O cenário era Moscou. A ocasião, o sorteio dos grupos da
Copa de 2018. Diante da imprensa do mundo inteiro, o presidente da Fifa dava
entrevista e, por quase 30 minutos, o Brasil foi tema. Não pelo seu futebol,
mas pela ausência do dirigente máximo da nação futebolística mais
representativa do planeta e pela gravidade das acusações que pesam sobre ele.
Constrangedor.
Poucos problemas de gestão são mais graves do que a sensação
de vazio de legitimidade de quem governa. Impedido de viajar para evitar
problemas com a Justiça americana, Marco Polo del Nero, suspenso ontem pela
Fifa por 90 dias, impôs ao futebol brasileiro a renúncia ao direito de
representação. Tão estarrecedor quanto ver o presidente da CBF, sob
investigação e ausente de qualquer evento fora das fronteiras nacionais, é a
passividade dos clubes: entidades com mais poder de mobilização do país, apenas
assistem ao teatro do absurdo.
Não são raras, tampouco injustas, as críticas destes clubes
a um sistema de governança que reforça o poder das federações estaduais; impõe
um calendário com 80 jogos num ano, 18 deles os anacrônicos Estaduais; comprime
o Campeonato Brasileiro em pouco mais de meia temporada; trava a transformação
da maior competição do país numa liga profissional que explore todas as suas
possibilidades comerciais que, no fim, fortaleceriam os próprios clubes. Até a
ausência de Del Nero em eventos internacionais vitima nossas equipes, tão
repetidamente queixosas de arbitragens e de artifícios antiesportivos nos
torneio sul-americanos. Ainda que, abra-se um necessário parêntese, alguns dos
maiores escândalos recentes no continente, da morte de um menino na Bolívia à
selvageria da última semana no Rio, tenham protagonismo brasileiro.
A inusitada posição em que se encontra o comando da CBF tem
os clubes como coautores. Em 2014, ajudaram a eleger Del Nero com votação
maciça. No ano seguinte, deram amplo suporte à manobra que elegeu Coronel Nunes
como um dos vice-presidentes. Escolhido por Del Nero pela idade, e por nada
mais do que a idade, tomou a dianteira da linha sucessória: pelas regras da
entidade, em caso de licença do presidente, a cadeira é ocupada pelo vice mais
velho. A estratégia evitava que o poder caísse nas mãos de um opositor. Raros
clubes se manifestaram. Prevaleceu a omissão.
Mais tarde, embora amparados pela lei, os clubes viram a CBF
excluí-los de assembleia que modificou o colégio eleitoral, alterou o peso dos
votos e reforçou o poder das federações. Nem reagiram. Enquanto isso, entre
brigas por direitos de TV e times reservas em campo, esfarelaram a Primeira
Liga, a mais recente iniciativa que se anunciava com ambições transformadoras.
Ao contrário, o desfecho só reafirmou a incapacidade de articulação dos clubes
para brigar por interesses coletivos.
E é esta incapacidade que assusta. O afastamento forçado de
Del Nero torna o poder central do futebol do país, já carente de legitimidade,
ainda mais fragilizado. E cria uma oportunidade única para que os clubes ocupem
o espaço que lhes cabe: o de protagonistas de uma liga profissional, que possa
pleitear um novo calendário, a redução do poder das federações, um Campeonato
Brasileiro tecnicamente mais saudável e que comercialmente explore todas as
suas possibilidades. Um passo rumo à modernidade.
Não será surpresa se não o fizerem. No futuro, repetirão
velhas queixas sobre os traços mais arcaicos da estrutura de poder do nosso
futebol. Teremos todos o direito de desprezar tal discurso.
Centro x periferia
Natural que a final de hoje tornasse o Grêmio pauta da
imprensa espanhola. No entanto, a abordagem do jornal “Marca” é um precioso
exemplo do que a globalização fez com a imagem não só dos clubes brasileiros,
mas de todos os não europeus. A entrevista do presidente Romildo Bolzan tem
como título “O Barça não nos ligou por Arthur”. O volante é assunto em boa
parte das duas páginas dedicadas aos gaúchos.
Não há véspera de final de Mundial que altere uma realidade:
à elite europeia os astros, o dinheiro, as marcas globais; à periferia, a
produção de mão de obra para os principais clubes do mundo.
Num jogo único, não é delírio pensar num triunfo gremista.
Improvável, mas o futebol é o jogo em que tudo é possível. O
triste é ver esta nova era condenar camisas de tanto peso ao papel de
desafiantes. Se bater o Real Madrid em pleno auge da desigualdade global, o
Grêmio terá conseguido a maior vitória jamais obtida por um clube brasileiro.
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Benê Lima