Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, junho 19, 2009

O futebol precisa de pensadores

O peso da servidão ou mesmo ignorância pedagógica
Não aceite a volta à servidão escolar. Faça por merecer a liberdade!

Infelizmente, sufocado pela resignante e paradoxal paciência histórica, sei que terei uma grande chance de não ver em vida o domínio das novas tendências em pedagogia do esporte sobre o tecnicismo reinante, principalmente aqui no Brasil (especialmente, quando o esporte é o futebol).

Mas, apesar do revés, sei também o quanto preciso e posso ser a areia que provoca na concha a necessidade de formar a pérola. Pois, acredito muito nos meus professores, alunos, ex-alunos, orientandos e a competência dos profissionais com os quais compartilho idéias e projetos.

A luta demanda ajuda de Sun Tzu e demais mestres na arte das mais variadas guerras, e pelos mais diferentes motivos.

Por exemplo, Celestian Freinet, um pedagogo francês nascido em 1896, é para mim uma das maiores influências e fonte de idéias e inspiração. Freinet não lutava contra tradicionais metodologias de ensino/treinamento em esportes, mas sim, de modo semelhante, debatia-se contra uma escola conservadora e alienante que não sabia (e ainda não sabe) como provocar aprendizagem significativa (formar alunos inteligentes), contudo é expert em servidão e dominação.

Esta mesma escola que cultua a servidão, formou os treinadores que não entendem como desenvolver uma descoberta guiada (termo usado por Mourinho, porém é sinônimo de inúmeras estratégias adotadas pelos interacionistas, dentre eles Freinet, desde o começo do século XX), ou mesmo aqueles que não conseguem criar treinos contextuais na forma de jogos, em que os jogadores poderão potencializar suas respectivas capacidades de adaptação ao enfrentar problemas muitos próximos dos exigidos nas competições.

Para esta luta pedagógica Celestian Freinet adotou armas (técnicas) como o jornal escolar, a aula passeio, a correspondência escolar, o texto livre, os planos de trabalhos individuais e coletivos, entre outros, para que pudesse criar ambientes de aprendizagem, transformação e liberdade para seus alunos.

Neste pequeno trecho de seu livro Pedagogia do Bom Senso que transcreverei a seguir, será possível observar e comprovar seus questionamentos óbvios à pedagogia tradicional, e que também nos permitem ampliar a reflexão para o futebol no que tange a formação de atletas autônomos e inteligentes, tanto na iniciação como no alto rendimento – contrariando alguns conservadores e outros reprodutores de discurso de que não existe pedagogia no treinamento, ou mesmo que esses tratariam de coisas diferentes, sendo a pedagogia voltada à iniciação e o treinamento à especialização.

Vejam o instigante texto:

O peso da servidão

Dizem que nossas ovelhas são estúpidas. Nós é que as tornamos estúpidas, ao encerrá-las em estábulos acanhados, sem ar e sem luz, onde não têm outro recurso senão baterem com as patas no chão, balindo sempre até aparecer o pastor ou o açougueiro.

E nós as tornamos estúpidas também quando, em plena montanha e sob a ameaça de chicote e dos cães, as obrigamos a seguir passivamente, pelo atalho tortuoso, os passos da ovelha dianteira, que por sua vez segue o carneiro de longos chifres que também não sabe para onde leva o rebanho, mas que se orgulha de ser carneiro.

Nós as tornamos estúpidas porque reprimimos brutalmente todas as tentativas de emancipação, todas as veleidades de jovens carneiros de fazer as suas experiências fora dos caminhos batidos, perdendo-se nas matas, demorando-se entre as rochas, mesmo se conseguirem colher apenas arranhões e ranger de dentes.

Mas nós temos desculpas. O nosso fim não é educar nossas ovelhas nem, torná-las inteligentes, mas somente treiná-las para suportar, aceitar e até desejar a lei do rebanho e da servidão – aquela que dá boa carne e grandes benefícios.

Infelizmente, porém, ainda ouço crianças balbuciando em cantochão - ia dizer balindo -, por trás das portas fechadas das suas escolas-estábulo, mesmo que sejam escolas-estábulo luxuosas; vejo-as bater os pés como as nossas ovelhas, à entrada e à saída, e nada falta, nem os carneiros, nem os pastores autoritários, nem os regulamentos tão severos quando os nossos chicotes e os nossos cães. Vejo-as virar, todas ao mesmo tempo, as mesmas páginas , repetir as mesmas palavras, fazer os mesmos sinais...

E mais tarde, você se admirará ao vê-las oferecer miseravelmente os braços à exploração e o corpo ao sofrimento e à guerra, como as ovelhas se oferecem ao matadouro!

É a servidão que nos torna fracos, é a experiência vivida, mesmo perigosamente, que forma os homens capazes de trabalhar e de viver como homens.

Não aceite a volta à servidão escolar. Faça por merecer a liberdade!


Fonte: Alcides Scaglia


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Benê Lima