Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, janeiro 24, 2018

O caminho é difícil

Universidade do Futebol
Muitos meninos sonham em se tornar jogador profissional. Vários deles até chegam às categorias de base, mas será mesmo fácil de se realizar esse desejo da infância e adolescência? Uma análise aprofundada sobre o funil que o futebol produz desde o sub-15 até a categoria adulta, mostra que as probabilidades de concretizar tudo isso não são grandes.
Ao falar com atletas e pais de atletas das categorias de base ou até mesmo adolescentes que querem ser jogador, faço esse exercício:
Na maioria dos times mais estruturados, o elenco sub-15 possui em média 40 atletas, enquanto o sub-17, 20 e profissional têm 30.
No sub-15 e no sub-17 são dois anos de competição e no sub-20, três. Por exemplo, em 2017 jogam:
  • Sub-15: nascidos em 2002 e 2003
  • Sub-17: nascidos em 2000 e 2001
  • Sub-20: nascidos em 1997, 1998, 1999
  • Profissional*: nascidos em 1979, 1980, 1981, 1982, 1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1988
*Corinthians como exemplo 20 anos: Pedrinho e Leo Santos (1998) e Danilo (1979)
Se dividirmos o número de jogadores de cada categoria pela diferença de idade, teremos:
Ou seja, quando você está no sub-15, existe em média 20 jogadores do mesmo ano de nascimento que o seu, e no profissional esse número cai para apenas 1,5. Há muitos jogadores nas categorias de base para poucas vagas no profissional.
Esse funil que já é extremamente apertado, está ficando ainda mais competitivo com a maior longevidade dos atletas com o passar dos anos. Hoje, o mais longevo do Brasil é Zé Roberto, que completou 43 anos em julho.
Em 2017, a diferença de idade é a seguinte nos 4 grandes de SP:
  • Santos – 19 anos: Arthur Gomes (1998) e Ricardo Oliveira (1980)
  • Corinthians – 20 anos: Pedrinho e Leo Santos (1998) e Danilo (1979)
  • Palmeiras – 23 anos: Fuzato (1997) e Zé Roberto (1974)
  • São Paulo -  21 anos: Brenner (2000) e Lugano (1980)
Uma outra forma de verificar esse afunilamento é olhando para o número de times. De acordo com o site da FPF, há o seguinte número de equipes disputando cada categoria:
Ao confrontar o número de equipes com a estimativa de diferença de idade do profissional (em média 20 anos), temos:

Por ano de competição, existem 10 vezes o número de times no sub-15 e 17 do que no profissional. Se multiplicarmos por 30 (como média de jogadores por elenco), temos uma estimativa do número de jogadores por categoria. Ao dividir esse número pela diferença de idade nas categorias, temos:
São 1035 jogadores por idade no sub-15 (14 e 15 anos), 1035 jogadores por idade no sub-17 (16 e 17 anos), 730 jogadores por idade (18, 19 e 20 anos) e, veja, 90 jogadores por idade (dos 18 em diante) nos profissionais.
Com o auxílio da matemática, veremos que essa redução do sub-20 ao profissional é drástica, e que há 88% menos vagas entre os adultos por ano de nascimento. Na prática, podemos concluir que em média 1 a cada 11 jogadores do sub-15 e 1 a cada 11 jogadores do sub-17 serão profissionais. Trata-se de uma estimativa, que pode variar: alguns clubes formam melhor que outros, alguns clubes dão mais oportunidades que outros
Vale ressaltar que os exemplos estão concentrados no Estado de Sao Paulo que têm clubes mais estruturados, e que é o maior mercado do Brasil. Acredito que esses números sejam parecidos no restante do país.
Ainda sobre o afunilamento, em São Paulo, houve uma diminuição do número de times nas séries A1, A2 e A3 do campeonato paulista que passaram de 20 para 16 times em cada série. Além disso, há um limite de jogadores inscritos por campeonato que será de 26 jogadores a partir de 2018. Menos times e menos vagas.
Uma força que alguns poderiam dizer que expandem o funil é a exportação de  jogadores, mas isso não é suficiente para absorver todos os jogadores formados, principalmente se levarmos em conta a numerosa população brasileira comparada com outros países de tradição no futebol. Também existe o processo contrário, cada vez maior, de estrangeiros que atuam no futebol brasileiro. Não há limites para contratações, e a presença em partidas foi esticada de 3 par 5 jogadores por cada equipe.
Apesar disso, os times, famílias, empresários e empresas investem muito em questões físicas, técnicas e materiais para os jogadores e quase nada em aspectos humanos e sociais. Investem milhões em equipamentos e treinamentos, mas muito pouco em assistência social, educação e outras questões que iriam ajudar muito mais a grande maioria dos meninos que não se tornam jogadores profissionais bem sucedidos.
Dessa forma, como já mencionado, tem muito jogador de base para poucas vagas para jogador profissional.

Gostaria de deixar algumas considerações, principalmente aos atletas e pais de atletas das categorias de base.
  • O caminho é muito difícil.
  • Ser titular nas categorias de base não é garantia de que será jogador profissional.
  • Não conseguir se tornar profissional não é algo tão grave. Tem que estar preparado para as decepções dentro de um ambiente competitivo e nem sempre justo, como a maioria das profissões.
  • Ter ou não um empresário/agente/intermediário forte não é um fator determinante. Normalmente os agentes buscam os atletas mais promissores porque sabem desse afunilamento.
  • Não subiu para o profissional, não virou, não jogou em tal time ou não passou no teste, muito provavelmente, não é porque não faz parte do esquema do treinador, auxiliar, diretor ou presidente. É porque é difícil mesmo. Infelizmente há um esquema de corrupção para beneficiar jogadores e interessados, mas são poucos casos e, no final das contas, o maior prejudicado é o próprio menino.
  • Não transfira a responsabilidade para outros. Treine mais e se dedique ao máximo, todos os dias.
  • Ser jogador ganhando pouco não compensa. Chegará aos 30 com poucos anos de carreira, muitos de vida e nenhum patrimônio. E sem uma perspectiva de carreira, como os outros que não tentaram ser jogador e já estão trabalhando, formados ou empregados, ou seja, com uma vida profissional fora do futebol.
  • Apesar das dificuldades de se tornar um jogador de futebol profissional bem sucedido, deve-se ressaltar o quão desafiador será lutar pelo seu sonho, mesmo que isso não resulte na meta (sonho) estabelecida. Muitos ganhos poderão vir dessa determinação, necessária para qualquer carreira profissional.
  • Essas crianças e adolescentes não podem ser vistos como fonte de riqueza no futuro. Isso é uma fábrica de frustrações, diferenças entre os familiares e uma inversão de valores. O normal ou natural é os pais educarem e sustentarem a família e não o contrário. Esses meninos irão crescer e terão suas famílias para sustentar. Têm pais que abandonam os empregos e mudam de cidade para viver na dependência do filho.
  • O excesso de transferências dentro das divisões de base também é um risco enorme. Trocar de clube pode ser prejudicial e muitas vezes é uma escolha de curto prazo, que trará dinheiro imediato e limitará o crescimento no futuro. Degrau a degrau, o foco deve estar na transição para os profissionais.
  • Estudar é um caminho indispensável, principalmente porque o futebol de hoje valoriza os jogadores inteligentes dentro e fora de campo. Estudar mais tornará o jovem uma pessoa melhor, e as pessoas mais capazes têm mais chances de sucesso em tudo. Uma parte do sucesso pode vir de um dom. Mas só o trabalho potencializa isso. Isso também vale para o mundo corporativo, na busca de empregos e estágios, assim como para o vestibular das melhores universidades. Tenha um plano B. Se a sua paixão pelo futebol continuar, a cadeia do futebol está crescendo e hoje abrange muitas profissões nas áreas médicas, humanas, sociais e, obviamente, na parte técnica do futebol.
  • Estude inglês, pelo menos, já que o sonho da maioria é jogar no exterior. Prepare-se para ser um jogador melhor e para os muitos anos de vida após a carreira.
  • Valorize os bons professores. A chanceler alemã Ângela Merkel costuma dizer que professores não são pessoas comuns e que pessoas comuns não são professores. Seu treinador/professor pode te ajudar muito. Respeite-o.
  • Cuidado com aproveitadores! Nunca dê dinheiro para time, treinador, empresário, diretor, etc. O time que tem que pagar os jogadores e não o contrário. Os que “compram" isso adiam um problema, porque se já é difícil esse caminho de ser jogador profissional por mérito, imagine se for por interesse?
  • Seu filho está preparado para isso? Vocês pais estão preparados para dar o amparo necessário e o apoio que tem que ser dado? Seus filhos terão muitas dificuldades no clubes, como de relacionamento, alimentação, privacidade, descanso, entre tantas outras. Eles só podem ter vocês de pais. Não estrague isso.
  • O caminho é difícil. Pense bem antes de querer ser jogador e saiba que a competitividade é gigante e que terá que abrir mão da infância, adolescência, e do convívio familiar e dos amigos. Você está disposto a isso, de verdade?
  • Beto Rappa é agente de jogadores desde 2007 (intermediário CBF). Trabalha no futebol desde 2002 quando foi diretor executivo do Paulista e Votoraty. É formado em Administração pela FEA - USP - RP

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Benê Lima