Profissional fala sobre estrutura do clube e por que os treinadores devem se atualizarEquipe Universidade do Futebol
"Minha filosofia é sempre chegar o mais próximo possível do prazer do jogo. Eu tento falar com a parte do atleta que faz com que ele ame o jogo, com a criança que há dentro dele. Eu tento não fazer do jogo só um emprego. Essa é a parte que menos interessa. Mas eu tento fazê-los gostar daquilo que fazem. Essa é a parte com a qual eu gosto de trabalhar". A afirmação é de Arsène Wenger, em entrevista concedida em 2009 à Soccer Coaching International, parceira da Universidade do Futebol.
Nascido em Estrasburgo, o treinador iniciou sua carreira dirigindo a equipe das categorias de base do time que carrega o nome de sua terra natal. Após isso, migrou para o Cannes, onde foi assistente técnico. De lá, ainda em território francês, para sua primeira experiência como comandante de uma comissão, de fato, no Nancy. Mas no AS Monaco, clube que dirigiu por oito anos, obteve as maiores glórias locais.
Campeão da Liga francesa em 1988, neste ano recebeu a honraria de "manager do ano". Duas temporadas à frente ainda arremataria a Copa dos Campeões da França, antes de aceitar o convite do Nagoya Grampus Eight, do Japão.
Caracterizado pela visão peculiar em relação a aspirantes e jovens promissores provenientes de mercados menos ricos economicamente, como América do Sul e África, além de clubes menos expressivos do Velho Continente, Wenger está no Arsenal desde 1996. Lá, conquistou a Premiership pela última vez, em 2003/04, e segue tendo ao seu lado alguns parceiros especiais. Um deles é Richard Law.“No Arsenal, a comissão técnica da equipe principal (que atua em campo) é bem enxuta. São apenas quatro profissionais que cuidam dos treinamentos, incluindo o Arsène Wenger. Como líder da equipe, ele tem uma teoria de que não é necessário muita gente para se fazer a gestão de campo. Aliás, ele acredita que quanto mais profissionais, mais difícil é o trabalho”, revela o executivo de futebol.
A constituição básica da equipe técnica principal do Arsenal é formada pelo manager, pelo primeiro assistente Boro Primorac, que está com o Wenger há 18 anos, pelo segundo treinador e por uma nova figura, que faz o link com as categorias de base.
“Ele atua nessa transição, que consideramos muito importante, acompanhando os dois trabalhos – da equipe profissional e das equipes das categorias de base”, explica Law.
Além destes quatro profissionais, existem treinadores de goleiros, mas que fazem algo específico e à parte do time principal. Só se juntam à comissão técnica principal quando há atividades coletivas gerais. Eles estão todos os dias no campo.
Há também a figura de um preparador físico, mas ele praticamente não faz parte da comissão técnica no campo, exercendo uma função mais parecida com a de um fisioterapeuta, que fica mais nas atividades realizadas na academia e faz o aquecimento, e depois não participa mais.
Nesta entrevista exclusiva, Law fala mais sobre as peculiaridades do Arsenal, o processo de formação dos atletas na Inglaterra e por que é tão difícil se ter uma transparência financeira na gestão dos clubes de futebol pelo mundo.
Universidade do Futebol – Qual é a sua visão sobre o calendário atual do futebol mundial?
Richard Law – O calendário é hoje peça importante na organização do futebol de alto rendimento. Historicamente o que está por trás dos calendários anuais é mais a tradição. Em certos países, as competições foram organizadas a partir dos calendários escolar e das fábricas.
Na Europa, o verão sempre foi a referência de folga. O Arsenal, por exemplo, teve origem a partir dos trabalhadores de uma fábrica de armamento. O verão era o tempo de folga.
Em minha opinião, o calendário moderno deve ser repensado baseado nas demandas físicas e psicológicas do atleta de alta competição. Quem está na frente desta conversa são os alemães. Eles dão menos tempo de folga entre o final do campeonato e o começo da pré-temporada, mas respeitam, no mínimo, o período e 30 dias. Depois disso é que começa o calendário esportivo, no início de agosto para poder fazer uma pequena pausa – algo em torno de dez dias – no começo de janeiro.
Este descanso tem mais um impacto psicológico do que qualquer outra coisa. Em 10 dias, o atleta relaxa mentalmente, e isso me parece muito bom. Tudo que for feito para aliviar a enorme pressão que o jogador de alto rendimento sofre é bem-vindo.
Na Inglaterra, começamos duas semanas depois, mas vamos direto de agosto até maio, sem qualquer tipo de parada. E pode-se notar o desgaste em março, abril, maio, justamente na reta final.
Em resumo, penso que o calendário atual não atende à realidade competitiva, e sim mais às questões históricas, tradicionais, comerciais e políticas, do que técnicas e competitivas.
Autor do livro "Futebol brasileiro: um projeto de calendário" fala sobre o movimento dos jogadores
Universidade do Futebol – Fale um pouco mais sobre o organograma do departamento de futebol do Arsenal. Há um grupo técnico, os técnicos e o scouting. Qual é a atuação deles em relação ao próprio manager, e o que este faz em relação ao trabalho de campo? O que ele delega, e quais são as peculiaridades dos Gunners em relação aos principais rivais neste aspecto?
Richard Law – Tem uma ditado em inglês que diz “you have horses for races” (“há cavalos para diferentes carreiras”). No Arsenal, a comissão técnica da equipe principal (que atua em campo) é bem enxuta. São apenas quatro profissionais que cuidam dos treinamentos, incluindo o Arsène Wenger.
Como líder da equipe, ele tem uma teoria de que não é necessário muita gente para se fazer a gestão de campo. Aliás, ele acredita que quanto mais profissionais, mais difícil é o trabalho.
A constituição básica da equipe técnica principal do Arsenal é formada pelo manager (Arsène Wenger), pelo primeiro assistente (Boro Primorac), que está com o Wenger há 18 anos, pelo segundo treinador e por uma nova figura, que faz o link com as categorias de base. Ele atua nessa transição, que consideramos muito importante, acompanhando os dois trabalhos (da equipe profissional e das equipes das categorias de base).
Além destes quatro profissionais, existem treinadores de goleiros, mas que fazem algo específico e à parte do time principal. Só se juntam à comissão técnica principal quando há atividades coletivas gerais. Eles estão todos os dias no campo.
Existe também a figura de um preparador físico, mas ele praticamente não faz parte da comissão técnica no campo. Exerce uma função mais parecida com a de um fisioterapeuta, que fica mais nas atividades realizadas na academia e faz o aquecimento, e depois não participa mais. Costuma atuar ao lado dos jogadores em processos de recuperação e reabilitação. Portanto, a comissão técnica é formada por um grupo bem enxuto.
Nos últimos anos do Alex Ferguson no (Manchester) United, dizia-se que ele não treinava todos os dias. Ele apenas delegava funções. Aquela equipe dele era um pouco maior, com mais assistentes – cinco no total. No caso do Arsenal é interessante destacar que quem vai para o jogo é apenas o segundo treinador.
No vestiário e no dia do compromisso oficial, estão envolvidos com os atletas apenas o Wenger e mais um auxiliar. Em linhas gerais, a tendência é essa no futebol inglês.
Na Europa, dos clubes de que tenho conhecimento, creio que há mais uma ou duas pessoas envolvidas nesse processo, mas não passa disso.
Nos últimos tempos, estamos começando a ver na Inglaterra uma mudança estrutural nas comissões técnicas dos clubes. No Chelsea, por exemplo, Carlo Ancelotti foi contratado, mas a diretoria pediu para que trouxesse com ele apenas um assistente. O restante já compunha a equipe técnica, dentro da própria filosofia do clube.
Já na contratação do Mourinho vieram cinco profissionais com ele. E aí fica a pergunta: o que se faz com aqueles que sobraram? Só podem ser demitidos, porque não há espaço para dois ocupando o mesmo cargo.
Universidade do Futebol – Como funcionam os “times reservas” na Inglaterra?
Richard Law – Às vezes, o treinador do time reserva acaba se integrando à equipe principal. A organização do “campeonato de reservas” está em uma fase transitória na Inglaterra. O que está acontecendo no futebol, em geral, tradicionalmente, é que o time reserva era definido mais pela idade do que pelo talento.
Com 18, 19, 20, 21 anos, você está aprendendo a jogar futebol. Hoje, a tendência é de atletas com 16, 17, 18 anos treinando e jogando com o primeiro time.
Cesc Fabregas estreou entre os profissionais com 16 anos e sete meses. Aos 17 já era titular do time do Wenger. Começamos a ter mais exceções, o que impacta na seleção nacional. Hoje, dois atletas que têm idade para o time sub-21, estão atuando já na equipe principal do país.
Precisamos definir qual é a função do time reserva e que nível de competição seria mais coerente e lógico para esses jovens. Criou-se a “Next Generation”, um espelho da Champions League, que caiu no gosto dos clubes e da Uefa. Anos atrás, o time junior jogava na preliminar.
Estamos voltando, em nível europeu, a fazer isso. Se o Arsenal encarar a Juventus pela Champions, o time B vai junto para encarar, na preliminar, os jovens italianos.
Arsène Wenger, técnico do Arsenal desde 1996
Universidade do Futebol – Quanto o marketing e a área administrativa são importantes para o desempenho esportivo?
Richard Law – É preciso entender que o jogador e a equipe é que são os protagonistas. As outras áreas e profissionais são importantes, mas servem como suporte da atividade principal que é a prática do futebol. É um pouco como uma mosca que quer se aproximar da chama.
Quanto mais brilha a mosca, mais ela vai querer ficar perto da chama e, portanto, mais perigo corre. A que se considerar também que o jogador de futebol tem uma inteligência, mas muitas vezes esta não é abrangente. E às vezes ele também quer se aproveitar das situações, o que pode prejudicá-lo.
Penso que quanto mais pessoas você acaba envolvendo nesse círculo do primeiro time, maior é o risco do trabalho ficar fragmentado.
Universidade do Futebol – Há hoje no Brasil uma crescente preocupação com a falta de formação educacional dos atletas e um entendimento de que na Europa esta formação é bem superior. Você que conhece bem o Brasil e a Europa, concorda com isso?
Richard Law – Sim. Em gênero, número e grau. Quase 100% dos jogadores europeus vão acabar estudando até os 17 anos, em um curso formal, estruturado, com bons resultados em sua formação. Isso é uma exigência da liga e dos clubes, na Inglaterra. Todos nossos atletas estudam.
No Brasil, se você começar a jogar um pouco, e basta um pouco para que o estudo já seja passado para trás, fica em segundo plano. Sabemos que uma carreira com muito sucesso leva o jogador a atuar até os 35 anos, no máximo (salvo raras exceções).
A pergunta é: o que ele vai fazer depois? No futebol e na vida de forma geral, cometemos um grande erro se não cuidarmos deste aspecto junto aos jovens futebolistas.
Especial: a importância da formação do treinador de futebol
Universidade do Futebol – Nota-se hoje em dia que o treinador brasileiro está defasado em termos de formação. Qual é a sua avaliação sobre a formação dos treinadores europeus e que comparação podemos fazer com a realidade brasileira?
Richard Law – O sistema europeu de formação profissional exige uma licença para treinar e esta formação é realizada através de cursos regulares e obrigatórios. Há casos excepcionais, mas todos, para trabalhar devem passar por processos de formação, capacitação e atualização. Para citar um exemplo quero citar o caso do Jens Lehmann, lendário goleiro do Arsenal, que defendeu também a seleção alemã, e que está fazendo o curso chamado de Uefa A badge.
Trata-se de um curso técnico e necessário para que ele possa trabalhar conosco. Há, portanto, na Europa alguns pré-requisitos e estrutura nesse sentido. Evidentemente que para uma formação continua é importante que o próprio profissional se interesse por sua capacitação e atualizações permanentes. Isto depende muito também do impulso da pessoa.
O futebol é tão dinâmico que acho que simplesmente dizer para um técnico que ele precisa renovar seus conhecimentos a cada três anos não terá eficácia. O impulso por melhorar é algo muito íntimo. Para as pessoas sábias, isso é quase natural.
Universidade do Futebol – Por que é tão difícil se ter uma transparência financeira na gestão dos clubes de futebol? Percebe-se que esta dificuldade é muito grande no Brasil, mas nota-se este fenômeno também na Europa.
Richard Law – Felizmente a transparência financeira é cada vez maior nos países europeus. Eu diria que este é um movimento geral, buscado em toda Europa. Grande parte dos clubes virou empresa e, portanto, possuem estruturas muito profissionais.
O clube em que trabalho, o Arsenal está cotizado na bolsa. Todo clube nestas circunstâncias tem que abrir tudo. Não precisa tornar público detalhes dos contratos dos seus jogadores, mas há a exigência de tornar tudo bem claro e transparente.
Se você quiser saber os resultados do Manchester City, por exemplo, ele é obrigado a publicar os seus balanços, mesmo sendo privado. O maior problema é ainda com os chamados “clubes sociais”, que não têm essa obrigação. Este, no meu modo de entender, é um dos principais problemas dos clubes brasileiros.
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Sinopse
"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."
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segunda-feira, março 03, 2014
Richard Law, executivo de futebol do Arsenal
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Benê Lima