'A seleção brasileira tem uma responsabilidade social', afirma Tite
PUBLICIDADE
Tite, 55, acredita que a seleção tem uma função social. Depois de estrear com duas vitórias no cargo de treinador do time nacional, ele diz que a equipe "pode passar imagens sendo melhor, mais contundente, mais agressiva, mas de forma leal, jogando melhor futebol".Em entrevista à Folha, o gaúcho afirmou que o esquema vencedor armado nos dois jogos foi "legado" de Dunga, seu antecessor, e disse que deu um beijo no presidente da CBF, Marco Polo del Nero, na sua apresentação, como um gesto de "agradecimento ao carinho dado à minha mãe". O cartola dera uma camisa à mãe do treinador.
Antes de assumir o cargo, Tite havia pedido a saída de Del Nero, acusado de corrupção pelo FBI.
Paulo Whitaker/Reuters | ||
Tite comanda treino da seleção brasileira em Manaus |
Folha - Depois das duas vitórias no início do trabalho, o que você pode prometer aos torcedores?
Tite - Estamos no trabalho de construção de uma equipe, que vai passar por um trabalho de consolidação. Esse time vai oscilar, passar por um desafio de maturidade ao sair perdendo e ter que reverter o placar. Esses bons resultados não nos credenciam a absolutamente nada para o jogo com a Bolívia. Não sei quem vai ser no meio de campo, quem vai jogar na frente. Daqui a pouco, o Willian e o Philippe Coutinho vão começar a brigar lealmente por uma vaga. O Giuliano e o Oscar por outra posição. O time está se construindo.
Qual é a diferença de trabalhar na seleção e no clube?
Tenho mais tempo para ficar com a minha esposa. Não tenho tantas viagens. Mas também tenho agora que me reinventar. Tenho que ver o futebol agora com os olhos de outros técnicos. Preciso saber a posição em que o atleta dele joga, como conversar com eles. Preciso constantemente me municiar. Vou sempre ver jogos ao vivo ou pela televisão.
Qual das conversas com técnicos foi a melhor [Tite falou com dezenas de técnicos sobre os convocados]?
Tem uma série de componentes importantes. O Vanderlei Luxemburgo disse para não me preocupar em formar time durante as eliminatórias. Tem que preparar o time para vencer. Ele me passou a experiência dele na seleção. Sobre posicionamento, sou grato à conversa com o Dorival Júnior e o Muricy [Ramalho]. Eles me falaram como o Neymar se sente confortável no campo. Jogando na esquerda flutuando pela direita. O Zidane me falou sobre o Casemiro. Ele é o meu ponto de equilíbrio para ajudar nos avanços do Marcelo e dos meias.
Eu quero saber posição, função e como eu posso falar como o Lucas Lima, por exemplo. Como ele reage se eu for mais duro com ele? Qual é o tom? Ontem eu liguei para o Antonio Conte, do Chelsea, para saber do Oscar. Ele me disse que ele está bem, está jogando um pouco mais atrás na linha 4-1-4-1, tal qual a forma como jogamos. Ele está fazendo a função do Paulinho. E como é o tom para orientá-lo? "Tem que ser mais educativo, mais brando, Tite. É um bom menino. Não precisa de uma paulada para que ele possa render". É importante ter uma referência para trabalhar com o atleta.
Depois desses toques, você começa a pensar. O 4-1-4-1 não fui eu que implantei. O Dunga fez isso. Os dois melhores jogos foram nesse esquema. Não estou falando porque ele saiu da seleção. Fui crítico da contratação do Dunga em 2014, fui contra. Mas o legado foi dele.
Por que você não ligou para o Dunga?
Não liguei por respeito profissional. Sempre que saí de um clube eu carreguei a marca de querer continuar. Isso é humano, e eu tenho que compreender para não o colocar em uma saia justa. Quem não gostaria [de treinar a seleção]? Dói, cara. Imagina uma pessoa falar. Tive a grandeza de não falar.
Você também não telefonou para o Felipão, que é técnico do Paulinho na China.
Não liguei por problemas que tivemos no passado [a amizade entre os dois se encerrou em 2010, após entrevista de Felipão, então técnico do Palmeiras, sobre partida contra o Fluminense que poderia beneficiar o Corinthians, que brigava pela liderança]. Mas são problemas superados. Com o tempo ele vai estar [na lista de consultados]. Adversidades são superadas. Neste momento, não. Eu já tinha acompanhamento do Paulinho, não precisava.
Você foi um crítico do presidente Del Nero antes de assumir o cargo. Você já está há quase três meses trabalhando aqui. Como você vê a CBF agora?
Esse é um assunto polêmico e, por vezes, constrangedor para mim. Não mudei em nenhum momento minha postura de excelência, transparência e de crescimento. Essa é minha a parcela de contribuição. Acho que é isso que tem que passar para a seleção, para CBF e para todos. Fui criado assim. A minha formação universitária foi feita para pensar e não para reproduzir. A melhor forma de levar para a seleção é esse processo todo. Aqui tem um grupo extremamente comprometido para fazer o melhor. Estou contente com o ambiente da seleção. Não transito pelo outro lado. Não posso falar sobre lá [onde o presidente trabalha]. Se falasse de lá, estava vendendo "bala juquinha" para você.
Como é o seu relacionamento com o Del Nero?
Almoço com ele aqui [na sede da CBF, no Rio]. Hoje levei a lista para ele ver.
Ele interfere na convocação?
Não. É a minha autonomia, mas falo sobre os convocados.
Você foi criticado por dar um beijo no Del Nero logo ao assumir.
Quando aceito ser leal, sou leal. Vou trabalhar pela seleção. Ali estava a figura que representava a seleção brasileira na pessoa dele. Assim como me posicionei sobre transparência aqui em relação a ele, fiz isso publicamente na frente dele. Ele me fez um gesto de carinho. Deu uma camisa para a minha mãe. Tive que morder o lábio para não me emocionar. Não estou pré-julgando. Não vou julgar ninguém. O beijo foi de agradecimento ao carinho dado à minha mãe, que segura a camisa e ora por mim.
Você tem a chance de colocar o Brasil em primeiro lugar nos dois próximos jogos das eliminatórias.
Não boto o time em lugar nenhum. A maior hierarquia técnica foi quando o Neymar roubou a bola e fizemos lá na frente o segundo gol contra a Colômbia. Como o [jogador da NBA] LeBron James fez. O maior ator roubou a bola e deu para o [Kyrie] Irving fazer a cesta decisiva na final da NBA. Estou me tocando disso agora e vou falar para eles. É o mesmo lance do Neymar. Futebol como esporte coletivo é uma coisa fascinante.
Você se diz um admirador da seleção brasileira que jogou a Copa de 1982. O que faria para ela ganhar?
Nada. Eu assisti todo o teipe. O Telê [Santana] fez exatamente o que eu faria. Deu 2 a 2 ele tirou o Serginho, colocou o Paulo Izidoro do lado direito e deu liberdade para o Sócrates jogar mais avançado. A Itália não chutou uma bola em gol. Há um cruzamento e o Junior colocou para escanteio. A bola te dá sinais. A Itália estava morta. Se fosse basquete, o Brasil estava 12 pontos à frente da Itália. Se fosse vôlei, estaria sete pontos à frente.
Você reviu todos os jogos da seleção brasileira dos últimos anos. Qual foi o pecado dos últimos treinadores?
Não posso te responder, ainda que a pergunta seja boa. Tenho toda a Copa aqui de 2010 [aponta para um bloco cheio de anotações], com as minhas anotações. Olha todo o time da França aqui Tenho de 2006 também, assim como de 2014. Os jogos que não consegui assistir, eu peguei os melhores momentos para fazer um "briefing" do sistema tático. Não por trabalho, mas por prazer. Eu gosto.
O que você está achando do Brasil atualmente, com o governo Temer?
Entendo que a gente está em um momento de transição. Se a palavra "transparência" é uma que usei, eu gostaria de acrescentar "educação". A gente só vai melhorar a sociedade se tiver uma educação melhor, princípios melhores. Sem ser malandro. Eu posso ganhar sendo competente, ético, melhor. Como governante, posso ser competente e correto. Futebol, esporte e o professor de educação física educam. Passam princípios.
Você vê potencial de transparência no presidente Michel Temer e seu governo?
Não tenho condição de avaliar. Não tenho profundo conhecimento dele nem das pessoas próximas a ele. Eu seria leviano se dissesse tanto a favor como contra. Não estou fugindo da pergunta. Se tivesse [condição], eu colocaria.
O que você acha do país?
Está sedento ao bem, à transparência, à correção. Ele vibra com punição, com educação. Os meios de comunicação estão conseguindo passar algumas coisas que dizem: "olha, reflete". Isso está sendo bom. Estamos em um momento que se tornou fértil.
É assim que você vê as manifestações, as pessoas indo para as ruas?
Sim. Desde que não sejam impregnadas de violência.
E o "Fora, Cunha"?
Tenho minha opinião a respeito dele [Eduardo Cunha], mas não gostaria de externar. Diferentemente de Temer, eu tenho.
E o impeachment de Dilma Rousseff?
Não tenho [subsídios para opinar]. É um contexto muito grande, há um conjunto muito grande a ser analisado há bastante tempo. Nem a favor nem contra. As situações que foram comprovadas são incontestes. Do Cunha eu tenho uma opinião muito clara, e seguramente não difere da de vocês.
Nesse contexto, a seleção brasileira tem responsabilidade política?
A seleção brasileira tem uma responsabilidade social, de educação e do futebol como paixão. Você pode passar imagens sendo melhor, mais contundente, mais agressivo, mas de forma leal, jogando melhor futebol.
Quem passou pela seleção que te inspirou nesse aspecto?
Acho que não foi a seleção, mas a minha educação, nos jogos no campinho cheio de pedras. Eu e meu irmão jogávamos em seis, dividíamos em dois times, três para cada lado. Aí alguém reclamava que um dos times estava mais forte e então mudávamos até equilibrar. O futebol me educou.
E você pensa em voltar para o Corinthians?
Não esperava voltar tão cedo. Em 2014 eu pensei: "você está maluco, cara? Vai voltar para um clube no qual você ganhou tudo, com o grau de expectativa extremamente alto?" Mas confiei nas pessoas que lá estavam. Mas achei que ia voltar para o Grêmio, primeiro clube grande onde conquistei muitas coisas. Não tem como se planejar a longo prazo no futebol.
Eu não imaginava que estaria na seleção brasileira hoje. Imaginei em 2014, mas agora não. Em 2014 eu passei uma semana pensando "pô, o que eu preciso fazer para ser escolhido?".
Danilo Verpa/Folhapress | ||
Tite durante sua despedida do Corinthians |
Quem leva o Brasileiro neste ano?
Tem quatro equipes: Santos, Atlético-MG, Flamengo e Palmeiras. Acredito que até as últimas seis rodadas não estará definido.
Qual te agrada mais?
O Santos. Tem o futebol parecido Eu e o Dorival Júnior somos amigos, jogamos juntos no Guarani. Um futebol mais de posse, de triangulações.
O que você aprendeu em suas conversas com treinadores internacionais?
Eu não falei com o [Pep] Guardiola, mas aprendi ao ver as equipes dele: triangulações, posse de bola Como dizia o Muhammad Ali, flutuar como borboleta e picar como abelha. É isso que o Guardiola faz: trabalha a bola e "pum"!. É fascinante. O [José] Mourinho é reativo, do contra-ataque. O [Carlo] Ancellotti é o meio-termo, organizado sem abrir mão da posse ou de agredir. É um estilo de futebol que me agrada mais. E ele tem um estilo que eu gosto mais, mais sóbrio e mais discreto. O Guardiola e o Mourinho são midiáticos, estrelas.
Qual jogador da seleção mais te impressionou?
Não vou falar individualmente, mas o nível técnico e de compreensão me surpreenderam. A ponto de falar para a comissão técnica: "as orientações dadas aos atletas tem que ser de nível altíssimo, senão vocês vão passar vergonha". Você tem que dizer o que fazer e o motivo, porque eles contra-argumentam. "Flutua deste lado. Por que, professor? Porque deste lado você vai surpreender".
Caso tudo dê certo e a seleção se classifique para a Copa da Rússia, o que você projeta?
Depois de classificar, vou tomar uma caipira desse tamanho aqui, ó [mostra com as mãos]. Não dormir uns quatro, cinco dias, rapaz. Ganhamos do Equador depois de mais de trinta anos, estava com uma felicidade danada, olho para a tabela e vejo que estávamos na quinta colocação. Caramba!
O Neymar sempre se mostra chateado com a crítica, não quis dar entrevista durante a Olimpíada, além de levar muitos cartões amarelos. O que você tem feito para controlá-lo?
Vou relatar uma conversa que tive com todos os jogadores. Eles disseram que se sentem mais felizes, menos egoístas, em jogar pela seleção do que pelos clubes deles. O [lateral] Marcelo diz que está na seleção desde os 17 anos, que a família dele fica muito feliz quando ele é convocado. Existe uma imagem de que os atletas, por serem ricos e bem-sucedidos, não têm vontade de servir a seleção. Na verdade, é o inverso. Eu também ficava nisso de pensar na ostentação deles. Mas eles mostraram o outro lado.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima