Entrevista] Marcelo Tessler, diretor comercial da Tessler Engenharia

Engenheiro civil especializado no gerenciamento de obras fala sobre arenas e a expectativa para a Copa

Bruno Camarão

Os estádios estarão prontos a tempo do início da Copa do Mundo de 2014, muito por conta da competência histórica apresentada pelas construtoras envolvidas nos projetos. O que preocupa, entretanto, é a forma como serão conduzidos os processos e, também, a operação das estruturas após o mês especial que viverá o país. Esse é o cenário previsto por Marcelo Tessler, diretor comercial da Tessler Engenharia.

Há quase duas décadas no mercado, a empresa é especializada em planejamento e gerenciamento de projetos e obras a partir do sistema turn key (ciclo completo até a entrega das chaves), com a realização de estudos de viabilidade técnica para implantação de empresas e grupos estrangeiros no Brasil. Os clientes são diversos nas áreas hospitalar, de shopping centers e cinemas. A esfera esportiva, entretanto, também acabou ingressando na realidade de Tessler e sua equipe.

Primeiramente, o executivo foi envolvido em um estudo de viabilidade de um estádio para o Corinthians com um empresário, mas a proposta acabou não vingando à época. Pouco tempo depois, foi contratado pelo grupo HMT&F em 2000, parceiro do clube paulista.

“Eles tinham um projeto bem grande, com compra e aprovação de terreno, padrão Fifa, para 46.000 pessoas. Nossa empresa foi contratada para gerir o mesmo. Por um motivo que não nos compete, a Hicks Muse foi embora do Brasil e desistiu do projeto”, relembrou Marcelo, nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol.

O exemplar serviu como base, entretanto. A partir do protótipo corintiano, ele fez uma série de outros estudos para diversos clubes, manteve contatos na CBF, inclusive, e selou um vínculo com o Palmeiras, com quem trabalhou por quase dois anos. No período de transição política da diretoria de futebol, Tessler perdeu espaço e abandonou o plano de atuar na construção da Arena Palestra Itália.

Novamente com o Corinthians, em 2010, a Tessler disputou com a Odebrecht o gerenciamento e a assessoria de uma construtora para o atual estádio em Itaquera. “Na realidade, o clube achou muito caro o preço inicial da construtora – R$ 1,1 bi – e nós orçamos em R$ 700 mi. A Odebrecht refez o orçamento e baixou o preço para R$ 890 mi, com as arquibancadas inclusas – assim como nosso projeto englobava”, afirmou.

Como para a Copa do Mundo a maioria é composta de estádios públicos, com gerenciamento público, Marcelo e seu staff procuram não se envolver. Mas mesmo à distância ele exprime seu tom de preocupação.

“No Brasil, há poucos times que viabilizam uma casa própria: Corinthians, sozinho, é um; o Palmeiras é outro; o Santos, sozinho, se o estádio for na capital; o São Paulo, que já o tem, também; o mesmo vale para Grêmio e Inter e Atlético-PR, sozinhos; Cruzeiro e Atlético-MG, em minha opinião, somente juntos; Botafogo e Fluminense também têm condições de viabilizar em parceria; Vasco e Flamengo, sozinhos, fecham essa lista”, elencou.

“Daí para frente, nenhum outro clube consegue viabilizar um estádio apenas, sem agregar um shopping, uma área de entretenimento, etc.”, completou Marcelo, citando Manaus, Natal, Recife, Brasília e Campo Grande como prováveis praças esportivas cujas contas não se pagarão.

De acordo com o engenheiro civil, o problema não é o estádio fisicamente, mas a operação – tratamento do público, disponibilidade, comercialização de ingressos, área de alimentação e relacionamento. Na Copa, o problema provavelmente estará resolvido. Depois, nos estádios públicos, prevê ele, não haverá uma manutenção devida e a “fisiologia” das arenas irá falhar

“A operação é o coração do negócio. E esse serviço de hospitalidade custa. Falta visão aos dirigentes de futebol no Brasil”, sintetizou.

Universidade do Futebol – Em que momento o ambiente do futebol acabou convergindo com a sua área de atuação?

Marcelo Tessler – Nós somos uma empresa de gerenciamento de projetos e obras. Sou o diretor comercial e fazemos muitos shopping centers, obras industriais, a rede de cinemas Cinemark, e há aproximadamente 18 anos fui envolvido em um estudo de viabilidade de um estádio para o Corinthians com um empresário. Acabou não dando certo. Pouco tempo depois, fui contratado pelo grupo HMT&F em 2000.

Eles tinham um projeto bem grande, com compra e aprovação de terreno, padrão Fifa, para 46.000 pessoas. Nossa empresa foi contratada para gerir o mesmo. Por um motivo que não nos compete, a Hicks Muse foi embora do Brasil e desistiu do projeto.

Baseado nesse exemplar, fizemos uma série de outros estudos para diversos clubes (Portuguesa, Corinthians, Santos, Palmeiras). Tivemos contatos na CBF, inclusive, para realizar nosso trabalho. Fomos contratados pelo Palmeiras, com quem trabalhamos quase por dois anos, mas acabamos saindo após uma mudança na presidência.

Com o Corinthians, disputamos com a Odebrecht o gerenciamento e a assessoria de uma construtora para este estádio em Itaquera. Na realidade, o clube achou muito caro o preço inicial da construtora – R$ 1,1 bi – e nós orçamos em R$ 700 mi. A Odebrecht refez o orçamento e baixou o preço para R$ 890 mi, com as arquibancadas inclusas – assim como nosso projeto englobava.

Para a Copa do Mundo, são estádios públicos, com gerenciamento público. E procuramos não nos envolver.

Modelo projetado pela Tessler ao Corinthians; clube consultou a empresa de gerenciamento, e acabou conseguindo um "desconto" no orçamento final da Odebrecht

 

Universidade do Futebol – Sobre a parceria entre a Tessler, a W/Torre e o Palmeiras: quais foram as principais ações realizadas por sua empresa. E por que houve uma rescisão do vínculo contratual entre as partes?

Marcelo Tessler – Eu recebi uma carta lacônica, com algumas argumentações, e saímos. Sou engenheiro e palmeirense. O motivo foi meramente politico, infelizmente. Fiz um projeto de primeira linha, trabalhando um ano de graça junto à W/Torre. Levei a diretoria do clube à CBF, para apresentar a proposta e oferecer o estádio à abertura da Copa das Confederações, pelo menos. Uma pena que não deu certo, mas me parecer que a Arena Palestra Itália está andando bem.

Universidade do Futebol – Há muitas peculiaridades na construção de uma arena esportiva, em paralelo a um projeto de shopping center, por exemplo?

Marcelo Tessler – Não há diferenças. Fazer um estádio e um shopping é a mesma coisa, seja no gerenciamento, seja na construção. Levantar uma arena é simples, não tem mistério. É uma obra rápida – em 18, 20 meses, dependendo do tamanho, está pronta. Os projetos da Copa-14 são relativamente pequenos, para até 50 mil pessoas – à exceção do Maracanã e do que abrirá.

Este de Itaquera é muito grande por dentro. É muito bem projetado, bonito, simples, mas tem algumas coisas que creio que não darão certo, como aquela parede de vidro projetada – o risco de ser quebrada em uma primeira grande derrota é alto.

Construção de shopping center em Goiânia e reforma de academia em São Paulo; ao todo, engenharia também atuou no gerenciamento de projetos e obras para o Cinemark

 

Universidade do Futebol – Como uma empresa de engenharia de gerenciamento de obras pode solucionar o problema da perda de controle de custos e prazos?

Marcelo Tessler – Você faz um planejamento e a obra tem um prazo e um custo. Acompanhamos mês a mês e vamos liberando os pagamentos, periodicamente. Como a obra tem preço fechado e o projeto é bem definido, não se pode mudar.

As alterações ocorrem apenas em caso de problema social (greve), intempérie natural (30 dias ininterruptos de chuva) ou mudança do projeto (no caso do Maracanã, de início iria aproveitar a laje, depois decidiram mudar a cobertura, e o custo aumentou em R$ 300 mi).

O problema aí é quem vai pagar esse acréscimo de preço. No caso das arenas esportivas para a Copa-14, deve ser o Estado – R$ 400 mi liberados pelo BNDES por estádio. Acima disso, não sei como será feito – se governos locais, como o governo irá pagar, etc. No caso do Corinthians, sei que foi a Odebrecht.

 

Estádio publico ou privado?

 

Universidade do Futebol – De maneira elucidativa, quais são os passos de planejamento estratégico e execução realizados por sua equipe? Quantos profissionais atuam ao seu lado?

Marcelo Tessler – Participamos desde a contratação dos projetos até o acompanhamento dos mesmos, a fim de escolher as melhores soluções técnicas e financeiras; além disso, acompanhamos as licitações, o gerenciamento da obra e a entrega.

Durante a fase de projeto é feito o planejamento. E durante a obra, esse planejamento acompanha o original.

São mais ou menos quatro pessoas na área de projetos; outras duas para a licitação; e 15 outras para as obras. É mais ou menos o mesmo número que utilizamos para construção de um grande shopping, por exemplo.

Universidade do Futebol – Como se dá a integração entre sua equipe, a engenharia civil e o arquiteto na projeção de um estádio de futebol, por exemplo?

Marcelo Tessler – A gente trabalha sempre para um cliente. O ideal é atuar para aquele que irá ficar com o imóvel e é dono do dinheiro. No caso do Palmeiras, fui contratado por eles e, seria pelo Corinthians, eventualmente no projeto de Itaquera. Eles é que têm de saber se está sendo bem feito.

No caso das obras públicas, se não me engano, quem deve contratar é o BNDES, pois é o banco que está liberando a verba.

Mantemos reuniões periódicas com todos os envolvidos. São várias divergências nesse processo, pois o bem é comum e um só: a construção da obra.

Universidade do Futebol – Qual é o atual cenário das obras brasileiras vinculadas, especialmente, à Copa do Mundo de 2014?

Marcelo Tessler – Os estádios vão ser entregues. Dá tempo para todo mundo e as construtoras são muito boas – estamos falando de Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, Construção, etc.

Temos alguns problemas nas regiões Norte e Nordeste, bem como alguns casos de concorrência duvidosa – e isso vemos no jornal, não sou eu quem estou falando. Mas nessa parte o gerenciamento não entra.

Quando a obra começa a crescer o preço, é necessário que alguém assine. E nós não assinamos nada ilegal.

Universidade do Futebol – Esse seria um dos motivos que te afastaram de uma obra para a Copa-14?

Marcelo Tessler – Nós não fomos atrás, na verdade. Trabalhamos com o Palmeiras, e houve a questão da rescisão, e no Corinthians tínhamos um investidor que iria construir o estádio - trabalharíamos para o investidor.

Em 2010, fizemos uma oferta para o clube e perdemos para a Odebrecht. Neste ano, nós é quem fomos procurados, pois o Corinthians entendia que o preço estava muito alto e eu orcei – não devo nada para ninguém e apresentei o preço de R$ 700 mi. Eles fecharam por R$ 790 mi, mais R$ 100 mi de arquibancada, com a Odebrecht.

 

Universidade do Futebol – Com uma projeção para a Copa-14, mas sem desconsiderar a realidade atual, é possível ainda se conceber gigantescos estádios, cujo potencial para estes se tornarem “elefantes brancos” é muito elevado?

Marcelo Tessler – O estádio com porte para 45 mil pessoas custa entre R$ 400 mi e R$ 500 mi. Quando acabar o evento, ele deve ser usado.

Uma arena é sempre associada a um clube, e este tem três lugares essenciais para ganhar dinheiro: cadeiras cativas, camarote e naming rights. Nesse ativo, o Corinthians, com sua arena em Itaquera, consegue angariar R$ 1bi a cada 10 anos com tranquilidade. Isso para o estádio.

No Brasil, há poucos times que viabilizam uma casa própria: Corinthians, sozinho, é um; o Palmeiras é outro; o Santos, sozinho, se o estádio for na capital; o São Paulo, que já o tem, também; o mesmo vale para Grêmio e Inter e Atlético-PR, sozinhos; Cruzeiro e Atlético-MG, em minha opinião, somente juntos; Botafogo e Fluminense também têm condições de viabilizar em parceria; Vasco e Flamengo, sozinhos, fecham essa lista.

Daí para frente, nenhum outro clube consegue viabilizar um estádio apenas, sem agregar um shopping, uma área de entretenimento, etc.

Em Manaus, aquele estádio vai ficar jogado às traças e não vai pagar a conta de luz depois da Copa. Em Natal, Recife, Brasília e Campo Grande, essas contas provavelmente não vão se pagar, pois não há renda.

Tessler vê poucos clubes com condições de gerirem arenas; no caso da Copa-14, Manaus e Brasília (acima) devem apresentar problemas de pagamento e operação

 

Universidade do Futebol – E o seu sentimento, como gerenciador de obra, diante disso?

Marcelo Tessler – Uma barbaridade. Vejo a Copa como um engodo. A Fifa é uma terra arrasada. Ela vem, explora, arranca e não paga um real. E o país que se lixe. No centro de mídia montado, pelos organizadores, ela vai usufruir e faturar bilhões.

Agora, para o país é bom por conta da infraestrutura a ser feita. Mas de onde sai esse dinheiro? Do governo: leia-se, dos impostos. Se já tem esse dinheiro, não precisa da Copa, oras.

Se fizerem hotéis, centro de convenção, em São Paulo, por exemplo, é possível se faturar muito mais do que US$ 2 bi. O Estado tem três centros: o Transamérica, o Anhembi e o Center Norte. E cabem sete, oito. Além disso, o governo local pode dobrar a area hoteleira que há eventos de porte para tudo isso. E sem Copa.

Universidade do Futebol – Por que recursos para obras de saneamento não costumam ser totalmente utilizados? E por que o tema "saneamento" é tão esquecido pelo poder público?

Marcelo Tessler – Você vê a saúde brasileira nesse estado e não entende como pode faltar dinheiro para atendimento medico à população. Nosso escritório fica na rua da Santa Casa. Há várias ambulâncias estacionadas, com gente vinda do interior. Será que precisa trazer pessoas adoentadas de cidades de fora para tratamento aqui?

Não é possível desenvolver centros de atendimento especializados pelo Estado inteiro? Mas é um realidade bárbara que se espalha pelo ralo da corrupção, em diversos setores.

Universidade do Futebol – Sobre legado social. Como desenvolver uma gestão de obras sem desconsiderar aspectos como remoção de população, bem como várias outras mudanças urbanas?

Marcelo Tessler – Quando a proposta chega a nós, esse tipo de questão já está resolvida. Estamos atuando praticamente com a obra iniciando.

Trabalhamos na construção de um shopping no Rio, e participamos da desapropriação de uma faixa na Avenida Brasil. Os barracos acabaram invadindo o espaço, e foram necessários quase três anos para essa transição dos habitantes. A nossa atuação consistiu na parte técnica. Nossa atividade social é outra.

Universidade do Futebol – Qual é efetivamente a atividade social da empresa?

Marcelo Tessler – Patrocinamos uma ONG, da qual fazemos parte fisicamente, e promovemos a qualificação educacional de crianças em uma favela. Quando a criança volta da escola para sua comunidade, ela ingressa em nosso centro criado. Lá, ela é ocupada com atividades artísticas, esportivas, sociais. Essa noção de cidadania é muito importante e nos move.

Marcelo e sua equipe atuam diretamente com a ONG "Projeto Sol", localizada na Favela Vinte da Cidade Dutra, zona sul de São Paulo

Universidade do Futebol – Como é o processo de qualificação de profissionais para a sua área de atuação? Há muitos gargalos?

Marcelo Tessler – Hoje em dia falta mão de obra completa. O engenheiro civil foi muito mal tratado ao longo dos últimos anos. Hoje, um recém formado ganha R$ 5 mil. O país tem uma necessidade de 100 mil engenheiros, não só na área de gerenciamento, por ano.

Investimos muito aqui em qualificação. Damos cursos, realizamos treinamentos, ISO 9000. Hoje, talvez, somos a empresa que realiza o melhor gerenciamento periférico. É muito difícil que nossos profissionais queiram sair daqui – pelo contrário. Pagamos um pouco melhor e oferecemos recursos à nossa equipe.

Nossa empresa é bem qualificada tecnicamente. Por isso que muitas vezes ganhamos concorrências, mesmo com um preço maior. E em obra pública isso não ocorre, pois só se leva em consideração o preço, e não a relação custo/benefício.

Somos a maior gerenciadora de shopping centers do Brasil. Se aparecesse um shopping center público, hoje, certamente dariam um jeito de mostrar que não temos condições de fazer o trabalho.

Universidade do Futebol – Você conhece muitos projetos de estádios fora do país? Qual o paralelo você traça com a realidade brasileira?

Marcelo Tessler – Sim, conheço várias arenas na Europa e nos Estados Unidos, e pode ter certeza: teremos o topo. O problema não é o estádio fisicamente, mas a operação – a forma como se trata o público, a disposição em catracas, a questão dos ingressos, da alimentação, dos banheiros, etc.

Na Copa do Mundo, esse problema provavelmente estará resolvido. Depois, nos estádios particulares, haverá uma manutenção. Nos públicos, sumirão torneiras, válvulas, vasos sanitários, etc.

Esses próprios stewards, utilizados por alguns clubes brasileiros, não são novidade. Na época da Hicks & Muse, houve um exercício dos norte-americanos com o público no Pacaembu: eles pegaram um pedaço do estádio e realizaram um tratamento especial ao público.

A operação é o coração do negócio. E esse serviço de hospitalidade custa. Falta visão aos dirigentes de futebol no Brasil. 

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