Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Por que os campeonatos estaduais de hoje precisam acabar

Tim Vickery

Estádio Maracanã após reforma para a Copa / Crédito da Foto: AFP Getty

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com a falta de interesse nos estaduais, os estádios acabam ficando vazios nesses torneios

 

A BBC Brasil começa a publicar, nesta quinta-feira, a coluna quinzenal de Tim Vickery. Correspondente de futebol sul-americano da BBC desde 1997, ele mora no Rio de Janeiro há dez anos e usará esse espaço para falar suas impressões sobre o esporte bretão.

Em pleno ano de Copa do Mundo, as colunas de Tim também trarão a visão dele sobre como está sendo a preparação do torneio no "país do futebol".

Em sua primeira coluna para a BBC Brasil, Tim Vickery escolheu um assunto polêmico: o fim dos campeonatos estaduais. Os torneios regionais, que começam no próximo final de semana, ocupam boa parte do calendário do futebol brasileiro - de janeiro a maio - e não têm atraído o público para os estádios.

Os clubes grandes também não dão muita importância aos estaduais e preferem dar prioridade a outras competições, como a Libertadores e o próprio Campeonato Brasileiro, que começa depois.

Do outro lado, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e as federações estaduais alertam para a importância das competições regionais para o desenvolvimento do futebol no país, já que elas são a única competição no ano para muitos clubes menores no país.

Leia abaixo a coluna:

No final do ano passado, quando chegou à final da Copa do Brasil, o Flamengo cobrou preços exorbitantes para o jogo de volta que definiria o título no Maracanã (de R$ 250 a R$ 800). Um dos diretores do clube explicou que essa era uma necessidade, que eles estavam chamando os torcedores para ajudar o clube, porque nos primeiros meses de 2014, durante o Campeonato Carioca, o Flamengo lucraria muito pouco em caixa. A pergunta óbvia – ainda que eu não me lembre dela ter sido feita – é essa: que diabos o clube está fazendo ainda participando desse campeonato?

É inegável que os estaduais tiveram uma importância histórica e ajudaram muito a desenvolver o futebol no Brasil. Mas também é indiscutível que a hora deles passou. Na minha cabeça, eles morreram junto com o Plano Real. Qualquer estrutura era viável nos tempos da hiperinflação – tudo o que os clubes tinham que fazer era pagar atrasado. Mas em um mundo onde dois mais dois são quatro (com acréscimo de juros), os estaduais logo se descobrem inúteis.

É verdade que algumas finais e os grandes clássicos ainda podem empolgar. Mas, no contexto do lixo que os envolve, eles têm sido tão raros agora que podemos compará-los com o anel de ouro engolido pelo cavalo. Dá para recuperar quando sair do outro lado, mas primeiro é preciso vasculhar muita coisa desagradável.

E o problema não é só a falta de qualidade e interesse nos estaduais – é o efeito que eles têm no resto do calendário brasileiro, já tão cheio e desorganizado.

É como tentar colocar três litros de água em uma garrafa com capacidade para dois. Não há tempo para uma pré-temporada adequada, sem falar no enorme problema de deixar o Brasil fora da sincronia com o resto do mundo. Não existe pausa doméstica para as datas Fifa, o que significa que os principais jogadores irão perder partidas pelos seus clubes quando estão servindo a seleção.

"Façam um estadual mais curto", dizem alguns, "e tudo irá ficar bem". Errado! Não importa se os estaduais tomam muito ou pouco tempo do calendário. Deixar os estaduais no início do ano tem, inevitavelmente, um efeito negativo no Campeonato Brasileiro.

 

Torcida do Flamenfo no Mané Garrincha / Crédito da Foto: AP

Nos estaduais, estádios lotados são raridade e o interesse do público só vem com os clássicos

 

Esse ponto não é amplamente compreendido, já que o debate sobre os prós e contras dos pontos corridos infelizmente tem sido muito superficial. Mas é muito fácil de entender.

O formato mata-mata, que existia antes, sem dúvidas levava o campeonato a ter finais empolgantes. Mas o preço pago por isso é que a fase inicial do torneio é sempre subvalorizada, nada mais do que um aquecimento para os jogos decisivos da fase eliminatória. Durante o mata-mata, a mesma coisa acontecia todo ano: na primeira parte monótona, eu ouvia "esse é o pior Campeonato Brasileiro da história". Depois, quando o torneio embalava e a empolgação aumentava, eu ouvia, às vezes das mesmas pessoas, a impressão de que "esse é o melhor Campeonato Brasileiro da história".

O formato de pontos corridos realmente não garante o mesmo clímax dramático. É verdade, sempre há algo em disputa na última rodada, mas, como aconteceu com o Cruzeiro no ano passado, o campeão pode ser definido com várias rodadas de antecedência.

Mas o que você poderia perder no final, você ganha no começo – ou deveria ganhar. O pontapé inicial do campeonato é – ou deveria ser – uma grande festa do futebol. É o momento que todo torcedor, de todos os times, comemora. Cheios de esperança, o torcedor acredita que essa será a temporada que o seu time irá atingir todos os seus objetivos, sejam eles modestos ou não. Seja conquistar o título ou simplesmente escapar do rebaixamento, essa é a hora que todos podem ser seduzidos e podem deixar de lado seu ceticismo.

Mas para isso acontecer, precisa haver uma pausa antes. Isso é básico e não-negociável. A magia de torcer precisa de espaço para nascer e criar asas. Mas se o Brasileirão começa menos de uma semana depois que o estadual acabou, não há tempo para essa magia nascer. O torcedor já está muito familiarizado com as deficiências do seu time. Qualquer magia já terá evaporado há tempos.

 

Alexandre Pato comemora gol pelo Milan / Crédito da Foto: Getty

Corinthians tirou Alexandre Pato do Milan em 2013 pagando 40,5 milhões de reais

 

Eu só posso ver uma solução para os estaduais: os clubes pequenos, aqueles que não jogam nenhuma das divisões nacionais, podem jogar contra eles mesmos em um formato de liga, e então, ao longo do ano, eles enfrentam os clubes grandes em uma Copa no meio da semana. Assim, as rivalidades regionais são respeitadas, os clubes menores são mantidos em atividade e os grandes podem cuidar dos seus objetivos sem nada para atrapalhá-los.

Os clubes grandes estão competindo em um nível global agora. O Flamengo e o Corinthians estão disputando jogadores, não do São Cristóvão ou do Mogi Mirim, mas do Barcelona, do Milan ou do Manchester United. E eles estão perdendo – não só por motivos financeiros. Sinceramente, quem gostaria de jogar um campeonato estadual em vez de uma Liga dos Campeões da Europa?

E ainda o elemento bizarro de tudo isso é o fato de os clubes grandes aceitarem com tanta facilidade um calendário que vai diretamente contra os seus interesses. Por que eles são tão relutantes para desafiar a estrutura de poder do futebol brasileiro, onde eles têm menos voz do que os presidentes das federações estaduais?

Enquanto isso, de forma extraordinária e inspiradora, os jogadores resolveram preencher esse vazio. Pelo movimento do Bom Senso FC, que surgiu nos últimos meses, jogadores de todos os principais clubes brasileiros estão lutando pelo que eles chamam de "um futebol melhor para todos". As reivindicações deles são para dar prioridade máxima ao Campeonato Brasileiro – o que só pode significar o fim dos estaduais da forma como são organizados atualmente.

Eles compreenderam o problema político. Em um eco agradável dos protestos que encheram as ruas em junho passado e julho, os jogadores brasileiros têm se posicionado contra a oligarquia tradicional. É uma estrada que certamente irá levar a um conflito - altura em que os grandes clubes, certamente tem que parar de agir como cordeirinhos.

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Benê Lima