Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

domingo, janeiro 24, 2010

Treino é jogo, jogo é treino
Talvez o grande problema para se entender a ação tática, seja devido ao fato de que quando se fala em tática aqui no Brasil, sempre se associa à esquema tático (sistema tático, ou plataforma tática)

Alcides Scaglia

Certa vez, já há algum tempo escrevi uma crônica pedagógica dizendo: “Treino é treino, jogo é jogo! Este é um dos adágios populares mais alardeados meio futebolístico. Jornalistas, técnicos, jogadores, torcedores... Já escutei esta frase de todos eles. Contudo, o problema não se resume no reproduzir este ditado, mas em acreditar nele. Esta máxima popular, se levada ao pé da letra, me permite concluir que não tem sentido treinar.

Se o treino é circunscrito em si, ou seja, tem um fim nele mesmo, não mantendo relação com o jogo, treinar passa a ser apenas ocupação de tempo ocioso antes do jogo, pois o mesmo não prepara os jogadores para enfrentar os problemas do jogo. Volto a dizer no futebol os treinos e seus objetivos são, na maioria das vezes, banalizados (repetidos porque sempre foi assim). Pode-se dizer isto no sentido de que os mesmos não se preocupam necessariamente em manter uma relação com o acaso e as exigências presentes no jogo. Nos treinos reina a previsibilidade; no jogo impera a imprevisibilidade.”

Infelizmente, este é um tema recorrente (e o será ainda por um tempo; tenho consciência disto), pois como Mary Lippitt, presidente da Enterprise Management e autora de “The Leadership Spectrum”, adverte: “O difícil não é implementar novas idéias na cabeça das pessoas, mas sim retirar as antigas”.

O método tecnicista ainda é poderoso, ou melhor, está fortemente arraigado no inconsciente coletivo, para utilizar um tema Jungiano. Até naqueles que começam a entender as propostas advindas das novas tendências em pedagogia do esporte, algumas verdades tradicionais parecem intocáveis.

Por exemplo, há uma grande dificuldade em compreender como é possível ensinar e aperfeiçoar a técnica dentro do contexto de jogo, ou como se teoriza, ensinar a técnica por meio da ação tática.

Talvez o grande problema para se entender a ação tática, seja devido ao fato de que quando se fala em tática aqui no Brasil, sempre se associa à esquema tático (sistema tático, ou plataforma tática).

Tática, segundo as teorias em pedagogia do esporte, diz respeito aos meios de ação desencadeados pela circunstância lógica do jogo. Assim, ao treinador cabe pensar a estratégia (que pode englobar a busca pela utilização de alguns meios táticos) e sempre ao jogador a ação tática, pois dependerá dele na sua interação sistêmica com as intenções de companheiros e adversários mediante ao desencadeamento das situações do jogo.

Desta interação emergem as ações denominadas táticas, e para realizá-las o jogador se valerá de suas habilidades (que abarcam a técnica – os fundamentos específicos). Logo, fica evidente que as habilidades exigidas são consideradas abertas (técnicas abertas), pois as ações não podem ser previsíveis.

Sendo assim, o passe certo não é mais determinado por sua tese biomecânica, mas sim por seu resultado: se o companheiro conseguiu receber a bola (de preferência após abrir linha de passe) e dar continuidade ou finalidade na jogada.

Deste modo, num jogo de Bobinho, por exemplo, o passe (técnica) é determinado pela ação tática do jogador. Ação esta que dependerá das circunstâncias (contextos) que emergem do jogo (interação entre os jogadores, as condições externas e as regras do jogo). Logo, é pela tática (ação lógica; razão de fazer) que a técnica (gesto; modo de fazer) acontece e se aperfeiçoa.

Auxiliado por Julio Garganta e José Oliveira na busca por referendos as afirmações levantadas: “A táctica exprime-se por comportamentos observáveis e não dependem do livre-arbítrio. Ela decorre de um processo decisional metódico regulado por normas, que dependem de um certo grau de consciência pressupondo informação e conhecimento.

Este conhecimento refere-se (1) aos sujeitos da acção, ou seja aqueles que se enfrentam, (2) às condições em que se desenvolve o confronto, (3) à relação intrínseca com os objetivos, (4) ao caráter sistemático reflectido nos planos e alternativas para a resolução dos problemas colocados.”

Portanto, a partir desta reflexão posso entender o que se pretende com a chamada periodização tática e mesmo com a metodologia integrada, ou com a utilização dos meios táticos como referências para treinos e diversificação das plataformas táticas nos processos de especialização. Além da proposta apresentada para a iniciação, defendida pelo professor João Batista Freire, no livro “Pedagogia do Futebol”, a qual parte da tese da pedagogia da rua.

Contudo, mais uma vez encontro argumentos para a transformação definitiva do adágio popular “Treino é Treino, jogo é jogo”, substituindo-o pelo ressiginificado: “Treino è jogo, jogo é treino”.

Em São Paulo, federação aplica veto a presença de profissionais da imprensa no campo
Argumento da entidade é que regra segue ‘padrão Fifa’; acordo havia sido feito com a Aceesp
Equipe Universidade do Futebol

A partir do Campeonato Paulista, que terá sua terceira rodada completada neste domingo, todos os profissionais de imprensa estão proibidos de atuar dentro do gramado para a realização de entrevistas e coleta de depoimentos dos atletas e trio de arbitragem. Tal determinação partiu da Federação Paulista de Futebol (FPF), que usa como argumento a legislação global.

“É uma questão de organização, de bom senso, o atleta precisa respirar. O grande problema é que se cria uma coisa contra a Federação Paulista, isso é uma determinação internacional, a federação está só está seguindo”, explicou Marco Polo Del Nero, presidente da entidade, em entrevista ao canalSporTV.

Na avaliação do mandatário, não se trata de uma proibição da atuação profissional dos representantes de órgãos midiáticos. Mas, sim, uma mera restrição.

“Não há proibição. O jogador pode falar fora das quatro linhas, o jornalista pode fazer entrevista. É um padrão Fifa e esta norma precisa ser preservada”, continuou Del Nero, que citou o Estadual do Rio de Janeiro, em que o procedimento é adotado desde 2008.

Para um esclarecimento mais profundo, a FPF soltou uma nota oficial que pode ser conferida na íntegra a seguir:

A Federação Paulista de Futebol vem a público esclarecer que as medidas tomadas e aprovadas no Regulamento Específico do Campeonato Paulista de Futebol Profissional Primeira Divisão - Série A1/2010 não visam, em momento nenhum, cercear o trabalho da imprensa e muito menos censurar a livre expressão de quem quer que seja.

Todos os profissionais de imprensa devidamente credenciados têm acesso aos estádios. Aqueles com credenciamento de gramado podem trabalhar livremente fora das quatro linhas de jogo, independentemente se trabalham para televisão ou rádio, porém dentro do gramado. Todos podem realizar entrevistas, comentários, transmissão das partidas, sem que isso comprometa o espetáculo.

Somos uma casa democrática e estamos seguindo as normas da FIFA que regem a organização do futebol. Normas semelhantes são aplicadas pela Conmebol, na Libertadores da América, e nos jogos do Campeonato Brasileiro. Nos estaduais, a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro já aplica este procedimento.

Vale ressaltar que na data de 27 de janeiro de 2009, em acordo assinado pelo representante da categoria dos cronistas esportivos do Estado de São Paulo, o presidente da ACEESP, Ricardo Capriotti, acertou, por meio de um documento, que as entrevistas deveriam ser feitas fora das quatro linhas do campo.

Informamos, por oportuno, que a Justiça de São Paulo em primeira e segunda instâncias não acatou o pedido judicial proposto por determinados jornalistas para o ingresso nas quatro linhas, mantendo, dessa maneira, vigência ao dispositivo regulamentar expedido pela Federação Paulista de Futebol.

A Federação Paulista de Futebol reitera que preza a liberdade não só da imprensa, mas de todos os segmentos da sociedade na defesa da organização do futebol.


Relações perigosas

Tostão



Nesta semana, Roberto Carlos, com raiva, fez duras críticas a Galvão Bueno, por causa do ``episódio da meia``, no gol da França, que eliminou o Brasil da Copa de 2006. A maior parte da imprensa, e não apenas Galvão, criticou o jogador e viu, no lance, mais que um erro técnico.

Depois de ver a jogada por um milhão de vezes, ainda não sei se havia, ou não, um posicionamento defensivo combinado. Não sei também porque Roberto Carlos estava abaixado na entrada da área, mesmo se fosse ali seu lugar. Certamente, o baixinho Roberto Carlos não deveria ser o jogador para acompanhar o grandalhão Henry. Seja o que for, é injusto culpar Roberto Carlos pela eliminação. A França foi melhor.

A revolta de Roberto Carlos com Galvão Bueno me faz pensar sobre as relações entre jornalistas e jogadores, técnicos e dirigentes.

Quando jogava, havia, mais que hoje, jornalistas que, não só assumiam as paixões pelos clubes, como também apenas defendiam e exaltavam seus times. Existia, em Minas, um colunista que só falava do Atlético, outro, só do Cruzeiro e um terceiro, só do América.

Em um clássico entre Atlético e Cruzeiro, dei um drible em meu marcador, que ficou de joelhos. O colunista atleticano, amargurado com a derrota, escreveu que o jogador do Atlético deveria ter me dado um soco para salvar a honra do clube.

Deve ser por essas colunas clubísticas, e por outros motivos, que dirigentes do Corinthians não se conformam com a imparcialidade e independência do corintiano Juca Kfouri nem os do Cruzeiro aceitam minhas críticas, ainda mais que fui atleta do clube. Quando elogio, com motivos para isso, devem achar que é minha obrigação.

No passado, havia, mais que hoje, jornalistas, principalmente os que faziam a cobertura de um mesmo clube, que se tornavam amigos de jogadores e técnicos. Recebiam informações privilegiadas e, em troca, poupavam suas fontes de críticas. Alguns se tornavam tão íntimos que passavam a ser, extraoficialmente, quase um assessor de imprensa. Havia até os que organizavam, depois das partidas, festinhas e encontros para seus amigos famosos.

Hoje, como a TV Globo domina a audiência, tudo o que faz tem enorme repercussão. Por ser famoso e porta-voz da emissora, transfere-se para Galvão Bueno tudo o que se fala de importante nas transmissões das partidas. Além disso, Galvão não deixa os outros falarem. A TV Globo não faz excelentes trabalhos e dá ótimos furos somente porque tem competência, ótimos profissionais, além de privilégios. É também porque os jogadores, técnicos e dirigentes adoram aparecer na Globo. Cria-se um vínculo com a TV. Mas quem decide se haverá elogios ou críticas é a audiência. Os atletas, de excessivamente elogiados, passam a ser duramente criticados, como na eliminação do Brasil, em 2006. Daí a revolta de Roberto Carlos.

O jornalista tem de estar perto da fonte e das notícias e, ao mesmo tempo, ter um distanciamento crítico.

Não tenho nenhuma pretensão de ditar regras, ainda mais que não sou jornalista. Sou um colunista. Apenas observo e opino.

sábado, janeiro 23, 2010

Processo de treinamento: os conteúdos a serem desenvolvidos nos treinos não se resumem a preparação física
Assim como tradicionalmente os preparadores físicos vêm desenvolvendo e os conteúdos inerentes ao que chamam de “preparação física”, é necessário que outros conteúdos componham planejamento

Rodrigo Azevedo Leitão

Tradicionalmente no futebol, o planejamento de treinos em curto, médio e longo prazo está associado a preparação física.

Isto quer dizer que é comum que a organização de cargas de treinamento seja, principalmente, orientada pela distribuição longitudinal de estímulos que desenvolvam capacidades “físicas”. Os aspectos técnicos, táticos, psicológicos e sócio-culturais ficam então – ao menos para efeito de “planejamento” – em segundo plano na programação.

São até folclóricos, no futebol, casos de treinadores que só resolviam o que treinar minutos antes da sessão de treino começar. Planejamento quase zero!

O processo de desenvolvimento do treino, para alcançar o jogar que se pretende, é um projeto de aplicação de cargas que devem estimular a evolução desse jogar, considerando todas as dimensões do jogo de futebol (física, técnica, tática e psicológica – dentro das particularidades que identificam as características sócio-culturais do meio).

Então, da mesma maneira que tradicionalmente os preparadores físicos vêm desenvolvendo e aplicando os conteúdos inerentes ao que chamam de “preparação física”, é necessário que para o desenvolvimento do jogar, outros conteúdos sejam considerados no planejamento.

Obviamente que mesmo que os conteúdos “físicos”, “técnicos”, “táticos”, etc. sejam levados em conta no planejamento para melhor preparação do futebolista, a grande contribuição deles na evolução do jogar só pode ser real se forem, os conteúdos, organizados como sobrecarga de treinamento de maneira integrada (e integral!).

Isso quer dizer que além de se conhecer e considerar os conteúdos das dimensões que englobam a preparação desportiva do jogador de futebol, é necessário que na prática do treino, esses conteúdos sejam desenvolvidos de maneira não-fragmentada.

E se essa idéia vale para a preparação de uma equipe durante uma temporada qualquer, vale também, e muito mais, para o processo de desenvolvimento de conteúdos na formação de jogadores nas categorias de base.

Da mesma maneira que a dimensão física, fragmentada, é o conteúdo que acaba por reger os demais no planejamento e processo de treinamento em uma equipe profissional, nas categorias de base é também muito mais comum que se saiba que tipo de “estímulo físico” deve ser dado a cada faixa etária ou categoria, do que qual conteúdo técnico ou tático.

Se pensarmos em planejamento de longo prazo, para desenvolvimento de todos os conteúdos de maneira integrada, aí então que grande parte das nossas categorias de base, Brasil à dentro, realmente está perdida, e não tem a menor idéia do que fazer.

Alguns projetos em nosso país começaram, ainda que de certa forma,
tardiamente, a se preocupar com isso.

E não tenho dúvidas, quando a grande maioria das equipes profissionais e departamentos de categorias de base acordar, aquelas e aqueles que hoje já vêm tentando estruturar esses conteúdos vão estar bem na frente.

Que toque o despertador!

Direitos financeiros sobre o vínculo desportivo dos atletas
Jamais se admite o contrário, por afrontar a norma jurídica que regulamente as relações de trabalho entre os clubes de futebol e os atletas que compõe o seu quadro de profissionais
João Bosco Luz de Morais

Na vigência dos artigos 11 e 12, da Lei no 6.354, de 02.09.1976, os clubes de futebol possuíam um ativo de elevadíssimo valor econômico, que era o passe de seus atletas profissionais de futebol. Mas, a partir da revogação dos referidos dispositivos legais, os clubes, que não haviam se preparado para a nova realidade jurídica, passaram a sofrer uma enorme gama de problemas, dentre eles o mais importante era o financeiro.

Portanto, no final de cada período, já não se podia lançar mão dos passes dos seus atletas para cobrir o déficit de caixa construído ao longo da temporada. A situação financeira agravou-se ainda mais, pois, com o encerramento dos contratos de trabalho os atletas estavam livres para contratarem com quem melhor lhe aprouvesse.

Com o passar do tempo a situação foi se organizando, e, nesta organização, começaram a surgir situações jurídicas que merecem uma reflexão. E uma destas situações que eu reputo importante é o fatiamento do valor correspondente ao vínculo desportivo do atleta profissional de futebol.

É comum as negociações financeiras sobre o vínculo desportivo dos atletas, ficando parte dos direitos financeiros para os clube de futebol, enquanto que o restante fica com o empresário do referido atleta e o investidor fica com o restante.

Mas existe uma outra situação em que são firmados contratos pelos quais os atletas cedem parte de seus vínculos desportivos para os clubes mediante o pagamento de uma determinada importância, em profunda e grave agressão a norma jurídica. E é exatamente sobre este ponto que eu quero discutir.

Ora, o passe já não mais existe, pois está revogado desde o dia 26.03.2001, conforme determina o artigo 93, da Lei 9.615/98, o qual dispõe que “o disposto no art. 28, § 2o, desta Lei somente produzirá efeitos jurídicos a partir de 26 de março de 2001, respeitados os direitos adquiridos decorrentes dos contratos de trabalho e vínculos desportivos de atletas profissionais pactuados com base na legislação anterior”.

Por outro lado, dispõe o artigo 28, da Lei 9.615/98, que “a atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral”.

No complemento, o parágrafo segundo do mesmo dispositivo legal dispõe que “o vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais”.

Observando o que determina a norma legal chega-se a uma fácil conclusão de que tais negociações não têm nenhum amparo legal. Pois, como é que alguém pode ceder algo que não lhe pertence?

É isso mesmo, os atletas cedem algo que não lhes pertence. O parágrafo segundo do artigo 28, da Lei 9.615/98, é claro ao afirmar que “o vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista”. E, nesta condição, a partir do momento em que o contrato de trabalho é firmado com o clube, o vínculo desportivo do atleta passa a pertencer integralmente ao clube, assim permanecendo durante a vigência do contrato de trabalho.

Pode até ocorrer o contrário, ou seja, que o clube ceda ao atleta o direito de receber uma determinada importância sobre o valor eventualmente a ser recebido numa futura negociação que envolva a sua transferência para outro clube, o que é válido e até facilita uma negociação entre as partes.

Mas neste caso, quem cede é o clube e, como tal, ele está cedendo um direito que legitimamente lhe pertence. Mas jamais se admite o contrário, por afrontar a norma jurídica que regulamenta as relações de trabalho entre os clubes de futebol e os atletas que compõem o seu quadro de profissionais.


*João Bosco Luz de Morais é membro do IBDD, advogado especialista em direito civil e processual civil, doutorando pela Universidad de Buenos Aires, Procurador do STJD do Futebol, Auditor do STJD do Basketball, Professor do Uni-Anhanguera (Goiânia – Go) e Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-GO.

Revisão: Benê Lima

Palmeiras vislumbra equipe feminina de futebol; peneira ocorre neste fim de semana
Seleção contemplará meninas nascidas entre 1990 e 1995
Equipe Universidade do Futebol

Na temporada passada, as Sereias da Vila ratificaram a condição de melhor equipe de futebol feminino do continente, com o triunfo na primeira edição da Copa Libertadores da América dessa categoria. À frente do projeto do Santos, o treinador Kleiton Lima. Em campo, Marta e Cristiane. Agora, o Palmeiras visualiza plano semelhante.

Neste fim de semana, o clube alviverde iniciará um processo de seleção de talentos. A intenção é formar um grupo forte para a disputa das competições oficiais de 2010. O comandante técnico será Marcello Frigerio, enquanto Ademar Júnior assume a gerência do departamento.

As avaliações ocorrerão das 8h30 às 11h30 e das 14h às 17h, no Centro de Treinamento da base alviverde, em Guarulhos. O valor da inscrição é de R$ 15,00, que será pago no dia da peneira.

No sábado (23), as avaliações contemplaram meninas nascidas entre 1990 e 1992; já no domingo, para aquelas do intervalo entre 1993 e 1995.

O Palmeiras orienta que no dia do teste cada garota leve o formulário de inscrição impresso para que o nome da participante seja incluído na lista de inscritas. Também é indispensável portar RG, atestado médico para prática de esportes, autorização dos pais (caso sejam menores de idade), uma (1) foto 3x4 e o traje de meião verde, shorts verde, camisa branca, além de chuteiras e caneleiras.

O clube não se responsabiliza pela alimentação nas datas indicadas – a explicação é que a localização do CT não possibilita opções para alimentos nas suas proximidades.

Para imprimir a ficha de inscrição, clique aqui.

Os 20 patrocinadores mais conhecidos do futebol europeu
Visibilidade de cada marca é diretamente influenciada pelas estratégias de marketing e de publicidade da empresa que a detém
Equipe Universidade do Futebol

Adidas, Nike e Puma são as marcas/empresas mais conhecidas nos cinco maiores mercados de futebol na europa ((Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França). Este é o resultado do relatório “Marcas do Futebol Europeu Top20 2009/10”, realizado pela SPORT+MARKT, através de uma sondagem a 3.013 torcedor de futebol dos respectivos países, com idades entre 16 e 69 anos de idade.

A visibilidade de cada marca é diretamente influenciada pelas estratégias de marketing e de publicidade da empresa que a detém, e o futebol tem sido um fantástico trampolim para muitas delas.

Se considerarmos normal a presença neste ranking das marcas desportivas, outras só estão presentes devido a campanhas e acordos de publicidade extraordinários, como são os casos da Audi, Ford, Bwin, Emirates, Carlsberg e Heineken, que nos últimos anos têm realizado um forte investimento publicitário em grandes provas de futebol e em grandes agremiações do Velho Continente.



Fonte: Futebol Finance

Mario André Mazzuco, coordenador das categorias de base do Coritiba
Profissional fala sobre sua área de atuação e 'projeto coxa' para o desenvolvimento de talentos
Bruno Camarão

Em 2009, o Coritiba Football Club completou 100 anos de história. Mas pouco teve a comemorar em termos de desempenho do seu carro-chefe: o futebol profissional. Rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro, o clube paranaense terá de novamente passar por uma reestruturação em campo. E esta será amparada pelas próprias categorias de base.

“Estamos enfrentando um novo momento em 2010 e temos que manter os pés no chão nessa hora. O Coritiba faz um ótimo trabalho nas suas categorias de base e tem revelado bons jogadores que hoje são conhecidos mundialmente, como o Rafinha (Shalke 04), o Henrique (Barcelona) e o Keirrison (Barcelona), por exemplo”, citou o treinador da equipe principal, o mineiro Ney Franco.

“Acompanhei no ano passado os atletas da base e gostei muito do que vi. Agora, eles vão ter a oportunidade de mostrar seu trabalho nos profissionais e tenho certeza que irão nos ajudar muito nesta temporada”, completou, explicitando parte do planejamento do departamento de futebol coxa-branca, que terá pela frente o Estadual, no primeiro semestre, e a Série B, na sequência.

À frente da coordenação da base está Mario André Mazzuco. Com uma experiência de oito anos de trabalho no Paraná Clube, um dos principais rivais do Coritiba, de quem recebeu as primeiras oportunidades, Mazzuco é um daqueles profissionais “criados” na esfera acadêmica.

Coxa-Branca de coração, como sempre gostou de deixar claro, Mazzuco é preparador físico de profissão e tem na formação de jogadores a sua principal virtude. Atuou com atletas de todas as idades, além de uma passagem no futebol profissional.

Formado em Educação Física, com especialização em Treinamento Desportivo, Mestrado em Fisiologia da Performance (ambos pela UFPR), Mazzuco atualmente faz seu doutorado na área de Formação e Desenvolvimento de Atletas no Desporto Jovem, pela Universidade de Coimbra, em Portugal.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, dentre outros temas, ele fala sobre a estrutura de trabalho na qual está inserido, os projetos para detecção de talento alviverdes e de que forma é composto o staff técnico das categorias menores.

“Quando há necessidade de contratação, analisamos currículos, contatamos referências e fazemos entrevista, pois além da experiência e currículo, precisamos sempre de profissionais com o perfil apropriado. Além de formar atletas, temos como missão na categoria de base formar os futuros profissionais do Coritiba Foot Ball Club”, explicou Mazzuco, de 31 anos – um dos mais jovens coordenadores técnicos dentre as principais agremiações brasileiras.

Universidade do Futebol - Sua formação é de educador físico, com pós-graduação em Treinamento Desportivo e mestrado em Fisiologia do Exercício. De que forma esse suporte profissional o credencia para atuar integradamente com outras esferas do departamento de futebol coxa-branca?

Mario André Mazzuco - Acredito sempre que a formação acadêmica torna-se cada dia mais importante, primeiro para aquisição de conhecimentos multidisciplinares (no meu caso, relacionados ao futebol e a todas as suas características), e depois para manter-se atualizado na esfera científica, pois cada vez mais o futebol requer a união da ciência com a prática para se produzir bons resultados.

Sempre trabalhei como preparador físico antes de me tornar coordenador das categorias de base, e a experiência com o dia-a-dia dentro do campo também foi fundamental para uma experiência mais ampla com o intuito de buscar o melhor trabalho possível para esse novo projeto no Coritiba.

Universidade do Futebol - Você é doutorando em Desporto Jovem pela Universidade de Coimbra. Qual o diferencial da formação acadêmica de Portugal em relação à pedagogia adaptada às práticas esportivas?

Mario André Mazzuco - Portugal é um país excelente no que diz respeito à ciência. Estuda-se muito, pesquisa-se muito, e por ser um país europeu, a facilidade de contato com outros grandes centros é um grande diferencial nas pesquisas realizadas na área do desporto em geral.

Além disso, futebol é um assunto de extremo interesse no país, e é lá que está localizado um dos maiores focos de estudos relacionados ao desenvolvimento de jovens atletas, e trabalhos relacionados à maturação e desempenho, tema este que deve ser explorado dentro de um planejamento de formação de atletas.



Um dos mais jovens coordenadores técnicos dentre os principais clubes do país, Mazzuco acumula passagem profissional por rival do Coritiba

Universidade do Futebol - Como é feito o acompanhamento escolar dos atletas das categorias de base do Coritiba? Quem faz este controle?

Mario André Mazzuco - Todos os atletas são obrigados a estudar, até porque, além de formar o atleta de futebol, temos que nos preocupar em formar o futuro cidadão, sabendo que o funil do esporte é muito severo, e que são poucos os atletas que conseguem ascender ao profissional em condições de tornar-se um jogador de elite.

Possuímos uma equipe de apoio, além de parcerias com escolas municipais públicas e privadas, nas quais temos acesso direto. Este trabalho é feito por nossa pedagoga e também por nossa assistente social - profissionais contratadas pelo clube.

Universidade do Futebol - Quantos e quais profissionais trabalham nas diferentes categorias de base do clube?

Mario André Mazzuco – Hoje, contamos com um quadro funcional de aproximadamente 50 pessoas, englobando desde coordenação, diretoria, comissões técnicas e equipe de apoio (médicos, fisioterapeutas, nutricionista, fisiologista, pedagoga, assistente social, assessor de imprensa etc.)

Universidade do Futebol - O trabalho realizado pelas comissões técnicas é interdisciplinar? Como se dá a interação entre as diferentes áreas pedagógicas e científicas?

Mario André Mazzuco - Além de interdisciplinar - entendemos que seja um trabalho interativo entre todas as áreas -, nos preocupamos em realizar um trabalho multidisciplinar, onde todas as áreas são integradas ao mesmo tempo em um trabalho contínuo. Por exemplo, enquanto trabalham-se os aspectos físico-técnicos, são realizadas atividades que também envolvem a inteligência tática e emocional, dentre outros aspectos.

Todo o planejamento é feito em conjunto com os profissionais das várias áreas. Não se faz, por exemplo, um planejamento da parte física sem integrar a nutrição e a fisiologia dentro desta estratégia.

Universidade do Futebol - Vocês discutem a situação de cada atleta individualmente, ou só analisam o seu desempenho no conjunto do grupo ou ainda quando há algum tipo de problema?

Mario André Mazzuco - Os atletas são acompanhados diariamente por todos os setores. Estamos em fase final de implantação de um sistema integrado online, no qual qualquer profissional poderá consultar tudo o que aconteceu com determinado atleta durante o dia.

Essa ferramenta irá nos facilitar ainda mais o controle de treinamento de cada atleta, permitindo-nos fazer qualquer intervenção dentro do menor tempo possível. O histórico do atleta é fundamental para podermos entender seu desenvolvimento, suas dificuldades e sucessos.


Universidade do Futebol - Como é o trabalho de detecção de talentos feito pelo Coritiba? Vocês contam com muitos observadores distribuídos pelo Brasil ou só na região de Curitiba?

Mario André Mazzuco - Trabalhamos hoje em quatro frentes: temos um Sistema de Seleção de Talentos que funciona dentro do clube, com a função de receber atletas para serem avaliados; temos nosso Departamento de Scout, em que os profissionais (observadores técnicos) que nele trabalham vão em busca de atletas, e de informações que nos permitam acompanhar o desenvolvimento de atletas que ainda não estão no clube; temos ainda diversas parcerias com observadores técnicos e centros de formação de Atletas espalhados por todo o país, com os quais temos um contato direto buscando atletas para nosso clube; e por último, nossa rede de Escolas COXA, as quais funcionam também como Centros de Formação de Atletas, e onde captamos atletas de destaque que estejam jogando nestas escolas, também espalhadas por várias regiões do país.

Universidade do Futebol - Há uma linha metodológica padrão no trabalho realizado por todas as comissões técnicas do clube? Como é feito o acompanhamento?

Mario André Mazzuco - Temos um trabalho integrado, no qual todas as comissões técnicas trabalham em conjunto, ou seja, todas acompanham o trabalho de todos. Nossa comissão do Juniores sabe-se o que está acontecendo no Mirim, e vice-versa. Todo este trabalho é orientado e coordenado por nossa equipe de coordenação das categorias de base.

Isto permite que tenhamos uma continuidade no trabalho quando os atletas passam de uma categoria para outra, evitando um trauma comum quando este muda de categoria, deparando-se com trabalhos muito distintos. Dessa maneira, conseguimos uma continuidade na formação do atleta, desde o Mirim até o Profissional.

Universidade do Futebol – Já que você citou as Escolas COXA, projeto voltado à captação de atletas e divulgação da imagem do Coritiba, lançado no ano passado, explique um pouco mais sobre a iniciativa e os resultados já perceptíveis.

Mario André Mazzuco - As Escolas COXA foram criadas para divulgar a marca do clube, aproximar mais futuros torcedores em potencial, e criar nossos próprios Centros de Formação de Atletas para a captação de futuros talentos. O Coritiba, pelo nome que tem, deve trabalhar em cima de um projeto como este, pois os benefícios diretos e indiretos são muito importantes.

Hoje já contamos com 15 unidades, seja em Curitiba, dentro e fora do estado do Paraná, e pretendemos dobrar este número em 2010.



Escolas COXA estão espalhadas em 15 unidades, inclusive fora do Estado do Paraná: alvo é divulgar imagem do clube e descobrir novos talentos

Universidade do Futebol - Você comentou que o próximo passo seria iniciar um trabalho de expansão do número de escolinhas, algo que iria conferir também um bom reflexo institucional para o clube. Esse passo já foi dado?

Mario André Mazzuco - Já foi dado, sim. As Escolas COXA são coordenadas pela nossa própria Coordenação da Base, e hoje contamos com um profissional contratado só para dar o apoio e o suporte técnico e administrativo necessário para cada Escola, o que se torna um diferencial em nosso projeto.

As unidades são acompanhadas de perto mensalmente, e isto também dá uma segurança aos nossos licenciados, pois assim conseguimos manter o nível de qualidade do trabalho realizado por cada escola. Com isso, temos um aumento potencial previsto para este ano, com toda a certeza.

Universidade do Futebol – Quais os critérios utilizados pelo Coritiba e como funciona o processo seletivo para a contratação de treinadores para as categorias de base do clube (ex-jogadores, formação em Educação Física, indicação, processo seletivo etc.)?

Mario André Mazzuco - Temos hoje uma equipe de extrema qualidade em nossas comissões técnicas. Buscamos profissionais com formação acadêmica e que tenham também uma experiência prática dentro do futebol. Aliar a formação com a experiência é a fórmula ideal.

Nas categorias iniciais (Mirim - sub 11 e Pré-Infantil - sub 13), contamos com professores de Educação Física, visto que o trabalho nesta idade deve priorizar quase que na totalidade a parte técnica de formação, além de outras características motoras que um profissional da área está bem preparado para orientar.

Quando há necessidade de contratação, analisamos currículos, contatamos referências e fazemos entrevista, pois além da experiência e currículo, precisamos sempre de profissionais com o perfil apropriado. Além de formar atletas, temos como missão na categoria de base formar os futuros profissionais do Coritiba Foot Ball Club.

Universidade do Futebol - Alguns clubes investem nas categorias de base para a formação de jogadores - para a equipe profissional ou para transferência a outros clubes. Outros têm esse discurso, mas na prática mantêm todas as energias para vencer as competições que disputam, muitas vezes mascarando a intenção através desse discurso. Como isso funciona no Coritiba?

Mario André Mazzuco - Sempre dizemos que o mais importante nas categorias de base é formar jogadores e revelar talentos. Por outro lado, formar gerações e equipes vencedoras é ainda melhor. No nosso ponto de vista, se você tem uma equipe de qualidade, naturalmente poderá chegar aos títulos. O mais importante é ter a consciência do trabalho que é realizado, sabendo trabalhar com as características de cada jogador, preservando aqueles que são atrasados no aspecto maturacional, mas que possuem qualidades técnicas de grande potencial, dentre outras situações.

Temos o que chamamos de Projeto Incubadora de Talentos, no qual diversos atletas que ainda não têm porte físico adequado para suportar a carga de jogo de determinadas categorias, mas que são extremamente habilidosos, são mantidos em trabalhos à parte até atingirem seu mais alto nível maturacional.

Com isso, preservamos jogadores de qualidade e damos o tempo necessário para seu desenvolvimento, evitando assim perdê-los por priorizar aspectos físicos, e que, nas categorias de base, muitas vezes fazem a diferença na conquista de títulos.


"Se você tem uma equipe de qualidade, naturalmente poderá chegar aos títulos", crê Mazzuco, sobre desempenho das categorias de base

Universidade do Futebol - Como é feito o treinamento de força para os atletas das categorias de base? Quais os cuidados que são tomados de acordo com as diferentes faixas etárias?

Mario André Mazzuco - Finalizamos agora uma sala de musculação exclusiva para as categorias de base, com equipamentos de ponta. Contamos com um fisiologista que faz o controle de treino também da musculação, além da orientação dos preparadores físicos.

O trabalho de força é feito desde a categoria Mirim, mas para esta categoria e também para a sub-13 (Pré-Infantil), não se utilizam aparelhos de musculação, somente o próprio peso do corpo dos atletas, com atividades diversas.

A partir da categoria Infantil (sub-15), é iniciado um trabalho que chamamos de musculação postural, em que os atletas realizam exercícios de correção postural - até porque é a fase do estirão do crescimento -, e também de resistência muscular nos aparelhos e pesos livres, com o objetivo de adaptação para um futuro trabalho de força propriamente dita, que somente é realizado a partir da categoria Juvenil (sub-17).

Universidade do Futebol - A análise do jogo, com o acompanhamento de dados, pode ser utilizada como uma ferramenta pedagógica na iniciação ao futebol? Ou ela só é válida a partir de certa idade? Como o Coritiba trabalha este aspecto?

Mario André Mazzuco - O scout é uma ferramenta muito interessante. A partir do momento que se cria esta cultura entre os atletas de base, eles mesmos passam a cobrar o resultado, para saber como anda o desempenho técnico durante os jogos. Mas mais do que isso, a análise de jogo serve também como referência para a montagem dos treinamentos durante a semana, detectando pontos falhos que precisam ser mais bem trabalhados no intuito de melhorar o desempenho individual e coletivo.

Nas categorias menores, utiliza-se pedagogicamente até para o aprendizado técnico das habilidades do futebol. Na medida em que as categorias aproximam-se do departamento de futebol profissional, o scout é utilizado mais estrategicamente para objetivos não só técnicos, mas da mesma forma para as variáveis físicas e táticas.

Universidade do Futebol - Como você vê o trabalho voltado à base e ao projeto social nas outras agremiações brasileiras? É possível se traçar um paralelo com o que ocorre nas principais forças européias, e quais são as particularidades?

Mario André Mazzuco - O futebol brasileiro está em uma fase de aprimoramento e evolução em matéria de futebol de base. Aliar o trabalho com projetos sociais também é um grande passo na captação e formação de atletas. Acredito que os clubes estão muito mais conscientes da importância do trabalho de base para a continuidade no futebol profissional.

Hoje, a necessidade de profissionais mais preparados, e com uma formação acadêmica adequada para coordenar estes departamentos, é uma mostra de que o futebol de nosso país tende a ser conhecido não só como o maior fornecedor de "matéria-prima" para o futebol do mundo, mas também como um dos melhores produtores através de trabalhos nas categorias de base que possam ser referências mundiais em um futuro próximo.

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Manuel Sérgio, filósofo do futebol, fala sobre filosofia no futebol e nas comissões técnicas


Manuel Sérgio, filósofo do futebol
Influente na forma de trabalho de Mourinho, fala sobre filosofia no futebol e nas comissões técnicas
Equipe Universidade do Futebol



A filosofia pode ser considerada como a reflexão radical, rigorosa e de conjunto dos fenômenos que envolvem nossa realidade. E como tal, não deve estar de fora de nenhuma das preocupações e atividades humanas.

Neste sentido, o futebol é uma destas atividades que, segundo Manuel Sérgio, pode se beneficiar muito das contribuições desta importante, mas ainda desconhecida área do conhecimento.

Abordando temas polêmicos, como é praxe no pensamento filosófico, este erudito e respeitado professor lisboeta tem contribuido ao longo das últimas décadas para um repensar da Educação Física e do esporte, onde o futebol se insere como fenômeno especial e uma das mais importantes manifestações culturais contemporâneas. Neste aspecto, talvez a sua maior contribuição seja a proposta de criação de uma “Ciência da Motricidade Humana”, enquanto um conjunto de conhecimentos sistematizados, com objeto de estudo próprio que caracteriza todo saber científico, e que consiste em uma verdadeira mudança de paradigma diante do pensamento convencional, cartesiano e tecnicista que ainda envolve a Educação Física, o esporte de forma geral e o futebol particularmente.

Para ele esta nova ciência (a Ciência da Motricidade Humana) pode ser entendida como a “energia para o movimento intencional buscando a superação ou transcendência”.

Entender o futebol dentro desta perspectiva significa sair, por exemplo, da simplória visão de físico para uma visão mais ampliada do que é verdadeiramente humano; significa, em outras palavras, superar a visão fragmentada e substituí-la pela visão de complexidade.

Nesta entrevista exclusiva para a Universidade do Futebol, o professor Manuel Sérgio nos revela um pouco do seu pensamento sobre filosofia do esporte, futebol, relação teoria e prática, perfil necessário ao bom treinador, entre outros assuntos correlatos.

Ao responder, por exemplo, sobre o papel do filósofo no futebol, cobra a sua presença até mesmo dentro da comissão técnica de uma equipe: “No futebol, há necessidade de um filósofo que compreenda o seu lugar na equipe: o de ser racional, por entre a irracionalidade ambiente, cada vez mais despótica e absorvente”.

Ao demonstrar a relevância das ciências humanas e sociais na formação do treinador, é categórico ao afirmar que: “Saber apenas fisiologia do esforço e outras ciências exatas não bastam”. E considera que as “três qualidades essenciais para se tornar um grande treinador[são]: ser líder, ter boa leitura de jogo e saber como se comunicar a fim de motivar sua equipe”.

Universidade do Futebol - Qual a relação de Manuel Sérgio com o futebol?

Manuel Sérgio –
Nasci, em Lisboa, no dia 20 de Abril de 1933, bem perto do estádio José Manuel Soares, propriedade do clube de futebol “Os Belenenses”, o primeiro campo de futebol gramado que se construiu no meu País. O meu saudoso pai era “torcedor” do Belenenses e eu, ainda criança, já o acompanhava para assistirmos aos jogos do seu (e depois, nosso) clube, no estádio que se situava a cinco minutos da nossa casa. E assim, desde os verdes anos, despontou em mim uma admiração espontânea, impulsiva, ardorosa, em primeiro lugar, pelos futebolistas do meu clube, e também, pelos grandes jogadores do futebol português.

Entre 1964 e 1992, fui dirigente do Belenenses, ou seja, durante 28 anos fui “agente do futebol”, o que me permitiu mobilidade pelo futebol português, como de outra forma não conseguiria.

Por fim, não posso esconder que, de 1968 até hoje, tenho sido professor de cursos universitários de motricidade humana e de esportes, onde venho lecionando “Filosofia do Esporte” e “Epistemiologia da Motricidade Humana”; neles, também encontrei alunos que triunfariam, mais tarde, no futebol profissional. Um deles já foi considerado, como treinador de futebol, o melhor do mundo! Refiro-me ao Dr. José Mourinho!

Nos anos de 1987 e 1988, recebi um convite honroso, que aceitei penhorado, na Faculdade de Educação Física da Unicamp. Durante estes dois anos suaves e sem solavancos que passei no Brasil, beneficiei-me do convívio com os professores João Paulo Medina e João Batista Freire, que me ajudaram a ter do futebol uma compreensão mais rigorosa.

Deste ligeiro esforço se vê que nunca me encontrei longe do futebol, nem ele de mim. É evidente que continuo a frequentar os estádios de futebol, como espectador interessado. Os estádios e a televisão...


Entre os alunos de Manuel Sérgio que triunfaram no futebol, o maior exemplo é o técnico José Mourinho
Universidade do Futebol – Em que medida a filosofia pode ajudar no processo de desenvolvimento deste esporte?

Manuel Sérgio –
O filósofo é o ser que pergunta. Só que a sua pergunta é radical. Há nela uma não aceitação das evidências fáceis, ou seja, uma exigência de ciência e de consciência. Como diz Gérard Fourez no seu livro “A Construção das Ciências”: “A Filosofia define-se por uma tradição de reflexão intelectual crítica, face aos conhecimentos espontâneos”. Como ciência, a raiz do futebol é a complexidade humana. Estudá-lo equivale a estudar uma ciência humana.

Como se sabe, defendo que esporte é uma das valências da Ciência da Motricidade Humana (CMH), ao lado da dança, da ergonomia, da reabilitação psicomotora, do jogo esportivo, do circo e outras manifestações da ludomotricidade e da ergomotricidade. O método da complexidade é, portanto, o método do futebol. No ser humano (e o futebolista é um ser humano) há que se reconhecer, em primeiro lugar, a sua multidimensionalidade e, por isso, onde tudo está em relação com tudo.

O método da complexidade liga o que está isolado, articula as ciências humanas com as ciências naturais, concebe sujeito e objeto, ciência e filosofia de modo tão complementar que tudo o que é humano comporta uma dimensão biológica e tudo o que é biológico comporta uma dimensão humana.

Quando surgiu, há 30 anos, a Ciência da Motricidade Humana foi uma crítica rigorosa ao cartesianismo vigente na educação física tradicional. A CMH proclama que, no futebol, o simples não existe. O treino deverá, por consequência, estabelecer relações, articulações entre as partes e o todo e entre as partes entre si. O treino, se posso aqui parafrasear Edgar Morin, é uma unidade global organizada de inter-relações entre ações e elementos. Assim, organiza-se um treino, ordenando as partes, ao serviço de um todo. No treino, complexidade, organização e motricidade são inseparáveis, dado que, nele, tudo é mais intencional do que mecânico.

Mas, como disse acima, não basta a ciência, é necessária também a consciência para que o futebol seja uma atividade verdadeiramente humana. Quando a Ciência da Motricidade Humana (CMH) surgiu, afirmei repetidamente que ela nasceu de um corte epistemológico e político. A CMH considera-se, por isso, anticapitalista, anticolonialista, antiracista, anticlassista, antisexista e apresenta-se como um conhecimento-emancipação, onde os que o fazem e os que o contemplam são sempre sujeitos e nunca objetos. A CMH quer ser livre e libertadora.


Manuel Sérgio defende que o esporte é uma das valências da Ciência da Motricidade Humana (CMH)
Universidade do Futebol – O senhor acredita que a visão tecnicista e/ou cartesiana, que ainda domina tantas áreas do conhecimento humano (inclusive o futebol) está com os seus dias contados? Ou ainda temos um longo caminho a percorrer?

Manuel Sérgio –
A visão tecnicista e/ou cartesiana é típica do tecnocrata. Ora, ao tecnocrata, hoje, os trabalhadores não passam de objetos a serviço da alta finança, do grande capital. É preciso um novo senso comum no futebol, onde “o homem seja para o homem o ser supremo” e por isso desta modalidade desportiva sejam erradicadas a violência, a corrupção, a especialização precoce, o doping etc.

Para o tecnocrata, só a competição e o rendimento contam. Para ele, não existe qualquer relação entre a produtividade e a ética. Por isso, o futebol nunca é uma prática saudável, quando quantifica tão-só e manipula, reifica, anestesia.

O futebol é o meu espetáculo preferido. Por isso, não o quero “repressivo” ou “super-repressivo”, usando a linguagem do velho Marcuse. Mas esta passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade é, de fato, um longo caminho a percorrer.

Se nos referimos ao cartesianismo do treino, que apontava a fisiologia como a sua base científica, a ciência hoje não permite que se esqueça que quem faz desporto é um ser complexo. Não se nega a fisiologia. Diz-se tão-só que a fisiologia não explica a complexidade humana. O que se passa com o Barcelona atual, talvez a melhor equipe do mundo, explica o que pretendo dizer. Em entrevista ao El País (17/9/2002), Pep Guardiola afirma: “O que Cruyff nos ensinou é muito difícil de apagar. É uma cultura, antes de ser uma prática de jogo”.


Para o entrevistado, o futebol vai além da competição e do rendimento
Universidade do Futebol – O treinador José Mourinho foi seu aluno e tem grande admiração pelo senhor. Dentro de seu espírito contestador ele afirma que as aulas de filosofia ministradas pelo senhor foram muito mais importantes na formação dele do que todas as aulas de fisiologia do exercício que teve na Escola de Educação Física. Qual o conhecimento necessário para um treinador de futebol ser eficaz no seu trabalho?

Manuel Sérgio –
Em primeiro lugar considero que o importante não é o que se sabe, mas sim o que se é. Aqui ser é mais importante do que saber. Um treinador que sabe muito sobre tática, técnica, treinamento, fisiologia, mas que não tem coragem para enfrentar os desafios da profissão, já está derrotado. Considero três qualidades essenciais para se tornar um grande treinador: ser líder, ter boa leitura de jogo e saber como se comunicar a fim de motivar sua equipe. Para desenvolver estas qualidades, saber apenas fisiologia do esforço e outras ciências exatas não bastam. O treinador precisa, sobretudo, conhecer o ser humano que é o atleta, dentro de suas personalidades, aliás muito diferentes uma das outras. Para isso são as ciências humanas e sociais que podem ajudar.


Manuel Sérgio aponta três qualidades para ser um bom treinador: ser líder, ter boa leitura de jogo e saber motivar a equipe
Universidade do Futebol – Em sua opinião, por que existe tanta resistência à presença da teoria, no universo do futebol?

Manuel Sérgio –
O futebol, para a esmagadora maioria dos que nele se movimentam, é um mundo plenamente satisfeito de si, contente com os seus haveres e os seus êxitos. E a teoria, se o é verdadeiramente, critica, questiona, denuncia, esclarece. Donde se conclui que a teoria, para muita gente, incomoda, desperta-os do seu sono dogmático.

Universidade do Futebol – Hoje, uma equipe técnica, além dos treinadores, conta com a presença de preparadores físicos, fisiologistas, psicólogos, nutricionistas, médicos, fisioterapeutas, entre outros especialistas. O senhor acredita que no futuro teremos a presença de um filósofo, especialista em futebol, dentro das comissões técnicas inter ou transdisciplinares?

Manuel Sérgio –
No futebol, há necessidade de um filósofo que compreenda o seu lugar na equipe: o de ser racional, por entre a irracionalidade ambiente, cada vez mais despótica e absorvente. O filósofo há-de ser o “invisível evidente” em todos os momentos do caminho para o êxito. Há de ser aquele que ao invés da publicidade prefere estimular a reflexão; que intenta recuperar a ciência e a consciência, na organização e no planejamento; que sabe fazer dos momentos adversos novos caminhos para a transcendência. E, como “invisível evidente”, se distinga pelo espírito de grupo, pela solidariedade e pela lealdade designadamente em relação ao treinador principal.


"No esporte, quem só sabe de esporte nada sabe de esporte"
Universidade do Futebol – Uma das suas teses preferidas é que “para saber de futebol, é preciso saber mais do que futebol”. O que isto significa?

Manuel Sérgio –
Se o futebol é uma atividade humana e não só uma atividade física, tudo o que é humano lhe diz respeito. E não só o que é especificamente do futebol. No esporte, quem só sabe de esporte nada sabe de esporte. Por isso, estão errados os nossos cursos universitários de esporte. Só ensinam esporte e, assim, os alunos findam os cursos sabendo muito pouco sobre o esporte. É neste sentido que a Universidade do Futebol, por sua abordagem que adota a complexidade como referência, tem um importante papel a desempenhar, no Brasil e não só!

Universidade do Futebol – O desafio de todo profissional, no século XXI parece que será cada vez mais saber muito sobre a sua especialidade, porém através de uma sólida visão sistêmica e de complexidade. Como podemos nos preparar para esta demanda?

Manuel Sérgio –
A cultura é a aliança do saber e da vida; assim, através do estudo pode-se viver mais. Sem cultura, não há desenvolvimento e, sem ela, as especialidades não se compreendem.

No caso do futebol, só os que o praticam e pensam a prática o podem transformar. E, para tanto, a ciência, como o positivismo a entendia, não basta. O real é irredutível a um único aspecto. O que condiciona um jogador de futebol não é só a sua condição física. Acima do mais, trata-se de uma questão de liderança, de motivação, de vontade, de realização pessoal – aspectos que não se medem como o ácido láctico! A mente também se treina e aqui está, segundo penso, o caminho do futuro. Afinal quem acredita tem mais força, mais velocidade, mais impulsão, mais resistência etc.


"No caso do futebol, só os que o praticam e pensam a prática o podem transformar"
Universidade do Futebol – O futebol é mais arte ou mais ciência?

Manuel Sérgio –
É tanto arte como ciência. Contemplar o Kaká, ou o Messi, ou o Cristiano Ronaldo em busca de um paradigma que nos leve a explicar ou a compreender a motricidade daqueles extraordinários futebolistas estamos em pleno campo científico.

Se a beleza emerge da motricidade daqueles (ou outros) atletas, a razão estética pode surgir em nós. Na motricidade humana, há sempre ciência e arte. Depende dos olhos como a vemos. Sabemos desde Bachelard que há arte na pesquisa científica. Arte e ciência não estão assim tão longe uma da outra.

A razão científica provoca o progresso; a arte põe descontinuidade, na unidirecionalidade do progresso. Ainda lembrando Bachelard, a razão recomeça e a imaginação começa. Recordo um jogo-treino da seleção brasileira, em Lisboa, antes do Mundial de 1958. No Garrincha, fisicamente tudo parecia errado e foi, para mim, o melhor jogador em campo. Todo ele era imaginação e arte. E é o sujeito, a pessoa humana, o valor fundante do esporte. É a partir daqui que começa o futebol e não antes.
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