Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

domingo, fevereiro 02, 2014

Financiamento da estrutura de um clube de futebol. Qual caminho seguir?

O planejamento da temporada deveria ser feito por uma equipe multidisciplinar, com colaboradores do departamento de marketing e de inteligência
Carlos Eduardo Perruci Faria*
 
Custo x Benefício

O esporte sempre foi visto como uma manifestação cultural de um povo associada ao apelo emocional que suas disputas provocavam junto a sua audiência.

No futebol, tal apelo emocional é ainda mais evidente, levando a uma relação cada vez mais íntima e passional. Pensado somente pelo ponto de vista técnico, o futebol pouco explorava sua capacidade econômica, reduzindo-se a bilheteria e venda de jogadores. Somente na sua história mais recente, o futebol passou a ser encarado sobre a visão de mercado.

Por volta dos meados da década de 70, aconteceu a primeira grande aquisição de direitos e propriedades, estabelecendo uma relação de patrocínio de uma entidade esportiva por uma sociedade empresarial.

Tal ação consistia na exposição da marca da empresa nas placas de publicidade ao redor do campo de jogo durante uma das competições oficiais da entidade. Em troca o patrocinador financiaria o plano de desenvolvimento da modalidade.

De lá para cá, o futebol sofreu grandes transformações, tanto dentro quanto fora de campo. Decorrente do mercado do entretenimento, o futebol se tornou cada vez mais popular e, antes mesmo do mundo ouvir o termo globalizado, já estava devidamente futebolizado.

Os dirigentes de alguns clubes, perceberam o potencial econômico das propriedades e direitos e passaram a explorá-las de modo a gerar receita para cobrir seus gastos e investir em uma equipe mais forte e técnica para conquistar mais títulos e atrair mais fãs.

Mesmo nos tão exaltados clubes europeus, tal potencial não foi explorado plenamente, persistindo um modelo que, embora eficiente e atual, permanece cheio de distorções e incorreções decorrentes dos tempos da sua fundação.

Uma das primeiras fontes de receitas dos clubes de futebol era a mensalidade de seus associados. Mensalidade esta que era utilizada para pagar as despesas e manter suas instalações. Quase em concomitância, a bilheteria dos jogos de suas equipes também servia como uma importante e imprescindível fonte de receita.

Com o destaque do modo brasileiro de jogar o jogo, seus futebolistas passaram a ter um maior valor de seus passes e passaram a exigir melhores e maiores compensações financeiras nos contratos celebrados.

Dirigentes, então, perceberam que o direito decorrente dos passes dos jogadores de seus clubes era capaz de gerar uma receita substancial para o caixa.

Com o crescimento em popularidade e com os avanços tecnológicos, o futebol passava a ser também, conteúdo e por consequência, gerador de atenção e retenção de audiência para os meios de comunicação.

Os direitos de transmissão de seus campeonatos passaram a agregar às fontes de receita dos clubes, somente sendo superado, em alguns casos, pelas receitas obtidas pelas transferência dos direitos decorrentes do contrato especial de trabalho esportivo.

Com maior visibilidade, exposição e grande apelo emocional, sociedades empresariais perceberam o quanto poderiam ganhar ao agregar sua marca e de seus produtos, valores esportivos, expondo-as nos diversos espaços publicitários contidos nos uniformes das equipes dos clubes de futebol e das competições que disputavam.

Dando um passo a mais, empresas de material esportivo passaram a se interessar em fornecê-los para uso das equipes futebolísticas durante os treinos e jogos, decorrendo daí, o licenciamento de seus produtos.

Durante a década de 80 e início da década de 90, houve, no Brasil, uma incipiente tentativa de explorar uma nova fonte de receita: o merchandising, ou seja, a utilização da marca dos clubes de futebol - entende-se como marca, sua denominação, seu escudo e suas cores - em produtos diversos.

Tal tentativa acabou por fracassar por não haver qualquer precaução jurídica que garantisse a qualidade dos produtos colocados no mercado. Qualidade esta que era muito aquém, qualquer que fosse o fornecedor.

Novo olhar para o planejamento da temporada

O planejamento da temporada deveria feito por uma equipe multidisciplinar, incluindo colaboradores do departamento de marketing e de inteligência.

A exploração de todas as fontes de receitas existentes, incluindo uso do direito sobre a imagem de seus atletas e colaboradores, exceto as relacionadas a relação trabalhista atleta-clube e a formação de jovens talentos que deveriam ser abominadas e abolidas.

O estabelecimento de um núcleo de inteligência formado por uma equipe destinada a prospectar oportunidades em nichos mercadológicos e de novas tecnologias capazes de gerar maior diversificação das fontes de receita do clube.

E a exigência do cumprimento de jornada de trabalho por parte dos atletas que consista de atividades relacionadas a competição esportiva, a ações e a ativações do departamento de marketing e inteligência.

Para que tais estratégias possam ser realizadas, deverão ser precedidas dos devidos acordos contratuais, estabelecendo seus limites, suas exigências, prazos, direitos e deveres das partes envolvidas, permanecendo o equilíbrio entre as partes e em acordo com a legislação nacional vigente, dos órgãos regulatórios e fiscalizadores, estatutos dos clubes e das entidades administrativas do desporto.

Mesmo em clubes que adotaram práticas empresariais saudáveis atualizando sua gestão a contemporaneidade, prevalece velhos paradigmas vigentes, não permitindo o estabelecimento de práticas heterodoxas completamente destoantes.

Não se pode acreditar que, em pleno século XXI, permaneçam mecanismos legais que permitam a obtenção de receitas oriundas dos direitos decorrentes de contrato especial de trabalho esportivo, bem como, do investimento na formação e desenvolvimento de jovens talentos sob a tutela de clubes de futebol.

Do mesmo modo, a permanência de uma relação de monopólio quando se tratando da negociação dos direitos de transmissão das competições de futebol no país, fato este que sofreu interferência do CADE - órgão antitruste nacional e que redundou no racha que decretou o fim do Clube dos Treze.

Qual caminho seguir?

O caminho a ser percorrido é longo. O primeiro passo é o mais difícil, retirar os antolhos, reduzindo a miopia imediatista focada no resultado da partida anterior e ampliar a visão.

O segundo passo é adotar uma prática saudável de gestão altamente profissionalizada e focada no resultado, onde as decisões sejam tomadas baseadas em fatos e dados obtidos por pesquisa realizada pelo núcleo de inteligência.

O terceiro é atribuir um mesmo valor ao departamento de marketing e ao departamento de futebol, pois ambos seriam responsáveis pelos principais ativos de um clube de futebol.

O quarto, tão difícil quanto o primeiro, é ter a ousadia de romper com o modelo ortodoxo vigente, adotando um novo paradigma, um modelo mais heterodoxo que permita buscar novas e diversificadas soluções para resolver demandas decorrentes da atividade fim de um clube de futebol, bem como, propiciar a diversificação das receitas, evitando uma dependência excessiva de uma determinada fonte.

Somente quando os olhos da gestão estiverem abertos, sendo capazes de enxergar a distância e sua cabeça ser refrescada e arejada pela ousadia, os clubes de futebol darão um grande salto qualitativo, alcançando novos patamares de sucesso.

Resta saber quem irá dar o primeiro passo.

Referências bibliográficas

1. FILHO, A. M.; SCHIMITT, P. M.; GUIMARÃES, F. X. S.; PANHOCA, H.; ZVEITER, L.; PERRY, V.; KRIEGER, M. C. R.; LOPES, C. E.; DA SILVA, J. C. T.; PUGA, A. Código Brasileiro de Justiça Desportiva: Comentários e Legislação. Brasília: Ministério do Esporte, 2004. 256 p.

2. NAPOLEÃO, A.C.; ASSAF R. Seleção Brasileira - 90 anos: 1914-2004. Rio de Janeiro: Mauad, 2004. 376 p.

3. POZZI, L. F. A Grande Jogada – Teoria e prática do marketing esportivo. São Paulo: Globo, 1998. 280 p.

4. RODRIGUES, E. Jogo Duro: a História de João Havelange. Rio de Janeiro: Record, 2007. 419 p.

5. SANDEL, M. J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 349 p.

6. UNZELT, C. D. O Livro de Ouro do Futebol. Rio de Janeiro: Sinergia: Ediouro, 2009. 696 p.


* Instrutor de Treinadores - FIFA Futuro III, MBA em Administração Esportiva - FGV/RJ, Especialista em Futebol e Licenciado Pleno em Educação Física e Desporto - UFRJ. Sócio da Perruci Faria Consultoria, professor convidado na ESPM-Rio e no ICF-FERJ. email: cefaria@gmail.com

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