Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, janeiro 22, 2014

Clwyd Jones, professor da escola de técnicos da Inglaterra

"Os jogos dos times brasileiros são os mais entediantes que eu vi na vida", aponta


Guilherme Yoshida / Universidade do Futebol

Foi-se o tempo em que os ingleses eram capazes de somente fazer um jogo baseado na ligação direta entre defesa e ataque ou simplesmente levantar bolas dentro da grande área adversária.

Desde o início dos anos 90, eles abriram o mercado interno aos jogadores estrangeiros, e o jogo praticado na terra da rainha ganhou mais técnica e velocidade com o decorrer do tempo.

Aliado a isso, os clubes se lançaram ao mercado das bolsas de valores e, atualmente, quase a metade dos times da Premier League (a liga principal inglesa) pertencem a bilionários ou conglomerados de outros países.

E essa modernização também atingiu o processo de formação e qualificação dos novos treinadores nascidos no Reino Unido. Nomes como o de Steve Bruce (Hull City), Alan Pardew (Newcastle), Tim Sherwood (Tottenham), Brendan Rodgers (Liverpool), David Moyes (Manchester United), e Mark Hughes (Stoke City), começaram a figurar entre os técnicos estrangeiros que ainda dominam a elite do futebol inglês.

"Muitos profissionais de outros países apontam a Inglaterra como um lugar que não tem tanta força na produção de novos e bons treinadores. Eu discordo. Acredito que talvez não tenhamos tanta quantidade de treinadores de futebol atualmente, mas temos muita qualidade sim. A diferença está também no status que os técnicos têm na Inglaterra e fora dela. Na Itália, por exemplo, os treinadores de futebol são respeitados tanto quanto os médicos ou engenheiros", compara Clwyd Jones, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.

Com formação sênior em Economia e Esporte, licenciado em Futebol nível A pela Uefa, além de analista técnico de diversas equipes da Europa, Estados Unidos, e África do Sul, Clwyd Jones atua como professor na Southampton Solent University, uma das instituições certificadas pela Federação Inglesa para a formação e qualificação de técnicos e gestores dos clubes do Reino Unido.

Lá, para se trabalhar como treinador de futebol em uma equipe profissional, é preciso fazer um curso de três anos para obter a certificação do exercício da função. Além disso, o interessado nesta formação é obrigado a ter uma espécie de seguro contra acidentes e até certificado negativo de antecedentes criminais para poder trabalhar. E o custo todo pode chegar a 10 mil libras (cerca de R$ 39 mil).

"Se você se formar pela Uefa no Chipre, País de Gales ou na Irlanda do Norte, e alguns outros países, por exemplo, a sua graduação será considerada inferior em relação aos países de mais tradição no futebol pelos próprios dirigentes europeus. Com isso, o profissional não terá um reconhecimento para trabalhar numa Série A, na Eredivisie, na Premier League, ou na Bundesliga, mesmo com a certificação. Eles sempre dão preferência para profissionais formados nas principais ligas", revela.

Nesta entrevista, concedida durante o I Encontro Internacional de Futebol, evento realizado nesta semana em São Paulo, Clwyd Jones explicou exatamente como funciona a formação de treinador na Inglaterra e o porquê que acha o futebol brasileiro entediante. Confira:

Universidade do Futebol – Como funciona o trabalho da Southampton Solent University em relação à formação de treinadores de futebol? Como é a grade curricular, duração e qual a abordagem e a metodologia ensinada?

Clwyd Jones – A nossa grade curricular é dividida em dois modelos: técnico e de gestão [business]. E, basicamente, nós temos cursos de graduação e especialização, além de um mestrado em cada modo. O programa de graduação tem duração de três anos. E, no primeiro ano da graduação, oferecemos os módulos técnico, tática, de preparação física, e de como treinar um time, técnica e taticamente.

Temos também um módulo de pesquisa, que ensina o aluno a pesquisar, aulas de sociologia aplicadas ao futebol, e desenvolvimento do futebol [como funciona a indústria do futebol]. Já no segundo ano, o aluno tem conhecimentos mais avançados sobre como treinar um time, psicologia, mais uma matéria de sociologia e desenvolvimento do futebol aplicado, na qual aprendem como funcionam as organizações e governos para promover o futebol. Além de mais aulas sobre métodos de pesquisa.

Neste ano, oferecemos a opção de o aluno trabalhar por um ano inteiro em um clube. Essa escolha proporciona ao estudante conhecimentos para o exercício, entre outros, da função de analista de desempenho posteriormente, que é uma das áreas que mais absorve profissionais atualmente no futebol.

No terceiro ano, os alunos ganham mais autonomia e eles precisam mesmo ser mais independentes para realizarem o projeto final, o chamado TCC [Trabalho de Conclusão de Curso]. Também há as matérias Globalização do futebol e assuntos atuais no mundo do esporte. Na última etapa do curso, disponibilizamos três opções de matérias eletivas para o aluno se especializar: línguas, estágios em clubes ou administração.

Já no modelo business, que também têm duração de três anos, as matérias são relacionadas à gestão, como marketing esportivo, comportamento organizacional, planejamento financeiro, etc.

Sempre que possível, os nossos alunos, após a conclusão do curso, acabam fazendo um estágio voluntário em vários clubes de futebol da Inglaterra, como Fulham, Newcastle, entre outros da Premier League. Se você checar o site da nossa escola, você pode ver o testemunho de muitos alunos que tiveram essa experiência, inclusive em times de renome, e qualquer clube, não importando o tamanho e a expressão, pode se beneficiar dessa interação com a escola. Porque nós não fornecemos opiniões sobre o futebol, nós fornecemos fatos.

Em todos os níveis, são oferecidos os mesmos conhecimentos de treinamento, mas com aprofundamentos diferentes. No curso de graduação, o aluno aprende exatamente como é trabalhar como treinador e o que um profissional desta área procura [num clube, num jogador, etc.], obtendo assim a Licença tipo C.

E, quando os alunos chegam ao terceiro ano, nós os estimulamos a se certificarem com as licenças B e A, que são a especialização e o mestrado, porque possibilitarão ao aluno trabalharem em clubes maiores ou de maior destaque. Mas isso não significa que somente os alunos pós-graduados ou com mestrados possam trabalhar nesses clubes. Muitas vezes, a prática, obtida por meio do estágio, fornece conhecimentos suficientes que o aluno precisa para atuar em times maiores.

Eu acredito que a formação na Europa toda seja muito similar, pois todos os tipos de formações têm de atender o mesmo padrão de formação da Uefa. Então, se você é formado na Itália, você pode trabalhar na Inglaterra, na Espanha, na Holanda, na Alemanha ou mesmo na Itália, explica (Fotos: Studio Carlos Torres)


Universidade do Futebol  Quem define estes conteúdos na Southampton Solent University?

Clwyd Jones – O conteúdo engloba tanto a visão técnica quanto a de mercado da profissão. Desta forma, alguns conteúdos do programa são definidos por mim, outros pelo Mario Marinica, que decide as aulas da parte técnica, e o restante por um grupo de diretores.

Preocupamo-nos em oferecer cursos de alta relevância profissional para o aluno, com excelentes professores a preços acessíveis. Não adianta oferecermos ótimos cursos a valores que poucos consigam pagar, nem cursos baratos que não preparem os alunos para o mercado. Com essa certificação, eles também podem atuar em várias áreas relacionadas ao treinador, com estatísticas, finanças, marketing, entre outras. Porque o futebol hoje é uma indústria.

Com essa certificação, eles também podem atuar em várias áreas relacionadas ao treinador, com estatísticas, finanças, marketing, entre outras. Porque o futebol hoje é uma indústria, avalia o professor


Universidade do Futebol – Como é estabelecida a relação entre a Southampton Solent University e a Federação Inglesa de Futebol, a FA (Futebol Association)?

Clwyd Jones – Nós trabalhamos diretamente, trabalhamos em parceria. Inclusive, somos uma instituição aprovada pela FA para a formação de treinadores. Muitos dos nossos membros já trabalharam na federação. O Mario Marinica, por exemplo, atuou por muitos anos lá, foi palestrante representando a FA em conferências entre 1998 e 2012, e agora é professor na nossa escola.

Eu sou treinador e também um professor da federação. No entanto, a nossa escola prepara técnicos para trabalharem na FA e também fora dela. Muitos dos nossos alunos são jogadores e técnicos que vêm da federação. Outros vêm de lá para palestrar. Então, somos bastante próximos.

Em toda a Inglaterra, somente a FA pode emitir as licenças para o profissional atuar como treinador de futebol. Mas, as aulas são ministradas pela Southampton Solent University. E outra coisa: nós estamos credenciados a oferecer as formações somente para as licenças C e B.

Para a graduação A e Pro, somente a federação pode certificar. E esses cursos são muito caros para o aluno. Para se ter uma ideia, um curso para a formação A custa cerca de 5 mil libras, enquanto para a certificação Pro, o valor pode chegar a 10 mil libras, além dos custos com viagens, hospedagem e alimentação.

Jones (dir.) posa ao lado de Mario Marinica, que atuou por muitos anos na Federação Inglesa de Futebol, foi palestrante representando a FA em conferências entre 1998 e 2012, e agora é professor na Southampton Solent University


Universidade do Futebol – Há alguma regulamentação na Inglaterra para se trabalhar como técnico de futebol?

Clwyd Jones – Sim, a regulamentação é muito rigorosa. Primeiramente, tem de ter uma licença de treinador reconhecida pela Federação Inglesa de Futebol. Tem de trabalhar no nível da sua licença, como por exemplo, até o grau 2, pode-se trabalhar apenas com jovens das categorias de base e futebol amador.

Então, se você quiser trabalhar em clubes profissionais, você terá de ter as licenças A e B ou ainda a Pro. Já para trabalhar com crianças, é preciso ter uma certificação específica. Além disso, você tem de ter uma espécie de seguro contra acidentes e até certificado negativo de antecedentes criminais. E, preenchendo esses requisitos, o profissional pode se tornar um membro da FA e então trabalhar.

Para um estrangeiro, muita gente pensa que é difícil trabalhar como treinador. Mas, não é. É preciso ter um certificado equivalente de formação no seu país de origem e preencher os pré-requisitos legais da função.

E, são muitos anos para você conseguir esta formação ideal. Pode demorar de seis meses a um ano para completar o nível básico [a Licença C]. Depois para você obter a Licença B, pode variar mais tempo. E para ter o nível A, é necessário, no mínimo, um ano, enquanto a Licença Pro, dura um ano e meio.

Muitos profissionais de outros países apontam a Inglaterra como um lugar que não tem tanta força na produção de novos e bons treinadores. Eu discordo. Acredito que talvez não tenhamos tanta quantidade de treinadores de futebol atualmente, mas temos muita qualidade, afirma Jones


Universidade do Futebol – Quais as semelhanças e especificidades que esta grade curricular (programa de conteúdos) tem se comparado com as grades curriculares para formação de treinadores na Espanha, Itália, Alemanha e outros países europeus que têm uma tradição na formação de treinadores?

Clwyd Jones – Eu acredito que seja muito similar, pois todos os tipos de formações têm de atender o mesmo padrão de formação da Uefa. Então, se você é formado na Itália, você pode trabalhar na Inglaterra, na Espanha, na Holanda, na Alemanha ou mesmo na Itália.

Porém, se você se formar pela Uefa no Chipre, País de Gales ou na Irlanda do Norte, e alguns outros países, por exemplo, a sua graduação será considerada inferior em relação aos países já citados pelos próprios dirigentes europeus.

Com isso, o profissional não terá um reconhecimento para trabalhar numa Série A, na Eredivisie, na Premier League, ou na Bundesliga, mesmo com a certificação. Eles sempre dão preferência para profissionais formados em países de mais tradição no futebol.

Para a graduação A e Pro, somente a Federação Inglesa pode certificar. E esses cursos são muito caros. A formação do nível A, por exemplo, custa cerca de 5 mil libras, enquanto para a certificação Pro, o valor pode chegar a 10 mil libras, além dos custos com viagens, hospedagem e alimentação


Universidade do Futebol – Em qual nível você acredita que a Inglaterra, atualmente, está em relação à qualidade de técnicos perante os demais países da Europa com tradição no futebol?

Clwyd Jones – Veja, muitos profissionais de outros países apontam a Inglaterra como um lugar que não tem tanta força na produção de novos e bons treinadores. Eu discordo. Acredito que talvez não tenhamos tanta quantidade de treinadores de futebol atualmente, mas temos muita qualidade.

A diferença está também no status que os técnicos têm na Inglaterra e fora dela. Na Itália, por exemplo, os treinadores de futebol são respeitados tanto quanto os médicos ou engenheiros. Mas, todos esses países têm muita seriedade na formação de treinadores e os padrões são muito altos em todos eles.

Sempre que possível, os nossos alunos, após a conclusão do curso, acabam fazendo um estágio voluntário em vários clubes de futebol da Inglaterra, como Fulham, Newcastle, entre outros da Premier League. Qualquer clube, não importando o tamanho e a expressão, pode se beneficiar dessa interação com a escola, analisa


Universidade do Futebol – A escola forma mais professores ou treinadores? Qual a proposta pedagógica do curso?

Clwyd Jones – O foco principal da nossa escola é formar a próxima geração de profissionais do futebol. Isso compreende uma ampla gama de atividades, entre elas, gestão, marketing, treinamento, desenvolvimento, enfim.

Mas, há também uma parcela dos nossos alunos que almeja a carreira acadêmica. Essas são as pessoas que, por muitas vezes, continuam os estudos até níveis de mestrado e doutorado e que se tornarão professores ou pesquisadores.

Então, o nosso curso não é exclusivamente para a formação de treinadores de futebol. Às vezes, muitos treinadores já formados nos procuram para se qualificarem e desenvolverem ainda mais suas habilidades. Assim, acabamos contribuindo para estes profissionais conseguirem se realocar no mercado.

Historicamente, o Brasil possui grandes equipes e excelentes jogadores, mas nem isso garante belas exibições, analisa Clwyd Jones


Universidade do Futebol – O senhor assiste a algum jogo do Campeonato brasileiro? Como analisa o nosso futebol atual?

Clwyd Jones – Estive aqui no Brasil em 2007 e vi um jogo do São Paulo no estádio do Morumbi. Foi o jogo mais entediante que eu presenciei em toda a minha vida. Muito lento.

Já em 2011, vi o Santos jogar contra o Barcelona [na final do Mundial de Clubes], que acabou se tornando o segundo jogo mais chato que assisti em minha vida. Porque o Santos não conseguia pegar na bola.

Mas, eu assisto sim o Campeonato Brasileiro, e acredito que os times brasileiros são bons. Historicamente, o Brasil possui grandes equipes e excelentes jogadores, mas nem isso garante belas exibições. Tenho visto muitos jogos de má qualidade. No entanto, isso ocorre em todo o mundo.

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