Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, dezembro 16, 2017

O vazio, a oportunidade

Tabela de grupos sorteio da Copa do Mundo 2018

POR CARLOS EDUARDO MANSUR


O cenário era Moscou. A ocasião, o sorteio dos grupos da Copa de 2018. Diante da imprensa do mundo inteiro, o presidente da Fifa dava entrevista e, por quase 30 minutos, o Brasil foi tema. Não pelo seu futebol, mas pela ausência do dirigente máximo da nação futebolística mais representativa do planeta e pela gravidade das acusações que pesam sobre ele. Constrangedor.

Poucos problemas de gestão são mais graves do que a sensação de vazio de legitimidade de quem governa. Impedido de viajar para evitar problemas com a Justiça americana, Marco Polo del Nero, suspenso ontem pela Fifa por 90 dias, impôs ao futebol brasileiro a renúncia ao direito de representação. Tão estarrecedor quanto ver o presidente da CBF, sob investigação e ausente de qualquer evento fora das fronteiras nacionais, é a passividade dos clubes: entidades com mais poder de mobilização do país, apenas assistem ao teatro do absurdo.

Não são raras, tampouco injustas, as críticas destes clubes a um sistema de governança que reforça o poder das federações estaduais; impõe um calendário com 80 jogos num ano, 18 deles os anacrônicos Estaduais; comprime o Campeonato Brasileiro em pouco mais de meia temporada; trava a transformação da maior competição do país numa liga profissional que explore todas as suas possibilidades comerciais que, no fim, fortaleceriam os próprios clubes. Até a ausência de Del Nero em eventos internacionais vitima nossas equipes, tão repetidamente queixosas de arbitragens e de artifícios antiesportivos nos torneio sul-americanos. Ainda que, abra-se um necessário parêntese, alguns dos maiores escândalos recentes no continente, da morte de um menino na Bolívia à selvageria da última semana no Rio, tenham protagonismo brasileiro.

A inusitada posição em que se encontra o comando da CBF tem os clubes como coautores. Em 2014, ajudaram a eleger Del Nero com votação maciça. No ano seguinte, deram amplo suporte à manobra que elegeu Coronel Nunes como um dos vice-presidentes. Escolhido por Del Nero pela idade, e por nada mais do que a idade, tomou a dianteira da linha sucessória: pelas regras da entidade, em caso de licença do presidente, a cadeira é ocupada pelo vice mais velho. A estratégia evitava que o poder caísse nas mãos de um opositor. Raros clubes se manifestaram. Prevaleceu a omissão.

Mais tarde, embora amparados pela lei, os clubes viram a CBF excluí-los de assembleia que modificou o colégio eleitoral, alterou o peso dos votos e reforçou o poder das federações. Nem reagiram. Enquanto isso, entre brigas por direitos de TV e times reservas em campo, esfarelaram a Primeira Liga, a mais recente iniciativa que se anunciava com ambições transformadoras. Ao contrário, o desfecho só reafirmou a incapacidade de articulação dos clubes para brigar por interesses coletivos.

E é esta incapacidade que assusta. O afastamento forçado de Del Nero torna o poder central do futebol do país, já carente de legitimidade, ainda mais fragilizado. E cria uma oportunidade única para que os clubes ocupem o espaço que lhes cabe: o de protagonistas de uma liga profissional, que possa pleitear um novo calendário, a redução do poder das federações, um Campeonato Brasileiro tecnicamente mais saudável e que comercialmente explore todas as suas possibilidades. Um passo rumo à modernidade.

Não será surpresa se não o fizerem. No futuro, repetirão velhas queixas sobre os traços mais arcaicos da estrutura de poder do nosso futebol. Teremos todos o direito de desprezar tal discurso.

Centro x periferia

Natural que a final de hoje tornasse o Grêmio pauta da imprensa espanhola. No entanto, a abordagem do jornal “Marca” é um precioso exemplo do que a globalização fez com a imagem não só dos clubes brasileiros, mas de todos os não europeus. A entrevista do presidente Romildo Bolzan tem como título “O Barça não nos ligou por Arthur”. O volante é assunto em boa parte das duas páginas dedicadas aos gaúchos.

Não há véspera de final de Mundial que altere uma realidade: à elite europeia os astros, o dinheiro, as marcas globais; à periferia, a produção de mão de obra para os principais clubes do mundo.
Num jogo único, não é delírio pensar num triunfo gremista.

Improvável, mas o futebol é o jogo em que tudo é possível. O triste é ver esta nova era condenar camisas de tanto peso ao papel de desafiantes. Se bater o Real Madrid em pleno auge da desigualdade global, o Grêmio terá conseguido a maior vitória jamais obtida por um clube brasileiro.
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Benê Lima