Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

Futebol brasileiro está horrível, mas a CBF só pensa na seleção, diz Autuori

LUIZ COSENZO
DE SÃO PAULO

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Não é só a voz grave, a fala mansa e o vocabulário extenso que diferenciam Paulo Autuori, 60, de outros técnicos do futebol brasileiro.

O técnico do Atlético-PR, que estreia na Libertadores nesta quarta (1º), ás 21h45, contra o Millonarios (COL), também tem opiniões que fogem do senso comum.
Crítico à atual gestão a frente da CBF, ele diz, em entrevista à Folha, que o futebol brasileiro vive um péssimo momento, a despeito do sucesso da seleção de Tite.

"A minha crítica à CBF é que ela não pensa e não trabalha o futebol brasileiro como deveria. Ela acha que se a seleção vai bem, está tudo bem. Mas não está, está tudo horrível ", diz Autuori.
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Folha - Você já trabalhou em seis países e dirigiu grandes equipes do Brasil. Como é trabalhar no Atlético-PR?
Paulo Autuori - Ouvia falar muita coisa de fora e posso falar que é uma gestão que não tem igual no Brasil. Ela vê o todo, tem os pés no chão. Impressiona a infraestrutura, a organização e a metodologia. Não estou falando em defesa [do clube]. Ele oferece a melhor condição para todo o futebol, e não apenas para a equipe principal. O Atlético-PR me propôs aquilo que eu queria. A ideia é brigar por títulos, mas de uma maneira coerente, sem dilapidar o patrimônio do clube.

Como você analisa o nível do último Brasileiro?
De médio para baixo, mas a culpa não é só dos técnicos, nem dos jogadores e nem dos dirigentes isoladamente. Existe um grande vilão, que é o nosso calendário, que limita e condiciona uma série de fatores no futebol brasileiro.

O que a CBF poderia fazer para melhorar o futebol brasileiro?
A minha crítica à CBF é que ela não pensa e não trabalha o futebol brasileiro como deveria. O problema dela é seleção. Ela acha que se a seleção vai bem, está tudo bem. Mas não está, está tudo horrível. O Tite está fazendo um bom trabalho, mas isso não mudou em nada o nosso futebol.

Se pensarmos em desenvolver um trabalho benfeito, patrocínio não vai faltar. Não falta agora, com os escândalos que têm, com um presidente que não pode sair do país e o outro que está preso nos EUA. Essa é a nossa realidade.

Nós do futebol temos que ter a coragem de falar as coisas como devem ser faladas. Todos nós temos uma dívida grande com o esporte. Somos o que somos em virtude do que conquistamos no futebol.

Se recebesse um convite, aceitaria trabalhar na CBF?
No futuro, gostaria de participar de um grupo que poderia ajudar, pensar, fortalecer o futebol brasileiro. Com essa direção da CBF, quero distância. Conceitualmente, existe uma divergência total. Temos pessoas habilitadas para ser presidente da CBF. O que temos que ter ali é a figura de um ex-atleta preparado, capacitado e que possa representar o país no exterior.

Os treinadores brasileiros estão defasados?
Ficamos defasados conceitualmente sim, mas por uma série de motivos. Um deles é que ficamos acomodados por ter que jogar quase diariamente e não precisar ir a campo para desenvolver treinos mais complexos. Com isso, o treino ficou mais na base da conversa, da bola parada, já que não temos tempo para treinar. Paramos conceitualmente porque fomos induzidos a isso.
A culpa não é apenas dos técnicos, mas do calendário também. Antes, ele permitia que os clubes excursionassem na Europa, e isso já dava a possibilidade de entender o que acontecia por lá. Tínhamos aquela ideia que éramos cinco vezes campeões do mundo. Depois da Copa do Mundo começamos a entender a importância de estudar.

Como você vê a safra de novos jogadores no país?
Temos que entender que o futebol mudou. Não posso comparar e fazer julgamentos hoje como fazia anteriormente. Tenho 60 anos e vi uma geração de grandes jogadores, tive esse privilégio. Tenho saudade, principalmente de como era o jogo. O craque hoje não pode ser o craque que era no passado. Continuamos em relação ao mundo do futebol com uma quantidade de grandes jogadores. Por isso, os outros países querem pegar cada vez mais jogadores novos e levarem para formar com uma realidade diferente daquela que fazemos.

Aqui não respeitamos o processo de formação porque você quer ganhar já nas categorias de base e, ao querer ganhar, você quer chegar de qualquer maneira e começa a ferir as ideias iniciais que você tinha.

Os jogadores brasileiros são individualistas?
Não posso falar disso citando apenas jogadores. Não consigo analisar e pensar o futebol sem abordar alguns aspectos sociais, antropológicos e filosóficos. As pessoas que fazem o futebol hoje são da nossa sociedade, com seus maus hábitos, com má educação, com vícios que nos temos. Isso reflete dentro de campo. Não podemos pegar o futebol e isolá-lo.

Quando você fala para um jogador parar a jogada é mais simples do que quando você pede para ele um trabalho em equipe, o que é mais complexo. São situações que ocorrem mais aqui no Brasil.

O futebol é um jogo que é feito de movimentos nas ações defensivas, ofensivas. Vejo muita pouca gente falar de harmonia desses movimentos. Esses movimentos tem que ter interação. Dentro do jogo temos sempre alguma parceria. É o lateral direito com o zagueiro central e com o meio campo pela direita. São pequenas sociedades. Tivemos sempre isso no futebol brasileiro, mas ao longo do tempo foi diluído. O futebol brasileiro sempre trabalhou em seus grandes momentos em triangulações, em posse de bola. Era muito mais coletivo do que é hoje.

Como é o Autuori como treinador?
A minha primeira preocupação na vida é com a pessoa. Portanto, não me decepciono com eles porque não espero nada deles. Eu tenho que dar. Jamais vou mudar aquilo que penso ou que sou em função da maneira como eles se comportam ou esperam de mim alguma coisa. Minha primeira preocupação é essa.

Sou um gestor de pessoas, o que não é uma coisa fácil. Além do profissional, tenho que gerir meus atletas como pessoas para que eles possam render minimamente como profissionais. Por isso, penso futebol em todos os sentidos. Sempre procuro analisar não somente o clube onde estou, a minha atividade, mas também a atividade como um todo. Ao mesmo tempo sou um cara crítico comigo mesmo e, por consequência, sou crítico com a atividade que exerço.

Como treinador sempre procurei fazer com que as minhas equipes pudessem tentar principalmente desfrutar o jogo, jogar futebol, mas muitas vezes não foi possível porque a vida é assim. Você vive entre o sim e o não, entre alegrias e tristezas, entre vitórias e derrotas. Você tem que atingir o nível equilibrado de viver entre esses extremos.

Todo o jogador com o qual eu trabalhei sabe perfeitamente que jamais quero uma equipe preguiçosa. Quero que todos na minha equipe tenham funções, saibam em que zona do campo deveriam estar.

Keiny Andrade - 11.nov.2005/Folhapress
Treino do Sao Paulo, no CT da Barra Funda. O time treina para enfrentar o Palmeiras, pelo Campeonato Brasileiro. Sao Paulo/SP Data: 11.11.2005 Foto: Keiny Andrade/Folha Imagem
Paulo Autuori e Rogério Ceni, em treino do São Paulo em 2005


Você já trabalhou com o Rogério Ceni. Como viu a escolha dele como técnico do São Paulo?
Quem conviveu com ele podia perceber que pela liderança, pela capacidade de entender e interpretar o jogo e pela leitura que fazia que era natural que ele seguiria esse caminho. E o início já é no topo. É importante ele entender que são situações completamente distintas ter sido jogador e vir a ser treinador. A base ele tem de sobra, as características ele tem de sobra e agora precisa desenvolver isso e só o tempo vai permitir essa evolução.

A maior dificuldade que ele vai encontrar é a sensação de impotência, que acontece quando você depende de terceiros. Na carreira de treinador, você trabalha todos os dias querendo que no dia do jogo o grupo como um todo possa interpretar aquilo que você desenvolveu durante a semana, mas muitas vezes isso não acontece por várias motivos e muitos deles fogem do seu controle. É aí que te dá a sensação de impotência.

RAIO-X

Nascimento
25.ago.1956 (60 anos), no Rio

Principais clubes
> Botafogo
> Vitória de Guimarães (POR)
> Boavista (POR)
> Marítimo (POR)
> Cruzeiro
> Flamengo
> Internacional
> Santos
> Alianza Lima (PER)
> Sporting Cristal (PER)
> Kashima Antlers (JAP)
> Vasco
> São Paulo
> Atlético-MG
> Grêmio
> Atlético-PR

Principais títulos
> Campeonato Brasileiro-1995 (Botafogo)
> Libertadores-1997 (Cruzeiro)
> Libertadores-2005 (São Paulo)
> Mundial de Clubes-2005 (São Paulo)

NA TV
Atlético-PR x Millonarios
21h45 Globo (para PR) e SporTV 

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Benê Lima