Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, janeiro 04, 2014

Handebol brasileiro, futebol brasileiro e os atletas do mundo

Competições nacionais de ambas as modalidades possuem um nível técnico que não garante ao nosso esportista a possibilidade de ganho de experiência dentro do próprio país
Lucas Leonardo*

 

Brasileiro gosta de ver gol, isso é um fato inegável! É inegável também que a partir de agora, os gols com as mãos do handebol que colocaram o Brasil no topo do mundo (mais exatamente 253 gols marcados em 9 jogos no mundial da Sérvia) trouxeram ao povo brasileiro muito orgulho.

Mas por que falar de handebol num dos mais importantes portais de futebol de língua portuguesa?

Talvez porque o que menos importe neste momento é observar a modalidade vencedora, mas o fenômeno esportivo em si, tendo em vista elementos comuns que circundam as principais conquistas do handebol e do futebol brasileiro nos últimos 20 anos.

Não há dúvidas que saltou aos olhos da nação e ao meu – brasileiro e apaixonado por handebol que sou – a grandiosidade desta conquista das meninas brasileiras, batendo grandes potencias do handebol mundial e colocando o Brasil no topo do mundo desta modalidade que ainda é o “primo pobre” do esporte brasileiro, segundo o que a mídia veiculou nas últimas semanas.

A história desta conquista iniciou-se em 2001, com a vinda do treinador espanhol Juan Oliver Coronado, quando a equipe se tornou competitiva e teve seu desfecho nas mãos do brilhante Morten Soubak, em 2013.

É possível observar um ínterim de quase 13 anos, que fez do Brasil sair de uma posição de fragilidade, na qual sequer se classificava para a segunda fase da competição para transformar-se em medalhista de ouro no Mundial de Handebol da Sérvia.

Porém, nesta conquista, um fato chamou bastante a atenção: das 14 atletas que compuseram o plantel canarinho, 11 atuam na Europa e apenas três atuam no handebol nacional, uma mudança percentual bastante grande se comparada aos primeiros anos desta caminhada história do handebol brasileiro.
 




 

Se observarmos o futebol após o titulo brasileiro de 1970, houve uma mudança gradual do eixo do futebol para a Europa, com grandes competições nacionais, o fortalecimento da Uefa e suas competições continentais e os altos salários pagos aos atletas.

Paralelamente a isso, nas Copas de 1974, 1978, 1982, 1986 e 1990 houve fracassos contínuos de nossa seleção de futebol. Em 1994, quando fomos finalmente campeões mundiais, tínhamos, assim como na atual seleção de handebol feminino do Brasil, a mais “estrangeira” de nossas seleções até então convocadas: dos 22 convocados, 14 atuavam em equipes do exterior e apenas oito atuavam em equipes brasileiras, mas muitos destes “atletas nacionais” já tinham experiência internacional antes do Mundial nos Estados Unidos.

Desde então, percebe-se que os “atletas estrangeiros” são sempre maioria nas convocações das seleções de futebol masculino.

Isso evidencia o maior problema do atual futebol brasileiro – embora os apaixonados não aceitem – que é o mesmo já diagnosticado há alguns anos no handebol nacional: as competições nacionais de ambas as modalidades possuem um nível técnico que não garante ao atleta brasileiro a possibilidade de ganho de experiência dentro de seu próprio país.

Existem fatores que diferenciam este diagnóstico de um esporte do outro, mas essa tal fraqueza não se dá em relação ao talento do esportista brasileiro, e sim ao conhecimento que a ele é passado em sua formação.

O esporte, principalmente europeu, possui características táticas muito bem desenvolvidas e o atleta que lá atua tem que aprender a jogar com estas referências de jogo. No Brasil, não se observa isso com o mesmo rigor.

Não significa copiar o modelo europeu, mas criar, desde a base, a consciência de que o atleta deve compreender o esporte que ele pratica também nos níveis de planejamento das ações, de obediência de suas funções no campo/quadra, na compreensão que fazer gol é gostoso, mas impedir o gol adversário é fundamental.

Sair do Brasil foi, literalmente, a saída de mestre para o futebol brasileiro e tornou-se a mesma carta na manga do handebol feminino nacional.

O significado internacional da vitória de um país latino-americano num esporte tradicionalmente dominado pelos europeus mostra que a possibilidade de intercâmbio internacional de atletas diminuiu, definitivamente, o degrau de conhecimento prático do esporte.

No mundo do futebol não é uma impossibilidade que um país como a Costa do Marfim, por exemplo, faça uma grande campanha em Copas do Mundo, afinal, assim como o próprio futebol brasileiro, muitos dos atletas convocados para outras seleções nacionais atuam em grandes equipes europeias.

Logo, se o Brasil, com pouca tradição no handebol conseguiu este importante feito, deixando pra trás Dinamarca, França, Hungria, Espanha e Noruega – todos favoritos ao título mundial – será que podemos dizer que ainda existe uma supremacia brasileira no futebol pelo planeta?

O conhecimento está posto, disponível e acessível e minha esperança é que treinadores brasileiros de ambas as modalidades façam sua parte, se debruçando sobre este conhecimento, pesquisando e estudando, para fazer de nossos atletas capazes de entender o esporte que praticam, para que, assim, nossas competições sejam mais fortes tecnicamente e possam garantir “atletas brasileiros” em maior quantidade nas nossas seleções nacionais se comparado aos “atletas do mundo”.


*Lucas Leonardo é Bacharel em Treinamento Esportivo e Licenciado em Educação Física, ambos pela Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas e Especialista em Handebol pela ESEF/Jundiaí

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