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"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, abril 29, 2015

Os Estaduais da Europa

POR CARLOS EDUARDO MANSUR

Daniel Alves, Messi, Suárez e Rafinha celebram gol do Barcelona

Pode parecer um disparate, mas há algo que aproxima os campeonatos estaduais do Brasil e as principais ligas nacionais da Europa. Claro que não é a qualidade técnica dos times de elite, tampouco o dinheiro movimentado ou o alcance mundial dos torneios europeus. Mas se observarmos a disparidade técnica entre os favoritos e os não favoritos, a disputa com desfecho previsível e concentrada em pouquíssimos favoritos, encontramos similaridades. É a globalização produzindo seus efeitos.

Até o olhar lançado sobre os favoritos, as avaliações e as cobranças tornam-se iguais. Um, dois tropeços ao longo da campanha, viram motivo de crise. Crise de rico, no caso deles. Porque em qualquer indústria do mundo a globalização significou concentração de riqueza nas grandes corporações. No futebol, não foi diferente. E talvez tenha sido muito mais intenso e chocante. As diferenças entre melhores e piores aumentaram. Com elas, a expectativa de que os superclubes massacrem domingo após domingo. O nível da exigência subiu para uns e, dramaticamente, caiu para outros. Marcas tradicionais, cheias de história, tradição e torcida, de repente se viram apequenadas por não terem embarcado no trem da globalização. Duro ver um 7 a 1 do Bayern sobre a Roma não ser mais tratado com ares de surrealismo. Vale o mesmo para os 6 a 1 dos alemães sobre o Porto. 

Nestes dois casos, estamos nos referindo à Liga dos Campeões. O que dizer dos campeonatos nacionais? No domingo, o Bayern de Munique tornou oficial, com quatro rodadas de antecedência, o tricampeonato alemão que já era certeza desde janeiro. No ano passado, foi campeão em março. Hoje, tem 15 pontos a mais do que o Wolfsburg. Na campanha, fez 6 a 0 no Paderborn, 8 a 0 no Hamburgo, 6 a 0 no Werder Bremen e distribuiu goleadas de quatro à exaustão. Na quarta-feira, deverá ser a vez da Juventus cumprir a protocolar missão de ganhar o Italiano pelo quarto ano seguido. São 14 pontos de vantagem sobre o Lazio a seis rodadas do final.

Tantas disparidades que os espanhóis celebram o mundo mágico de um campeonato polarizado entre Real Madrid e Barcelona. O time da capital, hoje vice-líder, tem sete pontos a mais do que o terceiro colocado e 13 à frente do quarto. Na Inglaterra, uma vitória a mais e o Chelsea será campeão com quatro rodadas de antecipação. Tem dez pontos de vantagem e um jogo a menos do que o Manchester City. Mas, justiça seja feita, a edição atual é exceção num país que tem preservado razoável nível de equilíbrio.

Bastou um tropeço no Real Sociedad para a Espanha inteira tentar entender o que se passava com o Real Madrid. Foi dado como um time sem futuro. Bastou o Barcelona perder um clássico e, em seguida, ser batido pelo Celta, para uma crise institucional com raros precedentes se apoderar do clube. E o Bayern? Perdeu para o Wolfsburg, depois empatou com o Schalke e as mais diversas teorias para explicar a "decadência" do time de Guardiola foram lançadas. Porque as derrotas para os menores, antes naturais, têm peso multiplicado na era dos superclubes. É como nos estaduais de nossas bandas. Se você for técnico, perca para um pequeno, não chegue às finais, e durma com a crise. Ou, antes disso, perca seu cargo. Demitir treinador é esporte nacional dos mais praticados.

A certeza de que os superclubes ganharão seus torneios nacionais é a mesma que se tem no Rio de Janeiro, em São Paulo ou no Rio Grande do Sul de que os clubes mais importantes brigarão pelo título. Trata-se da mesma convicção de que, no caminho, aplicarão grandes goleadas. E se há algo que jogue a favor das nossas disputas é o fato de não serem poucos os estados brasileiros com mais candidatos ao título do que as ligas nacionais europeias.

O perigoso é o efeito colateral da globalização. Gerar campeonatos em que ganhar é obrigação. Efeito sentido claramente nas ligas europeias. O mundo que vai abolindo fronteiras sem cerimônia parece dar o devido reconhecimento apenas a quem alcançar as conquistas mais próximas do global. O topo da pirâmide fica cada vez mais estreito. Perdem-se protagonistas, perdem-se histórias, ameaçamos  riscar do mapa a excitação dos duelos entre vizinhos. Um risco que, aos poucos, o Brasil também corre.

Num fim de semana em que campeonatos exibem desfechos previsíveis, natural que a discussão tome a Europa de assalto. Mas será por poucos dias. Na semana que vem, Bayern e Barcelona farão o mundo parar. E desfrutaremos do outro lado da globalização. Duas seleções mundiais em choque e a sublimação do jogo bonito. O futebol sempre vale a pena.

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Benê Lima