Grupos políticos na Câmara, no Senado e no Executivo têm ideias
diferentes para estimular a migração de clubes da associação sem fins
lucrativos para a sociedade anônima
Por
Martin Fernandez e Rodrigo Capelo —
São Paulo
Rodrigo Maia, presidente da Câmara. O político visitou a CBF e o São
Paulo e tem se movimentado para emplacar o clube-empresa — Foto: Luis
Macedo/Câmara dos Deputados
Está em curso um processo que vai
mudar para sempre o futebol brasileiro. Governo federal, Senado, Câmara dos
Deputados, CBF, federações estaduais, clubes, todos os atores poderosos
trabalham para, de alguma maneira, permitir que os clubes de futebol se
transformem em empresas. No lugar da associação sem fins lucrativos, modelo adotado por quase
todos no país hoje, entrariam as sociedades anônimas ou limitadas.
Há duas ressalvas importantes a fazer
antes de continuar. A primeira é que a mudança pode se dar apenas para que tudo
continue como está. A segunda é que os envolvidos na discussão não chegaram a
um consenso sobre qual é o melhor caminho.
A única certeza, por enquanto, é que
o governo não deve obrigar ninguém a mudar. Deve, sim, haver estímulos. A
postura é diferente da época da Lei Pelé (1998), em que a legislação tentou
forçar a transformação, mas acabou sendo alterada após uma série de insucessos.
As semelhanças param por aqui. Hoje há pelo menos três grupos com propostas
diferentes para promover a mudança.
O deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ)
se tornou o principal expoente do projeto que nascerá na Câmara dos Deputados – com apoio
do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Há expectativa de que seu projeto
de lei, ainda a ser apresentado formalmente, seja votado na Câmara durante o
mês de outubro.
No Senado, está em tramitação o
Projeto de Lei do Senado 68/2017, que institui a Lei Geral do Esporte e
regulamenta por tabela a criação de uma sociedade anônima específica para o
esporte. Parado há dois anos, o projeto despertou interesse recente dos senadores e ex-atletas Romário
(Podemos-RJ) e Leila (PSB-RJ) para que voltasse a avançar.
Ainda há o interesse do governo
federal. O
ministro da Economia, Paulo Guedes, escalou seu assessor especial Guilherme
Afif Domingos para cuidar do tema. A pasta acompanha o desenrolar dos
projetos que partem do Congresso, mas tem algumas ideias próprias – e
divergentes – em relação aos demais.
O GloboEsporte.com teve acesso a
detalhes de cada um dos projetos e elenca, abaixo, as principais
características de cada proposta.
Ainda é incerto que tipo de
consequência a mudança na legislação terá nos clubes. Há os que já se
movimentam, como o Botafogo, os que estão preparados para a novidade, como o
Athletico-PR, e os que não querem mudar – como Corinthians e Flamengo. O
impacto da mudança nos clubes será explicado em outra reportagem, a publicar
nesta semana.
Pedro Paulo, deputado federal — Foto: Pablo Valadares/Câmara dos
Deputados
O projeto da Câmara
O deputado federal Pedro Paulo possui
um projeto chamado “Clube
empresa”, formulado em setembro, que deverá ser apresentado para votação na
Câmara entre 24 de setembro e 2 de outubro.
“O presidente Rodrigo Maia identificou isso como um tema prioritário,
importante para o futebol brasileiro. Estamos fazendo um esforço concentrado
para construir uma proposta de profissionalização dos clubes”, diz Pedro Paulo.
O parlamentar entende que clubes não
devem ser obrigados a se tornar empresas e defende que não deve existir uma
sociedade anônima específica para o futebol ou para o esporte – como consta nas
propostas formuladas pela equipe de Guilherme Afif Domingos e no Senado.
Pedro Paulo pretende estimular a migração de clubes para o modelo
empresarial nas opções já existentes, como companhia limitada e sociedade
anônima. Para que isso aconteça, o
deputado quer oferecer uma série de benefícios.
·
Recuperação judicial
Hoje, empresas só podem entrar em
estado de recuperação judicial caso tenham exercício regular em suas atividades
por pelo menos dois anos. A ideia é que clubes de futebol possam entrar neste
processo imediatamente após a migração para uma estrutura empresarial.
As regras formuladas pelo deputado
permitiriam que um clube possa transferir todas as suas dívidas da associação
para a empresa. A partir daí, as dívidas poderiam ser reestruturadas por meio
do mecanismo da recuperação judicial, que já funciona para empresas
convencionais.
Em resumo, clubes que entrarem em
recuperação terão todos os bloqueios e penhoras suspensos por seis meses. Neste
período, precisarão trabalhar em um Plano Global de Recuperação Judicial a ser
submetido a credores como ex-funcionários e fornecedores.
Na prática, este mecanismo permite
que haja um calote de grande parte da dívida, desde que os credores aceitem o
plano proposto pela empresa. Entre não ter expectativa de receber o dinheiro
que lhes é devido e recebê-lo dentro do prazo proposto pelo plano global,
credores costumam perdoar entre 50% até mais de 90% dos valores devidos em
recuperações judiciais. O restante poderia ser amortizado a prazo.
·
Novo refinanciamento de dívidas fiscais
Dívidas fiscais não poderão ser
incluídas em processos de recuperação judicial. Neste caso, Pedro Paulo
pretende aliviar as situações dos clubes com um percentual superior de
reduções. Enquanto o Profut, em vigor, permitiu o abatimento de até 40% dos
juros sobre as dívidas, a proposta aumentaria este percentual para 50%.
Em contrapartida, os clubes que
aderirem a este refinanciamento por meio de suas empresas precisariam pagar
antecipadamente cinco parcelas, equivalentes a 15% da dívida consolidada por
meio do refinanciamento. As agremiações que optaram pelo Profut em 2015 não
precisaram fazer um pagamento deste tipo após a entrada.
O deputado propõe um alongamento pelo
mesmo prazo que o Profut, de 20 anos, para que os clubes consigam quitar
impostos não pagos.
·
Fundo Garantidor para clubes quebrados
Pedro Paulo pretende criar um fundo
que será abastecido por todos os clubes do país, com um percentual sobre o
faturamento, cujo dinheiro poderá ser usado para resgatar clubes em
“insolvência irreversível”.
Caso o mecanismo seja colocado em
prática, todos os clubes da primeira divisão, por exemplo, precisariam dedicar
um percentual mínimo de suas receitas para salvar aqueles que estão prestes a
falir em escalões mais baixos – ou mesmo na primeira divisão.
“O presidente Rodrigo Maia quer uma proposta bem rápida. Até porque já
tem muito conhecimento acumulado no tema. Vamos fazer uma grande audiência na
Câmara, acreditamos que o presidente Bolsonaro vai apoiar o tema”, afirma Pedro
Paulo ao GloboEsporte.com
·
Fim dos direitos trabalhistas para jogadores
O deputado federal propõe a
“hiperssuficiência” de jogadores de futebol em relação aos seus direitos
trabalhistas.
Hiperssuficiência, neste caso,
significa que o jogador poderá assinar um contrato com o clube em questão sem
que tenha direitos trabalhistas garantidos por ele. Ele se submeteria a uma
relação cível e receberia apenas direitos de imagem, por exemplo.
Pedro Paulo pretende restringir esta
situação a atletas com salários superiores a R$ 10 mil mensais, hoje
equivalentes a cerca de 2,5% sobre todos os profissionais registrados pela CBF.
Aqueles jogadores abaixo desta quantia continuariam a ter direitos trabalhistas
obrigatórios.
Esta seria uma mudança em relação a
algo que a reforma trabalhista mexeu recentemente. Depois dela, passou a ser
permitido que profissionais de quaisquer setores possam abdicar do vínculo
trabalhista caso cumpram dois requisitos: diploma universitário e remuneração
superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS) – hoje limitado em R$ 11.600 mensais. Pedro Paulo
quer eliminar a necessidade de diploma para o futebol.
·
Equiparação da tributação entre associações e
empresas
Hoje, não há nada que impeça um clube
de futebol de deixar o modelo de associação e entrar no de empresa – limitada
ou sociedade anônima. Mas há um motivo contrário. Há impostos que são parcial
ou totalmente isentos para associações que são cobrados de companhias.
Para estimular a migração para a
estrutura empresarial, Pedro Paulo pretende aplicar todos esses impostos sobre
associações sem fins lucrativos. A nota de corte seria um faturamento de R$ 5
milhões anuais. Todas as associações acima disso seriam tributadas,
independentemente de se tornarem empresas limitadas ou S/As.
·
Duplicação do mecanismo de solidariedade
No projeto do deputado federal,
clubes passariam a destinar até 10% de transferências nacionais para os
respectivos formadores. O percentual aumenta conforme o número de anos em que o
atleta passou pelas categorias de base do formador. Hoje, o limite é de 5%.
Romário, senador — Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
O projeto do Senado
O Projeto de Lei do Senado 68/2017
não foi criado especificamente para a Sociedade Anônima Esportiva (SAE) – e sim
voltado para instituir a Lei Geral do Desporto, mais abrangente. Mas o
surgimento desta estrutura societária foi incluído entre os seus artigos.
A SAE é muito semelhante ao que
projeto de lei que havia sido proposto por Otávio Leite, deputado federal entre
2014 e 2018, que propunha a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). A diferença é
que a adaptação proposta pelo Senado expande as regras para qualquer
agremiação.
O texto deste projeto não versa sobre
benefícios específicos aos clubes que se tornarem empresas, como perdão de
dívidas ou a entrada facilitada em uma recuperação judicial. Em vez disso, a
SAE apenas põe regras estruturais para que associações façam a migração para
ela.
·
Direitos de ações classe A
O projeto prevê, por exemplo, a
possibilidade de um acionista ter poder de veto em determinadas situações desde
que mantenha pelo menos 10% de ações “classe A”.
Hipoteticamente, uma associação com
10% das ações sobre a sociedade anônima esportiva teria poder para vetar
mudanças de cidades, escudos, símbolos, cores, além de medidas drásticas como
pedido de falência ou recuperação judicial, mesmo que outros acionistas tenham
90% das ações desta classe. Isso para resguardar a tradição neste formato.
·
Veto a acionista com mais de uma SAE
Para evitar que Flamengo e Vasco
tenham o mesmo dono, por exemplo, o projeto prevê a proibição da participação
de um mesmo acionista sobre o capital social de duas SAEs. A medida é pensada
para evitar conflitos de interesses e manipulação de resultados.
·
Administração profissional
A SAE deve ser administrada por um
Conselho de Administração (uma espécie de Conselho Deliberativo, em alusão à
estrutura da associação sem fins lucrativos) e uma Diretoria. O primeiro órgão
tem o dever de nomear diretores e acompanhar seus objetivos e trabalhos.
O projeto prevê algumas obrigações,
como a comunicação anual da relação completa de seus administradores, a
dedicação exclusiva dos administradores à gestão da SAE, bem como a obrigação
de pelo menos metade do Conselho de Administração independente enquanto a
associação esportiva, tradicional, for a única acionista das ações da S/A.
Paulo Guedes, ministro da Economia — Foto: Marcelo Camargo/Agência
Brasil
O projeto do
Executivo
O projeto tem sido preparado por uma
equipe liderada pelo empresário Guilherme Afif Domingos, assessor especial do
Ministério da Economia, encabeçado pelo ministro Paulo Guedes. De acordo com o
próprio Afif, o projeto deverá se chamar “Choque de bola”.
“No futebol, nós exportamos matéria-prima e importamos produto de alto
valor agregado. É como no café: nós exportamos grãos e importamos máquinas e
cápsulas”, diz Afif.
É o que mais se assemelha ao projeto
de lei que havia sido proposto pelo então deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) em
2016. O projeto não avançou, e o parlamentar não foi reeleito.
Em síntese, este grupo pretende criar
uma estrutura societária alternativa para clubes de futebol, cujo nome
provisório é Sociedade Anônima do Futebol (SAF). O movimento seria similar ao
adotado por países como Portugal, que criou a Sociedade Anônima Desportiva
(SAD) para que clubes fossem estimulados a se tornar empresas.
Assim como no caso da SAE, a SAF não
tem como propósito o benefício das empresas em processos de recuperação
judicial ou perdão de dívidas. A intenção, no caso, é criar uma estrutura
societária própria para clubes de futebol, que resguarde particularidades deste
mercado que não estão presentes em outras regulamentações.
“Fui envolvido nisso porque o Paulo Guedes me pediu. O futebol é um
grande mercado, há bilhões de reais que estamos deixando escapar”, afirma
Guilherme Afif Domingos.
As características presentes na SAE
também estão entre as premissas da SAF, motivo pelo qual os itens não serão
repetidos. Outra diferença, este sim um benefício para quem aderir à estrutura,
é a criação de um prazo de transição para o pagamento de impostos.
·
Prazo de transição para pagamento de impostos
Atualmente, associações sem fins
lucrativos possuem isenções sobre uma série de impostos da qual empresas estão
obrigadas a pagar. Entre eles estão o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica
(IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o Programa de
Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social (Cofins).
Para estimular a adoção da estrutura
societária de empresa futebolística, a SAF teria um prazo de transição em que
os clubes teriam tempo para adequar seus negócios aos impostos. Em vez de pagar
100% dos tributos previstos logo no primeiro ano, haveria um prazo de dez anos
em que o percentual subiria gradualmente, ano após ano, até chegar ao máximo.
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Benê Lima