Ídolo da seleção e do Internacional aponta erros e acertos do futebol brasileiroGuilherme Yoshida / Universidade do FutebolCraque dentro de campo e ícone de uma geração que ficou marcada por praticar o futebol arte, Paulo Roberto Falcão busca agora marcar história também fora dos gramados.
Aos 59 anos, o ex-volante da seleção brasileira nas Copas do Mundo de 1982 e 1986, trocou uma carreira confortável de quase 20 anos como comentarista na TV Globo para apostar no desafio de voltar a ser técnico de futebol. Ele chegou a dirigir o Brasil no início dos anos 90.
E a atitude para comprovar que tem capacidade para atuar como comandante de um time se deve, principalmente, à convicção que tem na sua visão e no seu modo de pensar sobre o futebol.
"A capacitação profissional pode vir através de experiências, de convivências, de viagens de intercâmbio. O importante é o aprendizado. Eu, pelo menos, sempre que eu posso, eu viajo, vou para a Europa ver o que está acontecendo por lá. Quando estive na televisão, sempre conversei com treinadores. Então, hoje em dia, é extremamente fundamental saber o que está acontecendo", apontou Falcão, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol na última terça-feira.
O convívio entre os profissionais da imprensa esportiva no Brasil também fez o treinador ter a noção de quanto a mídia tem influência no processo do entendimento do público em geral e dos dirigentes dos clubes sobre as cobranças por resultados dentro de campo em um curto período de tempo.
No entanto, Falcão não descarta a culpa dos presidentes e diretores que atuam no futebol. Para ele, os executivos devem ter mais a noção de quem vão contratar para a função de treinador, para que não haja uma discordância dos métodos de trabalho no decorrer da temporada.
"É óbvio que, se depois de um tempo, não der resultado o time as mudanças são necessárias. Mas não depois de um ou dois meses. Você sente no dia a dia quando se precisa de uma mudança. Mas é complicado, hoje em dia rede social demite treinador. E isso acontece porque os diretores não têm a convicção do que fizeram", afirmou.
O "eterno" camisa 5 do Internacional, pelo qual sagrou-se tricampeão brasileiro como jogador em 1975, 1976 e 1979, e dono do famoso apelido de "rei de Roma", recebido na sua passagem pela Itália, também falou sobre categorias de base no futebol brasileiro, José Mourinho, e porque Lionel Messi é tão bom com e sem a bola.
Falcão, que também foi técnico do mesmo Inter, América do México, Bahia, e que agora está sem clube, ainda elogiou o trabalho de Mano Menezes à frente da seleção brasileira.
Confira a entrevista na íntegra:
Universidade do Futebol - No Brasil, cada vez mais se acirram as discussões acerca da capacitação profissional para exercer a função de técnico de futebol. De um lado, graduados em Educação Física prendem-se no conhecimento acadêmico para questionar treinadores que são ex-atletas profissionais da modalidade e, por sua vez, os ex-atletas justificam a experiência prática adquirida como indispensável para o exercício da profissão. Qual é a sua posição em relação a esta questão?
Falcão – Quando se usa o termo acirrar, que é correto o que você mencionou, já começa mal a história. Nós temos vários exemplos de grandes jornalistas que nunca fizeram o curso de jornalismo. Ou porque é pela experiência ou pela história adquirida dentro da própria profissão. Eu sou favorável à competência. Você tem casos de alguém que fez graduação disso ou daquilo e chega lá e não consegue resolver os problemas, como às vezes também há profissionais que são ex-atletas e que não conseguem ter um sucesso na profissão. O que não pode é isso interferir no mercado. Então, esse negócio de mercado não é legal. Às vezes tentou se fazer no futebol brasileiro casos como ‘times que têm história não podem cair para a segunda divisão’. Não pode ter isso. Então minha posição é muito clara em relação a isso. Tem de ter competência.
Universidade do Futebol – Mas, Falcão, não falta capacitação profissional aos treinadores no Brasil?
Falcão – Então, o que você chama de capacitação profissional? O futebol tem algumas leis próprias, diferentes de outras profissões. Então, essa capacitação pode vir através de experiências, de convivências, de viagens de intercâmbio. O importante é o aprendizado. Eu, pelo menos, sempre que eu posso, eu viajo, vou para a Europa ver o que está acontecendo por lá. Quando estive na televisão, sempre conversei com treinadores. Então hoje em dia é extremamente fundamental saber o que está acontecendo.
Para Falcão, uma boa capacitação profissional para a função de treinador pode vir através de experiências, de convivências e de viagens de intercâmbio
Universidade do Futebol – O tempo que se tem para mostrar resultado no futebol brasileiro é extremamente escasso. Como você vê sua atuação profissional diante desta questão que, aparentemente, não irá mudar?
Falcão – Acho que a grande força, em um momento como esse, é a imprensa. Acho que hoje [a mídia] tem de dar um pouco mais, não dá para ficar somente repercutindo. Temos de criar novas situações e não ficar só falando ‘aquele time perdeu dois ou três jogos’, querendo derrubar o treinador. Então, começa a se jogar isso e complica. E, claro, esta situação também passa por quem te contrata. O presidente ou diretor do clube, seja quem for, tem de ter a noção de quem ele está contratando. Na hora que você for contratar um profissional, tem de contratar com tempo, conversar com este profissional e extrair avaliações dele. Também é interessante ouvir pessoas que trabalharam com ele porque assim você saberá como este profissional trabalha, o que ele pensa. E, diante disso, ver se ele se encaixa no seu time. Se tudo agradar, faz-se o contrato independentemente dos torneios, porque daí se mantém o trabalho, você viu que ele tem competência. É óbvio que, se depois de um tempo, não der resultado o time as mudanças são necessárias. Mas não depois de um ou dois meses. Você sente no dia a dia quando se precisa de uma mudança. Mas é complicado, hoje em dia rede social demite treinador. E isso acontece porque os diretores não têm a convicção do que fizeram. É um monte de informações que fazem pressão na cabeça de um diretor ou de um presidente. Então são raros os que dizem 'não vai sair e ponto'. Atualmente, se vê pouco isso, um diretor falar ‘não vou trocar porque o profissional é competente’. É lamentável. Por isso, acho que a imprensa poderia ajudar mais nesse sentido de que o treinador fosse mantido. Até melhorou um pouco isso recentemente, mas ainda falta muito.
Ídolo no Internacional quando foi jogador nos anos 70, Falcão foi demitido do comando do time gaúcho após três derrotas consecutivas no Campeonato Brasileiro de 2011
Universidade do Futebol – Quais devem ser as condições de trabalho oferecidas para que você aceite um novo convite para trabalhar em um clube brasileiro?
Falcão – O que eu gostaria é de assumir um time depois que tudo estivesse definido, quem subiu, quem caiu, etc, para comandar desde o começo a preparação para o ano que vem. É muito raro você pegar um time em janeiro, fevereiro, porque aí sim você consegue fazer um trabalho legal visando toda a temporada. Depois disso, é difícil. O ideal é você pegar neste período, para ter tempo de projetar, montar a sua equipe, idealizar as tradições daquele time na sua maneira de jogar. Assim, você basicamente consegue traçar melhor os objetivos. Se pegarmos o exemplo do Palmeiras, caso não se mantenha na Série A, ele vai disputar a Libertadores e a Segunda Divisão do Nacional na próxima temporada. Então tem de se pensar bem antes, porque quando você monta um time, você tem de mandar gente embora ou, pelo menos, negociá-los. Vejo aqui no Brasil, a maioria das eleições presidenciais dos clubes acontecendo em dezembro ou em janeiro. E daí, como se faz? Vai contratar treinador depois, quando o elenco já estiver dentro das férias. Com este cenário, é difícil.
Universidade do Futebol – Em sua opinião, o que deve mudar no trabalho das categorias de base nos clubes brasileiros? De forma geral você acredita que o trabalho é bem feito, pelo menos nos grandes clubes?
Falcão – Você tem de ter grandes profissionais atuando nas categorias de base para que o atleta, quando chegue ao time de cima, tenha o mínimo de deficiências possíveis. Tem jogador que chega ao profissional que cabeceia mal, não bate bem para o gol, passa mal. Então, ali o trabalho tem de ser bem feito, porque teoricamente o jogador tem de se apresentar no elenco principal praticamente pronto. Temos que implantar também uma cultura tática nas categorias de base, o que não se faz muito atualmente. Trabalhar fundamentos também, orientação de posicionamento, mostrar o que é um ala, o que é um lateral. Além disso, o profissional que atua na base tem de ser, acima de tudo, um educador, pois é uma fase muito traumática para os jovens. Tem de ter uma preocupação com o ser humano, ter cuidados com essa pessoa. Até porque nem todos vão virar jogadores profissionais. Então é um setor que precisa de muito carinho e atenção. Mas temos de evoluir muito. Uma melhora acintosa que nós tivemos foi na preparação de goleiros. Há muitos anos que temos bons atletas que atuam nesta posição, que estão atuando no mundo inteiro. Isso se deve porque se colocaram profissionais competentes nas categorias de baixo. E isso repercutiu agora.
O profissional que atua nas categorias de base tem de ser, acima de tudo, um educador, pois é uma fase muito traumática para os jovens, diz Falcão
Universidade do Futebol – Você acha que os grandes clubes de futebol devem prospectar e selecionar jovens atletas para a sua base, conforme a filosofia de jogo da equipe principal? Você acha que esta diretriz deve ser seguida pelos clubes brasileiros?
Falcão – Não, não acho não. Não acho que você deva jogar com o mesmo esquema de jogo na base. Primeiro, porque você não consegue ter jogadores na base com as mesmas características do time de cima. O que eu acho que tem de se fazer, independente do esquema, é ter um conceito, que é mais importante que esquema. Por exemplo, quero um time que faça compactação, quero um time que jogue no 4-3-3, que o espaço entre as linhas seja o mesmo [na base e no profissional]. Isso sim, eu acho que você deve conscientizar e trabalhar a sua equipe nesse sentido. O conceito tem de ser igual. Eu sou favorável que o time da base seja preparado com um conceito do time principal. O Barcelona tem conceito. Não necessariamente o mesmo esquema de jogo. Porque já é difícil você ter um reserva com as mesmas características do titular, imagina você levar isso lá para a categoria sub-15.
Universidade do Futebol – Hoje em dia se discute muito a eficácia de se usar uma metodologia de treinamento que parta do modelo de jogo pretendido pelo treinador, ou seja, preparar a equipe (nos aspectos físicos, técnicos, táticos e até psicológicos) a partir das ações táticas, sem fragmentar muito os treinamentos. José Mourinho e André Villas Boas são dois treinadores que adotam esta metodologia. O que você acha dela?
Falcão – O trabalho do Mourinho, por exemplo, não prepara o time para o jogo do domingo. Ele prepara o time para o campeonato. E é o que eu gosto de fazer, não pensar só em time titular. Eventualmente, em uma sexta-feira ou no sábado, eu posso juntar um pouco mais para caracterizar mais [o time titular]. Mas, no geral, eu gosto de misturar; se eu tenho quatro volantes, não gosto de decretar dois titulares e dois reservas, eu misturo. Se eu jogo no 4-2-3-1, eu mesclo também. Porque eu acho que todos eles têm de saber o que vão fazer dentro de campo, para que, caso o atleta venha jogar, não tenha nenhuma dificuldade de adaptação. Então eu trabalho muito isso. Assim, os jogadores se sentem bem mais adaptados e treinados quando atuarem. Mas posso, de repente, mudar essa rotina para um jogo específico como uma semifinal ou final, um jogo importante, mas são situações esporádicas.
Falcão é ícone de uma geração que ficou marcada por praticar o futebol arte. Para ele, hoje em dia, há uma maior preocupação com o entendimento do jogo por parte dos atletas
Universidade do Futebol – O que você acha do jogador de futebol brasileiro atual em termos técnicos e de inteligência de jogo? O futebol mudou muito se comparado com a época em que você era jogador?
Falcão – Acho que comparado com a minha época, acredito que o jogador atual tenha de ter um pouco mais de cuidados táticos. Tem-se nos dias atuais a necessidade de um entendimento maior [do jogo], porque o importante é que ele entenda o que você [técnico] quer. Porque o treinador só vai ter condições de fazer as coisas se o jogador entender o que ele quer. Então, hoje em dia há uma preocupação maior com isso. É claro que você encontra, evidentemente, jogadores que tenham dificuldade de se adaptar a algum jogo, mas hoje o atleta já está mais preocupado com a função tática. Eu olho, às vezes, um jogo da Europa e vejo que eles estão mais atentos. Pelo menos eu tenho notado isso.
Universidade do Futebol – Como você trabalha a questão da liderança com seus atletas? Você considera que esta qualidade (de liderança) é inata ou pode ser desenvolvida com um trabalho adequado?
Falcão – Acho que ela é inata. Você aperfeiçoa evidentemente. Eu, por exemplo, fiz 16 anos de análise [psicológica], tanto tempo de divã e só parei agora recentemente que fui treinar o Bahia, porque não tinha como continuar fazendo. E isso me ajuda muito no meu trato diário, no meu trabalho na beira do gramado. Sou um profissional que gosta mais de observar do que ficar gritando toda hora. Claro, às vezes, é necessária uma interferência um pouco mais acentuada. Acho importante ter um auxiliar, que vê o jogo lá de cima [da arquibancada ou de alguma cabine] também para te dar uma orientação, já que ele consegue ver o jogo bem melhor. Isso também contribui para você criar um líder dentro do grupo, que possa repassar a tua voz de comando. Porque no dia do jogo, o treinador não está dentro das quatro linhas, ele está lá fora, longe. Então, é importante você ter atletas que o treinador possa repassar a sua voz de comando, para que haja uma orientação ou até uma cobrança sobre os demais daquilo que foi treinado. Mas tem uma coisa: quem faz um jogador líder é o próprio grupo. Você sente quem é o mais respeitado entre eles. Porém, o ideal é que você tenha vários líderes. Há vários tipos de lideranças, tem aquele jogador que fala muito, ou aquele que é um líder fleumático, que fala pouco mas quando chega as pessoas sentem a sua presença, tem aquele líder técnico, tem aquele outro pelo esforço, que corre e se dedica mais, enfim. E outra, é bom você também ter líderes entre aqueles que não estão jogando no momento.
Ao lado de Toninho Cerezo e Zico, Falcão participou de duas Copas do Mundo pela seleção brasileira. Para ele, Brasil sempre estará entre os favoritos devido à tradição no esporte
Universidade do Futebol – Você considera que o futebol brasileiro ainda seja o melhor do mundo como muitos apregoam? Em que somos melhores e em que somos piores? Temos chances de melhorar até 2014? Como?
Falcão – Difícil falar hoje quem é o melhor futebol. Acho que nós sempre estamos entre os melhores. É claro que temos momentos melhores e piores. Mas, por exemplo, você vê a Bélgica, que de repente está com uma safra boa, e de repente fica quatro ou cinco anos sumida. Agora, países como Itália, Alemanha, Brasil, Argentina, vão sempre estar disputando alguma coisa. Porque isso é tradição. Se me perguntarem, por exemplo, quem será o favorito em 2022, eu vou dizer Brasil, Argentina, Itália, Alemanha, mesmo sem saber quem estará jogando por estas seleções. Acho que nós só não estamos na frente dos outros, estamos no mesmo patamar. E quando falo isso, falo em relação a clubes brasileiros e seleção. Mas nós estamos sempre entre os principais. Agora, eu gosto do trabalho do Mano Menezes. Acredito que na Copa das Confederações, em 2013, nós já vamos ter um time, na concepção da palavra. Já estamos caminhando para isso.
O treinador avalia que o grande diferencial do Barcelona, de Lionel Messi, é o comportamento da equipe catalã quando não se tem a posse de bola
Universidade do Futebol – Muito se discutiu quem era melhor, Neymar ou Messi. E você, em uma entrevista há algum tempo, afirmou, entre outras coisas, que a grande diferença entre ambos era que o meia do Barcelona também jogava sem a bola. Baseado nisso, você acredita que a principal dificuldade atual para quem trabalha na área do treinamento é como gerar um comportamento no jogador brasileiro para que ele participe de uma forma efetiva de todos os momentos da partida?
Falcão – Eu vejo as pessoas muitas vezes falando 'a defesa tal é a mais vazada do campeonato'. Mas não é verdade, o mais vazado é o time. Porque a defesa começa na frente; se você tem um ataque que saiba fechar espaços, marcar, você facilita o trabalho do meio de campo e, por consequência, contribui na atuação da defesa. Também falam 'aquele ataque é o mais positivo', mas não é o ataque, é o time inteiro, porque tem um lateral que cruza bem, tem um zagueiro que vai lá cabecear na grande área adversária e chama a atenção da defesa, deixando o centroavante livre para marcar. Mas comparações sempre são ruins. O Messi é extraordinário e o Neymar também. É que o Messi, no Barcelona, tem uma marcação diferente, na qual o faz roubar muita bola. Se não rouba ele aperta o adversário e até falta faz. Então isso é marcante, pois com a bola o Messi é fantástico. Mas sem a bola, ele também ajuda e é muito bom jogador sem a bola. E o segredo do time catalão, no meu modo de ver, é exatamente isso. Eu vejo as pessoas falando da posse de bola, que é muito boa evidentemente, mas o grande diferencial do Barcelona é quando ele não tem a bola. Mas é difícil. Você tem, às vezes, que somente fazer estes jogadores de muita qualidade, sem a bola, se posicionar em um determinado lugar do campo que ajude a compactação do time. Tem de fazê-lo participar, pois não é porque a bola está com o adversário que eu vou me defender com apenas 10 atletas.
Sinopse
"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."
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sábado, novembro 03, 2012
Paulo Roberto Falcão, ex-atleta e treinador
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Benê Lima