco de Dados com informações dos atletas da base e um Foco na Qualidade daqueles jogadores que entram no clube.
Com essas informações, constrói-se uma base para elaboração da Matriz SWOT demonstrada nas Tabelas 1 e 2, a fim de se fazer uma análise crítica que aborda os pontos positivos e negativos que o clube possui referente ao seu modelo de gestão de formação de jogadores e os aspectos do ambiente interno e externo que afetam a instituição. Então após essa abordagem de percepção do ambiente interno e externo, foi elaborado um conjunto de estratégias que visa aperfeiçoar o processo de gerenciamento no desenvolvimento de jovens atletas pelo clube, para que sejam implantadas na instituição. As estratégias podem ser observadas na Tabela 3.
E como complemento da análise do ambiente de gestão esportiva no Brasil e no Mundo nós utilizamos uma análise comparativa com outros clubes, buscando exemplos de excelência em outras instituições que possam ajudar na implantação do modelo de gestão profissional idealizado.
No Brasil, esse tipo de gestão é pouco difundido e conhecido, o que leva a um preconceito quando algum clube busca inovar em alguma atividade que já é feita de uma determinada forma há anos e que por isso é considerada a ideal.
Isso pode ser visto quando profissionais de outras áreas da economia entram no mercado do futebol, ou quando a forma de gerir o clube ou de contratar profissionais (jogadores ou dirigentes) se difere da maioria dos outros clubes.
Porém, aos poucos essa situação está se modificando e hoje, no Brasil, já temos exemplos, como o Sport Club Internacional que possui uma certificação ISO:9001 no seu serviço de atendimento ao seu cliente, os torcedores e demais visitantes que chegam todos os dias para conhecer o seu estádio Beira-Rio. E a ideia definida em um planejamento estratégico, é que até 2019, o clube possa padronizar e certificar todas as áreas do clube.
Na Europa, essas práticas mais profissionais já são rotineiras e clubes de futebol são tratados como empresas que possuem mercado, funcionários, clientes, e têm que aumentar as receitas e diminuir suas despesas. O maior exemplo que podemos citar é o Barcelona que em 2003 estava preocupado em não falir e em menos de 10 anos conseguiu alcançar a hegemonia do futebol mundial. Mas para isso foi necessário um processo altamente planejado e complexo e seguido com pulso firme.
Em 2003, o Barcelona gastava muito com jogadores estrangeiros, que não carregavam orgulho catalão com eles. Paralelamente a isso via seu maior rival, Real Madri investir em jogadores caríssimos e conquistar títulos. Com essa situação, uma atitude foi tomada e a diretoria que assumiu o clube passou a investir em peso nas categorias de base com a ideia de que craques o Barcelona fazia em suas canteras (termo que representa as categorias de base do Barcelona).
As estratégias fora de campo também mudaram e passou-se a ter forte investimento na gestão financeira do clube, no controle de gastos, no equacionamento das dividas e na busca por novas receitas. O torcedor passou a ser o maior patrimônio do clube e sua razão de existir.
E o resultado veio com três títulos da Liga dos Campeões da Europa em 2006, 2009 e 2011. Este último teve uma representatividade ainda maior já que o time campeão era formado em quase sua totalidade (8 jogadores dos 11 titulares) por jogadores oriundos das categorias de base do clube.
O Barcelona aplica, dentro de campo, a filosofia que aplica fora dele e por isso é conhecido pelo slogan “Més que um club” (Mais que um clube). Sua marca é internacionalmente conhecida e é sinônimo de qualidade, competência, liderança e inovação. Hoje ele consegue levar ao esporte algo que só se pensava ser possível no universo das marcas de bens de consumo. E para os clubes que querem se espelhar nesse modelo deve-se ter a ideia de que as ações devem ser feitas muito além das quatro linhas.
No Santos, quando a nova diretoria assumiu em Dezembro de 2009, buscava assumir duas frentes: a criação de um novo organograma administrativo e a busca por perfis de liderança. Não se tem mais a ideia do “cartola” que manda e desmanda em todas as áreas do clube.
Atualmente o pensamento é estabelecer a governança corporativa que segundo os próprios comandantes do clube é “um sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os acionistas e os cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal.
As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade”. Essa formatação com um Comitê de Gestão, composto pelo presidente e mais sete membros garante uma maior fiscalização dos atos da administração do Santos e participação de mais pessoas em materiais relevantes como venda e contratação de jogadores e investimentos.
E o resultado dessa ação já pode ser visto, com uma administração profissional, marketing atuante, com força nos bastidores e um time permanentemente competitivo, cada vez menos dependente da ação de empresários. E para os “acionistas” os resultados também são satisfatórios com dois Campeonatos Paulistas, uma Copa do Brasil e uma Taça Libertadores da América.
Para encerrar, pode-se citar novamente o Barcelona que aplica como lema a o principio da profissionalização total e descentralização do poder que não é simplesmente delegar decisões a mais de duas ou três pessoas, mas sim a profissionais talentosos e associados presentes.
Discussão dos resultados
Com os resultados obtidos a partir da utilização das ferramentas que auxiliaram na análise da gestão do Cruzeiro Esporte Clube, foi possível se obter algumas conclusões do cenário existente dentro da instituição estudada.
É possível perceber que apesar de toda a estrutura física e equipe de profissionais capacitados que o clube possui, a gestão de formação de atletas que este desenvolve é defasada e apresenta falhas em seu gerenciamento. Mesmo a organização apresentando uma metodologia de captação dos jovens jogadores, o clube demonstra amadorismo em diversas partes do processo de desenvolvimento de atletas. Sendo que isto pode ser visto nas ações relatadas a seguir juntamente com a forma que elas poderiam ser aproveitadas pelo clube.
- Inexistência de integração entre as comissões técnicas das categorias de base e do elenco profissional, a fim de se mapear os atletas que nelas estão e conseguir desenvolvê-los e fazer com que alcancem o máximo de sua capacidade técnica e física ao chegar ao profissional. Um dos motivos para que isso ocorra é a falta de um canal de comunicação que possa informar a todos os interessados na cadeia qual é a condição de cada jogador do clube.
- Não existência de uma metodologia padrão de formação de jogadores, dificultando assim, a adaptação destes quando chegam ao elenco principal. Ocorrendo assim, o que acontece atualmente, o “bate e volta destes” destes atletas entre o elenco principal e categoria de base.
- Contratação de jogadores e técnicos seguem um modelo amador, como exemplo de outros clubes do país, não buscando elaborar um modelo padrão do clube de captação de profissionais, que vise orientar esta prática a partir dos princípios que o clube preza e traçar um perfil de profissional (jogador ou comissão técnica) que se identifica com a instituição. Podendo dessa forma proporcionar uma vantagem competitiva com relação a seus concorrentes e gerar melhores resultados para organização.
- Práticas de sucesso implantadas em grandes clubes do exterior e em alguns clubes brasileiros não são vistos como um modelo a ser seguido, sendo o que leva isso muita vezes é a falta de visão crítica por parte dos dirigentes do clube com relação a própria gestão. É fato que estas práticas devem ser adaptadas a cada clube, mas a sua essência deve prevalecer a fim de buscar sempre a melhoria contínua e a excelência na gestão do clube.
- O clube não apresenta um planejamento estratégico de médio e longo prazo, focando somente em resultados em curto prazo. Isso gera um desejo de resultados que venha de forma imediata. Como muitas vezes isso não acontece, todo o planejamento é considerado falho, pois resultados futuros advindos de ações contínuas podem gerar resultados satisfatórios em longo prazo. Além de poder ser estabelecido um plano de carreira ao todos os profissionais da organização, dando maior estabilidade e segurança para o desenvolvido do trabalho de todos.
Então a partir da conclusão do cenário estudado deve-se realizar um plano de ação para a elaboração do documento metodológico da qualidade (DMQ) de forma a organizar as atividades que levarão o clube a um modelo de gestão e padronização de métodos no desenvolvimento de jovens atletas cada vez mais profissional. Com esse plano de ação sendo seguido e atualizado a medida que as atividades vão sendo desenvolvidas, espera-se proporcionar maiores benefícios ao clube, por meio de estratégias de gerenciamento do sistema de produção, o qual se adapte de forma mais eficiente e eficaz de acordo com as peças da organização.
Os benefícios esperados são: a padronização dos processos de formação dos jogadores, desde a captação até sua chegada ao elenco profissional, o que acarretará em uma menor dependência do clube em gerar receita advinda da venda de jogadores recém-formados, sem o valor agregado. Proporcionando, assim, que as outras fontes de receita sejam mais bem administradas e exploradas, facilitando a gestão financeira do clube em conjunto com a qualidade da equipe; aumento do número de jovens jogadores formados que integram a equipe profissional, a fim de formar times que tenham uma identidade maior com o Cruzeiro Esporte Clube e com sua torcida.
Assim, gerar uma maior capacidade de exploração do marketing desses atletas para o clube, pois estes representarão a imagem dos valores e princípios da instituição, ocasionando dessa forma uma maior satisfação de seus principais clientes.
Tendo o resultado como toda a transformação da satisfação dos torcedores em rentável e confiável forma de receita.
Conclusão
Com o desenvolvimento deste trabalho, podemos concluir que ainda faltam muitas coisas no futebol brasileiro para se atingir um nível profissional e de excelência como é visto na Europa. Exemplo disso pode ser visto no Cruzeiro Esporte Clube, nosso objeto de estudo, que é um clube referência no país em alguns setores e que mesmo assim possui um modelo de gestão defasado com relação ao que se considera ideal para o gerenciamento de uma organização. Tendo, dessa forma, uma necessidade de mudança no processo de gestão do clube, passando a alinhar estratégias profissionais que visem tratar o clube como uma instituição profissional, focando na integração e padronização dos processos e no atendimento das necessidades de sua principal fonte de receita, que são os torcedores – clientes.
Faz-se necessário, portanto, o estabelecimento de uma visão e missão por partes dos clubes, para que estes passem uma maior transparência a todos os envolvidos com a instituição e saibam de que forma a clube irá agir em suas atividades desempenhadas.
Com isso podemos perceber que a inter-relação da Engenharia de Produção e o futebol, torna-se possível devido à capacidade de adaptação de profissionais deste setor aos mais variados tipos de processos e organizações. E isso pode ser comprovado pelo fato destes profissionais possuírem habilidade para atuar em diversas áreas do cenário do futebol como Marketing, captação (implantando modelo com critérios baseados em características relevantes); padronização dos processos que vão desde a captação do jogador até sua entrada no time profissional, gestão financeira, gestão da qualidade, entre outros setores que o clube possui.
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*Tarcísio Rezende Dias é graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Viçosa em Dezembro de 2011.
Marcos Marinho Teixeira é graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Viçosa em Dezembro de 2011.
Paulo Lanes Lobato é professor de Educação Física na Universidade Federal de Viçosa e Mestre em Administração em Educação Física e Esportes - Gama Filho.
**O artigo foi originalmente publicado na Revista Motricidade e no Congresso Internacional dos Paises de Língua Portuguesa - PALOPS, na Revista Mineira de Educação Física.
Sinopse
"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."
CALOUROS DO AR FC
quinta-feira, julho 05, 2012
Futebol e Engenharia de Produção: a importância das ferramentas de gestão para o sucesso do negócio
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Qual pós graduação corresponde a atividade esportiva dentro da Engenharia de Produção?
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