Na ampla sala de espera do elegante prédio da Federação Paulista de Futebol (FPF), na Barra Funda, em São Paulo, enquanto aguardava o presidente Reinaldo Carneiro Bastos, um homem grisalho, no sofá do outro lado, viu o bloco de notas do Estadão e perguntou. “Você tá fazendo reportagem sobre o quê?”. Explico que é um especial sobre as dificuldades que os times do interior de São Paulo vêm passando. Ele estava ali pelo Batatais Futebol Clube. “A Federação tem de fazer algo, se não a gente vai desaparecer”, disse. A conversa é interrompida pelo assessor de imprensa da FPF. O presidente está pronto para atender a reportagem.
No fundo do grande aposento revestido em piso de mármore, num pequeno planalto, espera Reinaldo Carneiro Bastos, ao lado de sua ordenada mesa de trabalho. Aos 62 anos, foi o vice que esperou mais tempo para se sentar na cadeira passada em 5 de maio deste ano por Marco Polo Del Nero, hoje presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Entre um compromisso e outro, foram 20 minutos de conversa com o ex-dirigente e conselheiro vitalício do Esporte Clube Taubaté. A maioria, senão todos, dos dirigentes dos clubes de interior procurados pela reportagem depositaram esperanças no novo mandatário da FPF. Eles acreditam que, por sua origem taubateana, Carneiro estenderá a mão para tirar os clubes do buraco.
“O futebol vai mudar”, sentenciou o cartola. Ele fala pausadamente, com modos contidos e uma voz baixa. Não tira em momento algum os olhos do interlocutor. Mede cada uma de suas palavras, como se as estivesse pronunciando em um discurso previamente escrito. “A Federação e os clubes têm de sair da zona de conforto, têm de se reinventar. As leis estão aí. Não fomos nós que as fizemos. Tem de recolher seus impostos em dia, pagar salário em dia, resolver seu passado trabalhista, seus problemas fiscais. Eles existem.” E fez um alerta: “Não tem mais como passar a mão por cima. Em conjunto, a Federação e os clubes têm de se reinventar.”
Muitos presidentes de clubes com os quais conversei depositam esperanças na sua gestão pelo fato de o senhor ter presidido o Esporte Clube Taubaté. Por onde começar?
Conheço razoavelmente bem a condição dos times do Interior, mas não se iluda achando que essa situação é só lá. O País vive um momento difícil. É um momento difícil do futebol paulista, do futebol brasileiro. Não é time da capital e time do interior; é em geral. A Federação vai agir e trabalhar onde for necessário para capacitar os clubes, na gestão e na transparência, porque isso vai trazer fontes diferentes de recursos. E para quem não está investindo no futebol porque não acredita, a gente tem de mostrar sinais claros de que nós estamos trabalhando nisso.
Quais são esses sinais?
Já estamos trabalhando para as competições de 2016. Vamos criar formas para que os clubes consigam se autossustentar. E nós vamos lá cobrar. Nós vamos estar juntos dos clubes organizados, primeiramente. E vamos ajudar a organizar os demais. Quem não tiver essa consciência vai ter de esperar, se organizar para participar de competições. Foi uma amostra esse ano. A segunda divisão encolheu: tínhamos 52 pretendentes e 30 estavam capacitados para disputar. Foi o primeiro passo, um passo pequeno, porque só se ateve aos regulamentos, aos estatutos e à legislação vigentes. Quem atendeu o que existe está jogando. Quem não atendeu, não está jogando. Sem nenhuma exceção. Nós não trabalhamos na gestão neste ano. Nós não temos nenhuma expectativa na Federação de que vamos resolver todos os problemas imediatamente. Depende muito dos clubes.
O senhor mencionou formas de melhorar a gestão dos clubes. Quais são esses procedimentos e ferramentas?
Nós podemos montar uma diretoria que ajude os clubes na sua gestão, desde a confecção do seu balanço, orientar o clube a ter um planejamento do que vai fazer no ano que vem, ter um orçamento, como tem de pagar seus funcionários, seus impostos. Vai acontecer já em 2016 tudo isso certinho? Não. Nós vamos dar passos na velocidade em que a gente não precise recuar. E vamos trabalhar para que a gente aumente a receita dos clubes, e que eles saibam como usar essa receita.
Os dirigentes e torcedores dos 11 clubes do interior com quem conversei disseram que as cotas pagas pela Federação não ajudam muito.
A distorção da Série A1 para a Série A2 é muito grande. Não há planejamento que resista a você cair de uma cota para quase sem cota. A cota do A2 corresponde a 6% da cota da A1. Se eu tiver uma promessa, um jogador, não posso fazer um contrato de três anos com ele, porque se eu cair, não pago. Então a gente precisa encostar, diminuir essa diferença para pelo menos 30%. Óbvio que quando você cai da A1 para a A2 seu recurso diminui, mas tem de haver pelo menos o mínimo para se organizar. Isso vai de divisão por divisão. A gente não tem uma expectativa de que será feito tudo para todos de uma hora para outra. O foco principal é diminuir o abismo da A1 para a A2.
E em seguida?
A partir da organização dos clubes - e organizar não significa que vai sobrar dinheiro - é mostrar a forma mais adequada de gastar.
Até porque já há uma dívida grande acumulada…
Exato. Já tem um passado, muitos já têm um passado (devedor). Isso passa muito, na parte fiscal, pelo financiamento na lei dos clubes que está sendo discutida em Brasília. Muitas dessas atitudes estão em compasso de espera, porque os clubes precisam saber como vão se comportar diante da dívida fiscal. Tem muito clube que, pela lei que está lá hoje, não adianta aderir, porque não cumpre. Há assuntos que não têm como a Federação agir, porque dependem dessa parte fiscal. Os clubes vão ter de melhorar a gestão, e a Federação vai ajudar para que isso ocorra.
A partir de sua experiência como dirigente de um clube do interior, o que o senhor pensa que pode ser aproveitado enquanto gestão de um time como o Taubaté, por exemplo?
Passa muito por premiar o critério técnico. Nós estamos estudando uma forma de redividir as receitas e dar uma parte disso para a premiação. Normalmente, você dividia entre os quatro grandes e os outros 16. Neste ano, de uma forma ainda tímida, nós premiamos do primeiro ao 16º. A ideia é aumentar o porcentual de divisão do dinheiro pela competência do time. Porque o clube vai jogar o campeonato inteiro pensando que quanto mais à frente ele estiver, maior será a receita dele. Nós estamos trabalhando muito para que haja mais transmissões de TV na Série A2.
Com relação ao calendário de competições, conversei com vários presidentes de times e eles questionaram o fato de ter apenas três meses de campeonato e 12 meses de contas para pagar…
A solução aí é um trabalho que já está sendo feito com a CBF de se conseguir mais vagas da Série D, e a Copa Paulista, no segundo semestre, dar uma vaga na Série D. O clube só joga, só arruma patrocínio e só gera receita se disputar competição que valha alguma coisa. A vaga da Copa do Brasil, que já tem na Copa Paulista, não é uma competição que seja um atrativo. O atrativo é ele ter - também no segundo semestre - uma opção de começar a sua história nos campeonatos nacionais.
Muita gente tem medo de que daqui a algum tempo não haja mais Campeonato Paulista, pois os times do interior estão desaparecendo.
Os clubes do interior não estão desaparecendo, estão trocando. Então, saem antigos, clubes tradicionais, e entram novos. Qual é a diferença de um clube tradicional e de um novo? O novo não tem passado - dívida trabalhista, dívida fiscal. A Ferroviária fez uma campanha brilhante. O que aconteceu? Seu estádio foi a leilão, a Prefeitura desapropriou, fez uma arena, o clube joga lá e quitou seu passado. O que aconteceu? Não tem dívida. Ali não vai se enganar mais, não. A Federação vai fazer muito mais pelos clubes, mas vai cobrar. E não é cobrar para atrapalhar, mas para ajudar.
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Benê Lima