Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, setembro 17, 2008

Otimização da produção de receitas no futebol

Entrevista: Amir Somoggi

Marcelo Iglesias

Além de uma análise sobre a realidade da gestão dos clubes brasileiros, o especialista no assunto fala sobre clubes europeus e sobre as perspectivas para Copa de 2014, no Brasil

O Brasil é, sem sombra de dúvida, uma das grandes potências do futebol mundial. Ao lado de outras nações como Inglaterra, Alemanha, Itália, França e a recém-campeã da Eurocopa, Espanha, o país da América do Sul é um exemplo do futebol como um negócio mercadológico.

Diferentemente do que se observa nas ligas européias de destaque, os clubes brasileiros sofrem quando o assunto é a otimização na produção de receitas, sem ganhar e, às vezes, até perdendo com elementos como estádios, venda de produtos, projetos de marketing, e ficando fortemente dependentes da venda de atletas para o exterior.

No entanto, com a assinatura da chamada Lei Pelé, entre outros aspectos existentes na sua redação, abriu-se a possibilidade para que os clubes de futebol brasileiros investissem em projetos junto aos seus torcedores, enxergando-os como consumidores da marca da equipe.

“É importante ressaltar esse aspecto, especialmente no Brasil, porque, dessa forma, nossos clubes não precisariam mais ficar reféns da venda de jogadores para sanarem seus compromissos”, comentou Amir Somoggi, consultor e professor de marketing e gestão no esporte, especialista em marketing e gestão de clubes da empresa Casual Auditores Independentes, que realiza anualmente análises econômicas e mercadológicas sobre o futebol no Brasil e no mundo, professor de marketing esportivo e planejamento estratégico de clubes de futebol no curso Master em Gestão do Futebol da Federação Paulista de Futebol (FPF), em entrevista exclusiva para a Cidade do Futebol.

Além de fazer uma análise sobre a realidade da gestão dos clubes de futebol brasileiros, e de tecer comparações com o que acontece nas grandes ligas européias, Somoggi também falou sobre as perspectivas para a Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil, e apresentou alguns números para deixar mais concreta a sua visão sobre o esporte.

Cidade do Futebol – Quais são os maiores desafios, em termos de gestão, para a modernização dos clubes no Brasil?
Amir Somoggi – A questão é entendermos profundamente qual é o tamanho do nosso mercado. Hoje, nós temos um mercado multimilionário, na Europa, ao passo que o nosso tem muito potencial e ainda é explorável em alguns aspectos.

Por exemplo, a formação de jogadores e a sua respectiva exportação. São valores que crescem a cada ano, mas que não caminham para uma evolução do negócio futebol no mercado doméstico.

Então, a principal questão é entender qual é esse mercado inexplorado. O segundo dilema é profissionalizar ao máximo o departamento de marketing e a administração do clube para poder alavancar todas as outras fontes de receita, que crescem, mas em um ritmo muito inferior ao que poderiam.

CdoF – Muitos clubes comentam que a parte social representa um déficit nas contas mensais. Desta forma uma parte das receitas do futebol é deslocada pra cobrir esse déficit. Dentro da realidade estrutural dos clubes brasileiros, como essa situação poderia ser mudada?
Amir Somoggi – Embora a cara social dos clubes gere receitas de maneira razoável, por outro lado, essa área nos grandes clubes, que têm um parque social forte, como Corinthians, São Paulo e Flamengo, para citarmos três deles, realmente consome um valor alto, não apenas nas despesas correntes, mas também em contingências como, por exemplo, um funcionário que entra com um processo e ganha determinado valor, fazendo com que o clube tenha que arcar com isso, o que acaba recaindo sobre o futebol, que é a parte que gera mais receitas.

A tendência é o clube buscar alternativas comerciais para a sua área social e para o esporte amador. Como aqui se fala em esportes olímpicos e na prática esportiva dos sócios, é comum que os clubes busquem alternativas comerciais no mercado que possibilitem a redução gradativa desse déficit.

Acredito que o futebol deveria ser separado da área social do clube, principalmente, nessa questão da gestão, para que os recursos gerados com a área social fossem investidos diretamente na manutenção do quadro social das agremiações.

CdoF – Dentro da realidade política, econômica e social do Brasil, quais ações efetivas poderiam ser implementadas pelos clubes visando o aumento e a diversificação de suas receitas a curto e médio prazos?
Amir Somoggi – Para essa questão, nós temos que analisar os números que a Casual Auditores, empresa que há quatro anos faz estudos financeiros sobre o mercado do futebol tem.

No último ano, o mercado brasileiro bateu o recorde de geração de receita. Segundo a nossa análise, o mercado brasileiro de clubes de futebol atingiu R$ 1,6 bilhão em receitas, em 2007. A nossa amostra mais representativa são os 21 clubes que tiveram as maiores receitas nesse mesmo período. Eles atingiram R$ 1,33 bilhão.

As receitas estão assim subdivididas: negociação dos atestados liberatórios, ou seja, a transferência de atletas, que representou 34% desse montante de 2007, contra 23%, em 2006. As cotas de televisão representaram 22%, em 2007, frente a 29%, no ano anterior. O clube social e o esporte amador representaram 11% das receitas em 2007 e em 2006. Patrocínio e publicidade foram responsáveis por 11%, em 2007, contra 16%, em 2006. E bilheteria representou 8% em 2007, o mesmo valor no ano anterior. Por fim, outras receitas equivaleram a 14%, no ano passado, frente aos 13% de 2006.

Nós temos que fazer algumas análises em relação a esses valores para deixar a questão melhor explicada. Por exemplo, o social e o amador, em 2007, teve um grande incremento, em virtude da evolução que alguns clubes estão tendo naquilo que se convencionou chamar de sócio torcedor, que é um sócio, mas totalmente voltado para o futebol. Neste caso, têm destaque os seguintes clubes: Internacional-RS, Grêmio, Figueirense e Atlético-PR.

Para ter-se uma idéia do potencial dessas agremiações, o Internacional-RS conseguiu R$ 20,1 milhões com os seus sócios, o Grêmio R$ 18,5 milhões, o Figueirense R$ 4,3 milhões, e o Atlético-PR R$ 4,1 milhões. Ou seja, há uma tendência, que é extremamente positiva, a de fidelizar um público ligado ao futebol e não ao clube social.

Por isso que precisamos entender a nossa realidade. Se somarmos 34% de atletas, com 22% de TV, e com 11% de patrocínio e publicidade, tem-se 67% das receitas geradas pelos clubes. É o que se convencionou chamar no mercado do marketing de “business to business”, isto é, são receitas diretamente geradas com outras organizações, ou empresas ou clubes: venda de atletas (que são relações entre clubes), patrocínio e publicidade (que são acordos entre clubes e empresas), e as cotas de televisão (negociadas pelo Clube dos 13 ou por federações locais, mas que tramitam entre as entidades).

Ou seja, o consumidor do futebol, o torcedor, está fora desse processo. Então, essa talvez seja a principal diferença que nós temos entre o mercado europeu e o mercado doméstico de consumo de futebol: o torcedor representa muito pouco para a receita gerada pelos clubes brasileiros.

Por isso, essa é a inversão que deve ser feita por meio de planos de longo prazo, especialmente, na maximização dessas fontes de receita e na estruturação de projetos que sejam criativos e inovadores com o torcedor, a fim de que o torcedor brasileiro passe a representar cada vez mais para os negócios dos clubes.

CdoF – O futebol, assim como a maioria das modalidades, tem em seus ídolos um fator importante no conjunto da modalidade, seja dentro do campo ou fora dele, desde a maximização de receitas até a qualidade do espetáculo. É possível mantermos nossos craques no país por mais tempo dentro do contexto estrutural e econômico do nosso futebol?
Amir Somoggi – Essa é a principal pergunta que permeia o mercado do futebol brasileiro. Nós vivemos em um ciclo vicioso no que se refere à gestão dos clubes, pois as agremiações vendem cada vez mais cedo os seus atletas. Isso ocorre porque existe a questão relacionada à dificuldade de mantê-los, uma vez que há uma enorme pressão por parte do jogador, do seu empresário, e do mercado internacional com milhões de euros em mãos para comprar esses atletas.

As agremiações brasileiras recebem o dinheiro da venda dos jogadores e investem, principalmente, na estrutura de formação de novos atletas, visando encontrar, cada vez mais cedo, novos jogadores que vão se tornar ídolos e serão vendidos no mercado internacional, fazendo com que esse ciclo nunca se encerre. Ou seja, se pega o dinheiro, investe-se em formar jogadores que são rapidamente vendidos, e assim sucessivamente.

O ciclo virtuoso foi encontrado pelos europeus e temos que adaptá-lo a nossa realidade. A manutenção dos ídolos parece difícil, mas se olharmos as folhas salariais de grandes clubes da Europa, percebe-se que eles têm um volume cada vez mais alto de recursos sendo despendidos na manutenção desses atletas.

Por isso, deveríamos escolher três ou quatro jogadores de cada clube e realizarmos um trabalho para mantê-los por mais tempo no mercado, a fim de impulsionar as outras fontes de receita, investindo na marca do clube, na exploração da imagem desse atleta, na transformação dele em um ícone em termos de marketing. Dessa maneira, faríamos com que o ciclo virtuoso de geração de receitas aparecesse na venda de produtos, na exploração comercial da marca do clube, nos melhores contratos de patrocínio, na lotação dos estádios.

Assim, segurando por mais tempo esses atletas, a tendência é que se consiga reverter esse ciclo vicioso, transformando a gestão dos clubes em um ciclo virtuoso de geração de receitas.

CdoF – Na sua opinião, como profissional de marketing que vive a realidade do nosso futebol há anos, a profissionalização do futebol brasileiro em todos os aspectos, é viável ou um sonho ainda muito distante?
Amir Somoggi – Se analisarmos os últimos cinco anos desse aspecto, houve uma evolução, que pode ser comprovada pelos números financeiros dos clubes, embora os déficits dessas agremiações tenham aumentado. Houve uma evolução principalmente no que se refere à interpretação daquilo que é importante fazer-se para o mercado crescer.

O problema é que o mercado brasileiro de clubes de futebol vive de ser uma plataforma de exportação de jogadores. Automaticamente, outras importantes receitas que deveriam ser criadas acabam deixadas de lado, porque é mais fácil vender-se um atleta por 20 milhões de euros para o mercado internacional do que gerar essa mesma quantia diretamente com o torcedor brasileiro.

Isso demandaria projetos de longo prazo, de continuidade nessa mudança de paradigma. Ou seja, tem-se não um amadorismo, mas sim um comodismo da administração dos clubes, pois é mais fácil arrecadar-se com a venda de um único atleta do que se pensar que a agremiação tem 10 ou 15 milhões de torcedores pelo Brasil e fazer-se projetos que alavanquem essa idéia.

A Casual Auditores fez uma análise e chegamos à conclusão de que, apenas consideram-se as três macro-receitas dos clubes de futebol que são o estádio, a mídia e a exploração comercial das marcas dos clubes, tem-se um mercado inexplorado da ordem de R$ 1 bilhão, que poderia evoluir nos próximos quatro ou cinco anos, em um ritmo de cerca de 20% ao ano, sem considerar um único centavo com negociação de jogadores.

CdoF – Quais são as diferenças que fazem tão distantes as realidades do futebol brasileiro e do futebol europeu, sendo que o Brasil é um dos grandes nomes do futebol?
Amir Somoggi – O Brasil é uma referência em termos de futebol no mundo. O que significa que, dentro das quatro linhas, o mercado brasileiro é altamente respeitado. Poucos mercados no planeta atingiram o grau de excelência na gestão do que seria o futebol, em termos de preparação física, tática, técnica, centros de treinamento.

Muitos jogadores que voltam para o mercado brasileiro, quando vão para um clube como o São Paulo, o Atlético-PR e o Cruzeiro, afirmam que o centro de treinamento desses clubes não deixam nada a desejar às estruturas encontradas em grandes clubes italianos, espanhóis ou ingleses. Ou seja, essa realidade favorável, nós já temos. O nosso grande problema é converter esse êxito esportivo em geração de negócios no mercado doméstico.

O mercado europeu de futebol, considerando o profissional apenas, o que corresponde a todos os clubes europeus, mais a Uefa e confederações e a Fifa, gerou na temporada 2006-2007 um montante de 13,6 bilhões de euros, sendo que as Big Five Leagues, que são as cinco principais ligas da Europa (a primeira divisão da Inglaterra, da Alemanha, da Itália e da França) geraram 7,1 bilhões de euros. Isso mostra a importante representatividade desse montante em relação ao total.

Considerando-se os 20 clubes com maior faturamento da Europa, eles atingiram 3,7 bilhões de euros. Ou seja, mais de um quarto de tudo que se gera com receitas de clubes de futebol profissional na Europa, vem de apenas 20 agremiações.

CdoF – O Brasil é tido como exportador de grandes craques como Robinho, Ronaldinho Gaúcho, entre outros. Como o país deve atuar para mudar essa situação, ou seria mais apropriado assumir tal papel e tentar desenvolver as condições nas categorias de base para aumentar a venda de jogadores jovens?
Amir Somoggi – O problema de se aceitar como exportador é que o ciclo vicioso nunca irá se alterar. Se o dinheiro recebido com a venda de atletas fosse revertido para a melhoria de estrutura e para o consumo das marcas dos clubes como, por exemplo, com a incrementação dos estádios,ou com investimentos em projetos de marketing, ou com a internacionalização da marca dos clubes. Se tudo isso ocorresse, automaticamente, as agremiações brasileiras conseguiriam, aproveitando-se dessa exportação em massa dos atletas, investirem em outras áreas, possibilitando um incremento das fontes de receita.

No Real Madrid, que é o clube mais rico do mundo, o que mais gera receitas em todas as suas fontes, tirando o estádio, já que os clubes ingleses lideram esse quesito, o marketing gerou, em 2003, aproximadamente, 65 milhões de euros. Isso é fruto de um projeto, iniciado em 2000, com Florentino Perez, e que no seu terceiro ano conseguiu o valor de 65 milhões de euros. Hoje, o clube fatura 136 milhões de euros com o marketing.

Esse valor não inclui somente cotas de patrocínio que é o que, no Brasil, convencionou-se trabalhar como marketing, mas também vendas de produtos pelo mundo, royalties gerados com essas vendas, outros patrocínios do clube que não só as cotas, mas também a possibilidade de receber uma quantia extra na venda dos serviços dos patrocinadores, como é o caso do relacionamento do Real Madrid com a Telefonica.

Então, o Real Madrid, apesar de ter se tornado um caso de estudo acadêmico, deve ser enxergado como um exemplo de como um clube brasileiro deve atuar para aumentar a representatividade dos negócios a serem gerados, além da exportação dos atletas.

Outro dado referente à venda de atletas é que apenas os grandes clubes brasileiros conseguem valores importantes com a venda de jogadores. Os clubes menores ganham quantias irrisórias, quando os jogadores não vão embora gratuitamente para o mercado internacional. Se fizermos a conta de que cerca de 1.200 atletas foram transferidos para fora do país em 2007, e que esses recursos geraram aproximadamente 260 milhões de dólares, chegasse à conclusão de que cada um dos jogadores saiu por aproximadamente 225 mil dólares.

Tem-se aqui a realidade do cenário brasileiro, pois, para cada craque vendido por 15 ou 20 milhões de dólares, existe uma massa de outros atletas que foram embora por valores irrisórios.

Existe também outra questão importante, e que vai além das finanças dos clubes: o fato de preservarmos a nossa identidade, o nosso patrimônio, que são esses atletas. Exemplos disso são os casos como o Deco e o Marcos Senna, que foram jogadores que não passaram pelas categorias de base da seleção brasileira, e hoje são naturalizados e jogam nas seleções de outros países. Será que um dia não vai nascer um Robinho, um Kaká ou um Pelé, que logo aos 15 ou 16 anos vai embora do Brasil, sem ninguém nem ter idéia de quem ele é, e amanhã ele aparece em uma copa do mundo com a camisa de uma Dinamarca, de uma Noruega, de uma Suécia ou de um Irã? Quem sabe.

Esse é outro risco que corremos. Vendendo a granel essa quantidade absurda de atletas para o mundo, nós corremos o risco de entregar para outros mercados menos desenvolvidos no aspecto do futebol, jogadores que poderíamos segurar na nossa seleção e no nosso futebol.

CdoF – Na situação contemporânea, os atletas saem do país para conseguir independência financeira e/ ou porque os clubes precisam aliviar seus problemas financeiros. Este aspecto ocorre, em parte porque houve uma profissionalização administrativa na Europa, o que não aconteceu no Brasil. Aqui, em alguns casos ainda temos amadores administrando um ramo cada vez mais profissional como o futebol. O que fazer para que alcancemos o patamar europeu?
Amir Somoggi – Uma questão importante é deixar-se claro que executivos remunerados, que pensam 24h por dia os negócios do clube e que conhecem a fundo tudo o que pode abranger o negócio futebol são essenciais para a evolução do mercado brasileiro.

Algumas agremiações já têm no seu corpo diretivo profissionais com essas características, mas ainda é muito pouco se comparado com o que aconteceu no mercado europeu e norte-americano.

Obviamente que um dos motivos para que os clubes brasileiros tenham que vender cada vez mais cedo os seus atletas é a pressão financeira pela evolução econômica dessas agremiações. Para visualizarmos melhor esse cenário, em 2007, apenas os 21 clubes com maiores receitas do Brasil gastaram R$ 900 milhões na manutenção do seu departamento de futebol. No ano anterior, esse valor não chegou R$ 740 milhões. Portanto, de um ano para o outro, houve um acréscimo de mais de 20% nas despesas com o departamento de futebol.

Isso porque esses valores não se referem à despesa total desses clubes, a qual atingiu R$ 1,6 bilhão, enquanto que o faturamento deles foi de R$ 1,33 bilhões. Ou seja, há um déficit consolidado nas contas dos clubes.

Logo, tem-se um problema grande, que é o aumento das despesas. A manutenção do departamento de futebol dos clubes no Brasil, assim como no resto de mundo, é cada vez mais cara. Os jogadores querem ganhar mais, os clubes investem em estruturas de treinamento e de preparação, há custos inerentes a transporte e hospedagem que também impactam nas despesas totais, fazendo com que as agremiações tenham que equilibrar as suas finanças de alguma maneira, no caso, por meio da venda dos seus atletas.

Sendo assim, as disparidades entre os clubes europeus e os brasileiros estão diretamente ligadas à baixa execução e planejamento de novas estratégias para arrecadar mais e controlar custos. A tendência que se pode observar nos clubes brasileiros é que as despesas estão acompanhando a evolução das suas receitas, o que é muito perigoso.

Considerando que as receitas dependem muito da venda de atletas, naqueles anos em que os jogadores não conseguirem ser transferidos pelo valor que os clubes esperavam, por fatores como uma crise no mercado europeu, por exemplo, os déficits tendem a crescer assustadoramente.

Por isso, os clubes brasileiros têm que implementar não apenas a maximização das suas contas de receitas, mas uma série de controles na sua gestão, a fim de que haja uma otimização do investimento realizado, buscando o déficit zero.

CdoF – O Brasil irá sediar a Copa do Mundo de 2014. Qual é a realidade brasileira para receber um torneio dessa envergadura? O que falta arrumar e quais são os principais problemas? E as perspectivas de melhoria?
Amir Somoggi – Nós temos que analisar essa questão sobre vários aspectos. O primeiro deles refere-se não apenas ao futebol, mas ao país em si. Os dados, não só em copas do mundo, mas também em olimpíadas, comprovam que o menor investimento que deve ser feito por um país que irá sediar um evento dessa magnitude são os estádios. Essa é uma parte importante, mas não é a única.

Na Alemanha, o investimento em infra-estrutura urbana, ou seja, estradas, rodovias, rede hoteleira, entre outros ramos, representou quatro vezes mais do que o que foi investido pelo governo alemão em estádios. Isso também acontece em jogos olímpicos e deve ser pensado por quem vai investir no projeto estratégico da copa do mundo no Brasil.

O investimento que será feito deve visar o legado que o evento trará para o país, não apenas em termos econômicos e turísticos, mas também em termos sociais, para que haja uma melhora da condição de vida da população brasileira.

Há que se estudar os gargalos atuais (aeroportos, rede ferroviária, telecomunicações, energia, etc) para que, graças à copa, atraiam-se investimentos privados e públicos para essas áreas que são essenciais para o país.

Outra questão refere-se literalmente ao futebol do país. A realidade da Alemanha tem que ser novamente destacada, pois, além do investimento que foi feito nos estádios, houve uma preocupação do mercado alemão em desenvolver o seu negócio em torno das marcas dos clubes. Os dados da Bundesliga comprovam essa minha afirmação. Em 2004, a receita gerada pelos estádios alemães era de 236 milhões de euros, considerando-se a primeira e a segunda divisão (são 36 clubes). Esse volume atingiu, na temporada 2006-2007, 365 milhões de euros, isto é, 55% de evolução, em quatro anos. Isso quer dizer que o mercado alemão ingressou, nos últimos quatro anos, em um ritmo de 32 milhões de euros novos a cada ano.

Até a temporada 2005-2006, a primeira divisão do futebol alemão era a quarta liga em receitas geradas da Europa, e graças ao efeito positivo da copa do mundo, na temporada 2006-2007, a Bundesliga 1 (primeira divisão) já era a segunda liga mais importante do Velho Continente.

Fica claro como a copa do mundo foi positiva para o mercado alemão no que se refere aos estádios. Além disso, outras receitas como venda de produtos, cotas de patrocínios e direitos de transmissão cresceram assustadoramente, provando que a visibilidade que o mercado alemão teve e a sua importância no mercado global, graças à copa do mundo, foi positiva, ao ponto do mercado de futebol profissional da Alemanha passar de 1,2 bilhão de euros, em 2004, para mais de 1,75 bilhão, em 2007.

CdoF – A realização da Copa de 2014 no Brasil fez com que muito clubes decidissem reformar suas arenas para concorrerem a sedes de jogos das seleções. No entanto, o setor financeiro desses mesmos clubes sofre com enormes buracos. Quanto esses investimentos nos estádios pode contribuir ou prejudicar ainda mais as equipes?
Amir Somoggi – Os clubes brasileiros, hoje, estão debilitados financeiramente, e não têm condições de bancarem sozinhos esses projetos. Prova disso é que o boom que está acontecendo no Brasil mostra que o que está atraindo investimentos é a busca de parceiros que ajudariam os clubes a realizar as reformas e a construção de estádios.

O primeiro a fazer esse tipo de parceria foi o Palmeiras com a WTorre, depois veio o Grêmio, e há discussões em torno do São Paulo e de outros estádios que irão surgir no decorrer desse período.

Um estádio bem estruturado tem grandes condições de alavancar clubes de futebol. Isso é fato. Mas não é necessário que se realize uma copa do mundo para que isso aconteça. A Premier League é o mercado que mais gera receitas com estádios. Em 2006-2007, ela atingiu 802 milhões de euros, e a última copa do mundo realizada na Inglaterra foi em 1966.

Logo, não é porque acontecerá uma copa do mundo que tem que se construir estádios. A Inglaterra, sem sombra de dúvida, é o melhor exemplo disso. Os clubes ingleses investiram nos últimos 15 anos mais de 3 bilhões de euros em stadium facilities, que são melhorias no atendimento ao torcedor que vai aos estádios, com melhores serviços, lugares marcados, com jogadas de marketing possibilitando que eles consumam mais.

Em 1997, o ticket médio de consumo era da ordem de 25 euros por torcedor. Na temporada 2006-2007, esse valor foi de 60 euros por torcedor. Isso mostra como o profundo investimento na melhoria dos estádios impactou no mercado.

Em termos de Brasil, é importante que os clubes entendam que não adianta apenas investir milhões na construção de estádios. Um exemplo é o Engenhão, que custou R$ 250 milhões para os cofres públicos. No entanto, o seu percentual de ocupação, dependendo da competição, variou entre 12% e 13% a 40% e 45%. Ou seja, não é porque o estádio é novo que as pessoas o freqüentarão. Já o Atlético-PR tem uma ocupação da ordem de 40% no seu estádio, o qual é considerado o mais moderno do Brasil. O que deve ser pensado é qual será o projeto pós-copa que será executado e quais serão os projetos de marketing dos clubes para ganharem com a Copa no Brasil.

Um último dado interessante refere-se a quanto os clubes arrecadaram com a bilheteria nos seus jogos. A equipe brasileira que mais ganhou nesse quesito foi o Flamengo, que somou um montante de cerca R$ 14 milhões, em 2007. Em comparação com o Manchester United, o clube inglês teve uma arrecadação de 137 milhões de euros, só com bilheteria.

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Benê Lima