Bruno Doro e Rodrigo Farah
Do UOL, em São Paulo
Em 2011, os clubes brasileiros passaram a negociar individualmente quanto receberiam da TV pela transmissão de seus jogos. O resultado disso foi que Corinthians e Flamengo passaram a ganhar muito, mas muito mais do que seus rivais. Especialistas logo alertaram contra a “espanholização” do futebol nacional, lembrando que Barcelona e Real Madrid concentram 55% da arrecadação dos clubes espanhóis. O UOL Esporte, no entanto, teve acesso a um estudo que mostra o Brasil mais próximo de outro gigante europeu: a Inglaterra.
“A minha primeira hipótese era de que caminhávamos em direção ao modelo espanhol, que conta com a polarização Real e Barcelona. Mas o estudo mostrou que estamos muito mais próximos da situação inglesa. E o motivo para isso são as características dos clubes brasileiros”, analisa Amir Somoggi, especialista em marketing e gestão esportiva e autor do estudo. “Corinthians e Flamengo realmente recebem mais das TVs e isso faz com que seu potencial de patrocínio seja maior, mas a distância para os outros não é tão grande, graças a ações de marketing que equilibram um pouco essa balança”, completa.
O modelo espanhol
O futebol espanhol vive um momento único em sua história. A sua seleção é considerada a mais forte do mundo e seu campeonato nacional ganhou uma escala global de audiência. Tudo graças ao fortalecimento de seus dois principais clubes: Barcelona e Real Madrid. O problema é que esse fenômeno não foi seguido pelos demais clubes.
Em 2002, Barça e Real arrecadavam 38% do total gerado pelos 20 clubes do Campeonato Espanhol. Em 2012, essa marca deve atingir os 55%. “O processo de concentração de receitas nas mãos de apenas dois clubes foi prejudicial para a Liga como um todo, que se enfraqueceu. A diferença dos dois gigantes em valores arrecadados em comparação com os demais clubes é gigantesca. Nenhuma Liga do futebol mundial tem tamanha concentração de riqueza em apenas dois clubes”, analisa Somoggi.
A arrecadação total do futebol espanhol, em 2002, estava na casa dos 776 milhões de euros. Em 2012, pulou para 1,8 bilhão, um aumento de 134%. No mesmo período, Barça e Real aumentaram sua arrecadação em 242% (de 291 milhões para 996 milhões). E a diferença para os demais clubes chegou a um patamar insustentável: enquanto Real fatura 480 milhões e o Barcelona, 451 milhões, o Valencia, terceiro colocado na lista, ganha apenas 120 milhões de euros.
A situação brasileira
Esse abismo não aparece no futebol brasileiro. Mesmo com Corinthians e Flamengo ganhando muito mais com TV do que seus rivais, a diferença de arrecadação é menor. Em 2011, por exemplo, os dois clubes receberam, somados, R$ 206 milhões (R$ 112 mi do Corinthians, R$ 94 mi do Fla) da Globo. O terceiro clube da lista, o São Paulo, recebeu apenas R$ 67 milhões, mais de 40% a menos do maior valor.
Em arrecadação total, somando bilheterias e ações de marketing, no entanto, a diferença é bem menor. O São Paulo foi o segundo time que mais ganhou no país em 2011, com R$ 226 milhões, contra R$ 290 mi do Corinthians. O mesmo acontece com o Internacional, terceiro da lista: mesmo recebendo da TV apenas R$ 51 milhões em 2011, arrecadou R$ 198 mi na temporada. O Flamengo, segundo na lista de TV, é só o quinto em arrecadação, com R$ 185 milhões.
“As ações de marketing fazem a diferença. E o Internacional é o maior exemplo disso. Tem um programa de sócio torcedor muito organizado e, com isso, consegue arrecadar mais em bilheteria do que o Corinthians, que tem uma torcida muito maior. Em contra-partida, o Flamengo nem mesmo tem um programa de sócio torcedor ativo”, analisa Somoggi.
O modelo inglês
Esse equilíbrio que o Brasil mostra aproxima o modelo verde-amarelo muito mais ao que acontece na Inglaterra, que conta com um grupo de quatro ou cinco clubes grandes. Na última versão do relatório Football Money League, informativo da consultoria Deloitte sobre a movimentação financeira do futebol, oito clubes ingleses aparecem entre os 20 mais ricos da Europa - cinco deles entre os dez primeiros.
A explicação para tantos times fortes economicamente é, justamente, a divisão das cotas de TV. Por lá, a negociação é coletiva: os times recebem cotas básicas iguais, mas o valor sobe de acordo com rendimento e número de partidas televisionadas. Com isso, os times grandes recebem mais, mas o sistema da meritocracia garante que a diferença não seja esmagadora, como no caso espanhol.
“É um modelo muito mais racional do que o brasileiro. O ideal era adotar a postura alemã. Na Bundesliga, a divisão é igual e você tem, tirando o Bayer de Munique, um equilíbrio muito maior nas finanças”, fala Somoggi.
Preocupação com o futuro
Apesar do cenário não ser tão negro quanto na Espanha, o Brasil ainda vive uma concentração de poder na mão de poucos clubes. E isso já está evidente nos resultados recentes dos campeonatos nacionais. Desde 2003, quando o modelo de pontos corridos foi adotado, times do estado de São Paulo levaram o título seis vezes (três do São Paulo, dois do Corinthians e um do Santos). Clubes cariocas foram campeões três vezes (Fluminense, duas, e Flamengo, uma) e Minas Gerais, com o Cruzeiro em 2003, só tem um título.
Isso já é resultado da divisão de finanças desigual: os quatro grandes de São Paulo, por exemplo, abocanharam, em 2011, 38% do total que os 20 clubes mais ricos do país arrecadaram no ano. Já os quatro grandes do Rio de Janeiro, pouco mais de 20%. Isso quer dizer que 40% dos times ficaram com quase 60% da arrecadação.
“Estamos indo na contramão do resto do mundo. Nesse modelo, a tendência à concentração é inequívoca. E o problema é que não é só na TV que isso está sendo usado. Em outras receitas também. A criação do sócio-torcedor com a Ambev vai nessa direção. Os maiores ganham mais benefícios e isso gera diminuição das torcidas dos menores. Uma parte dessa diferença é quase incontrolável. É questão de mercado e acontece no mundo inteiro. Mas nós estamos acelerando este processo”, analisa Fernando Ferreira, da Pluri Consultoria, especializada em análises do mercado do futebol nacional.
Com esse panorama traçado, os clubes admitem que o risco de uma polarização extrema assusta. Um dirigente ouvido pela reportagem, que pediu para não ser identificado, admitiu que foi contra a implementação do modelo de negociação individual das cotas de TV. “Não há como esse modelo ser bom. Você pode ganhar mais a curto prazo, mas só vai aumentar a distância para a concorrência. E você precisa de times fortes para ter um campeonato forte. E só com um campeonato forte você passa a valer mais. Fui contra na época e continuo sendo contra agora”, disse o cartola.
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Benê Lima