Entrevista// Marco Aurelio Klein: Paz nos estádios vem com melhora na organização
Encarregado pelo ministro do Esporte, George Hilton, de atualizar o estudo feito em 2006 sobre violência de torcidas de futebol, o atual presidente da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), Marco Aurelio Klein, afirma que a solução do problema engloba uma série de mudanças legais e na organização do esporte. Pelo menos foi assim que países como a Inglaterra conseguiram acabar definitivamente com atos de selvageria nas torcidas, o que resultou na liga mais competitiva e lucrativa do mundo.
A atualização do relatório Preservar o Espetáculo Garantindo a Segurança e o Direito à Cidadania será o primeiro passo de um plano de ação encomendado pelo ministro para extinguir a violência entre as torcidas brasileiras.
A seguir, trechos da entrevista concedida por Klein ao Portal do Ministério do Esporte:
O senhor foi convocado pelo ministro para apresentar o relatório final da comissão Paz no Esporte. Qual o resultado da reunião?
Fiquei encarregado de atualizar o relatório mostrando os pontos que precisam de uma continuidade, apesar dos oito anos de finalizado. A preocupação do ministro George Hilton é que o relatório volte à pauta e que tenhamos ações efetivas para melhorar a experiência e tratar o futebol como um espetáculo, com a torcida participando de um momento de alegria e de paixão.
Qual o ponto de partida dessa discussão?
A violência já esteve dentro do estádio. Hoje não mais. A resolução do problema nas arenas precisa ser estendida também para fora delas. As melhorias dentro dos estádios, com acessos mais organizados, instalações mais limpas, cadeiras com lugares marcados e sem alambrados são grandes legados da Copa do Mundo. A operação do Mundial mostrou que o Brasil trabalha bem com grandes eventos, com estádios cheios, pois não tivemos problemas.
Como foi o trabalho da comissão Paz no Esporte?
A comissão realizou o estudo para encontrar os caminhos para combater à violência, o hooliganismo e o vandalismo no futebol. Foi um trabalho técnico, com dois anos de análises, de visitas por todo o Brasil e conversas com autoridades, clubes e federações. O estudo buscou também acolher as melhores práticas de diversos países, com documentos e legislação, sobretudo, na Inglaterra.
O relatório final aponta caminhos?
É um documento com medidas práticas de ações que podem ser tomadas nos diversos níveis da organização dos espetáculos. Em termos de legislação, responsabilidades e inteligência. É um relatório muito operacional. O documento foi inspirado no relatório que trouxe as sugestões que colocaram a Inglaterra no caminho de enfrentar e vencer o hooliganismo. Ele foi inspirado na forma e no conteúdo do famoso Relatório Taylor.
Em se tratando de futebol, a violência entre torcidas é igual aqui e no resto do mundo?
A Inglaterra ficou famosa por conta do hooliganismo. Foi a melhor e a mais profunda experiência que enfrentou a questão da violência, conhecida como a doença do futebol. Então, eles resolveram o problema, criaram um campeonato que hoje é um modelo para todos os torneios no mundo, mais rico e mais transmitido pela televisão. O problema foi superado com um trabalho técnico que envolveu a participação do governo, dos clubes, de entidades esportivas e da mídia. Foi um compromisso geral e, acima de tudo, quando começou a dar resultado, de inteligência. Sempre acreditei que é possível fazer isso no Brasil.
Como será o trabalho daqui para frente?
O ministro George Hilton pediu para conhecer profundamente o trabalho. Apresentei o resultado para que ele conheça a origem, os detalhes e como chegamos às sugestões. George Hilton pôde, com a sua equipe, ter o primeiro contato e gostou muito do que foi apresentado. O ministro achou o trabalho bom para todos que gostam do futebol como espetáculo. Vou atualizar o relatório e entregar ao gabinete para que produza resultado em política pública.
Como fazer isso?
As principais ações são os pontos objetivos. É preciso tratar essa questão com a seriedade que merece, com a importância que ela tem e com a inteligência que ela precisa. Ou seja, mergulhar no problema, colocar as medidas específicas, colocar a inteligência e se aprofundar na organização do espetáculo. A organização é a principal mensagem que há no relatório. O combate à violência no futebol não é sobre repressão. É sobre organização da forma de fazer o espetáculo, a qualificação dos recursos humanos envolvidos, trabalho do entendimento dos riscos que existem. Nem todo jogo é igual, com os mesmos riscos. Tem que entender como é o risco, como tratá-lo. Existem instrumentos de inteligência de banco de dados que são muito importantes.
Então os embates entre torcidas e polícias são evitáveis?
Futebol não é sobre repressão. O tratamento à violência no futebol é, sim, sobre organização.
Então o combate à violência precisa envolver várias áreas do governo, em todos os níveis de governo?
É fundamental uma coordenação. Não adianta ter boas intenções de forma isolada. Parte do sucesso no combate à violência na Inglaterra se deu em um trabalho coordenado entre todos os entes envolvidos no futebol. Outra particularidade, que é preciso aplicar no Brasil, é a especialização do que é o espetáculo do futebol.
Qual seria uma boa estratégia?
É impossível trabalhar quando falamos que o determinado jogo vai ter um sistema de segurança rígido, que foi criada uma operação de guerra. A mensagem que estamos dando não é a desejável para o torcedor comum, que pretende ir ao estádio com a família. Temos que ter a percepção do espetáculo e não de uma praça de guerra. As pessoas querem ir naquilo que o futebol é: uma festa, uma alegria. A violência não faz parte do futebol e é preciso trabalhar para que o torcedor possa ter no esporte um momento de alegria e de paixão.
E as torcidas organizadas?
A torcida organizada não é a causa do problema. Ela é muito mais efeito de um espetáculo que não está organizado adequadamente. Assim, ela fica associada ao comportamento violento, às brigas e ao vandalismo.
Breno Barros
Ascom – Ministério do Esporte
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