Amor pela camisa, uma prática em desuso
Como a identificação dos jogadores de futebol em relação aos seus clubes e às seleções dos seus países?
Marcelo Iglesias
Desde a popularização do futebol até os dias de hoje, a realidade daqueles que convivem diariamente com o esporte e para os próprios torcedores mudou bastante. Com a criação de leis que facilitaram a transferência de jogadores, com o estabelecimento de elevadas quantias de contrato e de direitos de imagem, o que antes era tratado com um certo grau de amadorismo, atualmente, é um dos negócios que mais movimenta valores no mundo.
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Tanto isso é uma realidade, que a idéia de um jogador atuar única e exclusivamente por amor à camisa do clube ou da seleção é algo que pode ser encarado como ultrapassado. “É muito romântica essa idéia de alguém que foi criado nessa nova geração do futebol ter que jogar por amor a um clube ou a uma seleção. Os atletas têm contratos a cumprir, e eles irão jogar no clube que lhes oferecer as melhores possibilidades de enriquecimento. Essa é a lógica capitalista que também invadiu o futebol”, afirmou Kátia Rubio, psicóloga e presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (Abrapesp).
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No entanto, contrário a essa tendência de busca pelo dinheiro, falou o ex-jogador argentino Diego Maradona, quando questionado sobre a ida do também argentino Lionel Messi para disputar as Olimpíadas de Pequim, e o conflito com o Barcelona que não quer liberá-lo. “A camisa da Argentina não deve ser traída. Tem que vesti-la e dar a vida por ela. Ele (Messi) precisa saber separar os milhões que recebe para jogar pelo Barcelona da glória que é vestir a camisa da Argentina”, afirmou Maradona.
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“Não existe essa questão de lealdade a um clube ou a um país para os atletas de agora. A lealdade será com aquele que pagar mais”, comentou Kátia. “Um exemplo disso é a quantidade de estrangeiros que se naturalizam em outros países para poderem jogar pelas suas seleções. As fronteiras e o nacionalismo acabaram. Essa é a tragédia do mundo globalizado”, completou a psicóloga.
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Outro aspecto que tem que ser levado em consideração é o fato de que, com o sucesso obtido por campeonatos e por clubes europeus, os organizadores dessas disputas e os dirigentes desses times sentem-se na liberdade de enfrentar instituições como a Fifa, por exemplo. Por conta disso, e para amenizar o clima entre os jogadores, os clubes e as federações e associações responsáveis pelo futebol nos países, a maior instituição da modalidade no mundo determinou recentemente que os clubes deveriam ser indenizados por cada jogo que um dos seus atletas participasse, visto que eles correm riscos de lesão, por exemplo, e diretamente não recebem nada para atuarem por seus respectivos países.
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“É notável que a facilidade que existe para a transferência de um jogador de um clube para outro torna esse sentimento de amor pelo time algo muito difícil de ser firmado. Mesmo porque, como a carreira de um jogador de futebol é muito curta, eles têm que buscar, de qualquer maneira, maximizarem as suas receitas”, afirmou Oliver Seitz, pesquisador pela Universidade de Liverpool, profissional de marketing no Coritiba e colunista da Cidade do Futebol.
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Não é preciso uma análise detalhada do futebol brasileiro, por exemplo, para percebermos que são quase nulos os casos de jogadores que são como símbolos de um clube. Um dos poucos que poderiam ser citados é o goleiro Rogério Ceni, do São Paulo. Nem mesmo nos chamados grandes clubes de massa como o Flamengo e o Corinthians existe um atleta que se encaixe nessas características de ícone da agremiação.
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“O que mudou não foi somente a questão econômica, mas também os sonhos dos jovens que estão começando”, opinou Sérgio Jorge Burihan, professor de Educação Física da Unimódulo. “Agora eles querem sair do país, fazer fortuna fora do Brasil. Isso veio de carona com a massificação e a globalização do esporte”, completou o professor.
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Indo no sentido oposto àquele defendido pelos que têm a visão romântica de que um jogador deve atuar por amor a camisa, seja ela de um clube ou de uma seleção, estão os muitos atletas brasileiros que fizeram parte da história da modalidade, mas que caíram no esquecimento. Exemplos não faltaram quando, neste ano, foram comemorados os 50 anos da conquista da primeira Copa do Mundo pelo Brasil. A penúria de alguns dos membros dessa seleção fez com que fosse encaminhado um projeto de lei para criar-se uma aposentadoria àqueles jogadores que estavam passando por necessidades, e que participaram de times que venceram copas do mundo.
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“Os brasileiros têm a memória muito curta. Do mesmo modo que o país cria bons jogadores em série, os torcedores esquecem de grandes nomes do esporte com a mesma velocidade”, lamentou Burihan. “Atualmente, a única chance de alguém atuar por um clube ou seleção por simples amor a camisa, é se estiver no final da carreira, quando as preocupações financeiras são menores”, ponderou.
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Na verdade, o que existe é uma diferença de visões. Enquanto os atletas têm que pensar no futebol como a sua carreira, em que não há espaço e nem tempo para o lado emocional, os torcedores vêem o esporte como o ponto de vazão das suas emoções, e por se deixarem levar por essa paixão, exigem que os atletas que vestem a camisa do clube ou da seleção para a qual torcem ajam da mesma maneira.
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“O jogar-se por amor é algo romântico, e o futebol também é romântico. No entanto, os jogadores tendem a ser racionais nos seus trabalhos. Por isso ocorrem esses conflitos e questionamentos quanto à postura dos atletas”, disse Seitz. “Mas há de se convir que eles não podem abrir mão de quantias gigantescas de dinheiro por motivos emocionais”, concluiu.
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Benê Lima