Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, setembro 06, 2013

Crise Instalada e Crise Provocada: a imagem desgastada da CBF

Entidade precisa buscar caminhos eficazes para minimizar os prejuízos decorrentes da imagem negativa que possui

Christiane Bara Paschoalino* e Márcio de Oliveira Guerra**

CBF crise

Resumo

Atualmente, a preocupação com a imagem organizacional tornou-se sinônimo de sobrevivência para as empresas. Vivemos um momento em que as tecnologias da informação, devido ao alto grau de sofisticação e desenvolvimento, destruíram as fronteiras entre tempo e espaço permitindo que as notícias circulem livremente e se propaguem instantaneamente.

O objetivo deste trabalho é analisar o desgaste da imagem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Além disso, pretende-se discutir a necessidade das organizações estarem preparadas para lidarem com as crises inesperadas.

Esse tema será debatido a partir de uma declaração feita por Luiz Felipe Scolari durante um evento preparado para a oficialização de seu nome como novo técnico da seleção.

Introdução

O ritmo desenfreado do desenvolvimento das tecnologias de comunicação, principalmente com a proliferação do uso da internet, abriu as portas para a globalização, criando um novo mundo, sem fronteiras e desterritorializado. As previsões vanguardistas de McLuhan, na década de 60, estão se concretizando “a todo vapor”.

O autor cunhou a expressão “aldeia global” para transmitir a ideia de que, com o progresso tecnológico, as vidas de bilhões de pessoas mesclariam-se em um acontecimento simultâneo fazendo com que o tempo e o espaço desaparecessem. Parece que é isso que estamos vivendo hoje, na pós-modernidade:

O mercado, cada vez mais dinâmico, leva as empresas a buscarem vantagens competitivas para se destacarem frente a seus concorrentes. Portanto, as organizações que conseguem manter uma imagem sólida e positiva perante os seus públicos - interno e externo - são as que têm mais chances de sobreviver no mercado.

Todas as empresas, sejam elas públicas, privadas ou do terceiro setor, estão sujeitas a imprevistos. Crises podem ser deflagradas a qualquer momento. O importante é saber administrá-las para que não afetem negativamente a imagem e a credibilidade da empresa.

As tecnologias da informação possibilitam que as notícias transitem com uma velocidade impressionante, por isso, quanto mais rápidas forem as ações para se debelar a crise, mais resguardada ficará a imagem da organização.

Para demonstrar que nos dias de hoje a imagem é uma questão de "vida ou morte" para as empresas, pretende-se analisar, por meio deste trabalho, os principais motivos que levaram a CBF a perder sua credibilidade. Além disso, propõe o debate sobre a importância das organizações estarem preparadas para lidar com situações imprevistas.

Para abordar o assunto, um "estudo de caso" será utilizado como evidência de que uma declaração inesperada pode transformar em crise um evento planejado para recuperar ou consolidar a imagem de uma empresa. Foi o que aconteceu durante uma entrevista coletiva organizada para a apresentação de Luiz Felipe Scolari como novo técnico da seleção brasileira. Este exemplo servirá também como modelo para se discutir quais são as melhores estratégias para o gerenciamento de uma crise inesperada.

Imagem é tudo

O cuidado e a preservação da imagem não é apenas um modismo criado no século XX. Em seu livro, "O Príncipe", escrito em 1513, o filósofo e historiador italiano Maquiavel discorre sobre como deveria ser a forma de governo dos reis e príncipes para que obtivessem uma "imagem" positiva diante de seus súditos, da própria corte e de outros reinos.

Atualmente, com a natureza altamente competitiva do mercado, a preocupação com a imagem tornou-se um aspecto imprescindível. A empresa que sabe administrar cuidadosamente sua imagem consegue permanecer na mente de seus diversos públicos e, em consequência, obtém vantagens competitivas perante os concorrentes.

Apesar de este artigo tratar da importância da "imagem", é fundamental abordar o tema "identidade" organizacional, dois conceitos diferentes, embora interligados, porém, muitas vezes, utilizados indistintamente. Torquato (1986, p. 97) explica que "por identidade deve-se entender a soma das maneiras que uma organização escolhe para identificar-se perante seus públicos. Imagem, por outro lado é a percepção da organização por aqueles públicos."

Em consonância, Paul Argenti (2006, p. 80-81) afirma que "a imagem é o reflexo da identidade de uma organização sob o ponto de vista de seus públicos". Segundo ele, "a identidade é a manifestação visual de sua identidade, conforme transmitida através do nome, logomarca, lema, produtos [...] criados pela organização e comunicados a uma grande variedade de públicos".

Para Margarida Kunsch (2003, p.172), "a identidade corporativa reflete e projeta a real personalidade da organização. É a manifestação tangível, o auto-retrato da organização ou a soma total de seus atributos, sua comunicação, suas expressões, etc."

Colnago (2007) explica que a comunicação, devido ao seu intenso poder persuasivo e disseminador, é a responsável pela criação de imagens subjetivas no imaginário coletivo. A autora recorre a Alan White (1990) para fazer uma correlação entre imagem, identidade e comunicação. Enquanto a identidade corporativa é a "acumulação da história de uma empresa e suas estratégias, as quais evoluíram gradualmente ao longo do tempo", a imagem institucional é "o quadro mental que as audiências de uma empresa fazem dela" e a comunicação organizacional é "o processo que traduz a identidade corporativa em imagem corporativa". 

Brandt e Johnson (1997) apresentam um quadro com as principais diferenças entre imagem e identidade:

IMAGEM

IDENTIDADE

Aparência

Esssência

Ponto de vista dos receptores

Ponto de vista dos emissores

Passiva

Ativa

Reflete qualidades superficiais

Reflete qualidades duradouras

Visão retrospectiva

Visão voltada para o futuro

Tática

Estratégica

Associações existentes

Associações que se quer construir

Voltando ao assunto principal desse estudo, Bueno (2007) esclarece que a "imagem corporativa é a representação mental de uma organização construída por um indivíduo ou grupo a partir de percepções e experiências concretas (os chamados "momentos de verdade"), informações e influências recebidas de terceiros ou da mídia."

O autor acrescenta que é por isso que uma mesma organização pode ter várias imagens ao mesmo tempo:

[...] é justo e apropriado admitir que uma organização, quase sempre, tem várias imagens porque as experiências, vivências, informações que uma pessoa ou grupo associa a uma organização são múltiplas, distintas, particulares e, às vezes, absolutamente contraditórias. (BUENO, 2007, p. 131).

Corrado (1994, p. 136) partilha da mesma opinião de Bueno (2007) ao afirmar que as organizações são "complexas, ambíguas e paradoxais" e que "qualquer abordagem realista de análise organizacional deve ser iniciada a partir da premissa de que organizações podem ser muitas ao mesmo tempo."

Brandão e Carvalho (2003, p. 190-191) destacam que, atualmente, existe uma supervalorização da imagem empresarial, mas, apesar disso, "os autores em geral consignam que imagem é o grande patrimônio da empresa, algo que possui um valor superior até aos produtos ou serviços que ela oferece no mercado."

Ou seja, hoje, a imagem de uma organização é um valioso ativo intangível e, segundo os referidos autores, "transforma-se em uma aura que recobre toda a empresa e exala seus valores, seus princípios, sua filosofia - enfim, tudo aquilo em que é preciso crer para ver."

Os autores recorrem a Neves para reforçar a importância da imagem de uma entidade:

[...] é o resultado do balanço entre as percepções positivas e negativas que esta organização passa para um determinado público. Mas, se na vida em geral a boa imagem ajuda muito [...] no business ela não é suficiente. A imagem não basta ser boa, tem que ser competitiva. (NEVES, 1998, p.64).

Fundada em 24 de setembro de 1979, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é a entidade máxima desse esporte no Brasil. De 1919 até então, era a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) que cuidava não apenas do futebol, mas de todos os esportes no país.

O empresário Ricardo Teixeira tomou posse como presidente da CBF em 1989 chegando ao poder graças ao antigo sogro, e então presidente da Fifa, João Havelange, e foi o dirigente que ocupou o cargo por mais tempo, 23 anos consecutivos.

Sua gestão foi marcada por algumas conquistas, mas, principalmente e acima de tudo, por denúncias de corrupção, o que gerou uma crise na imagem da entidade:

[...] foi o período em que mais jogadores brasileiros foram vendidos ao exterior e em que a maioria dos clubes desenvolveu dependência praticamente absoluta aos desígnios da CBF e ao dinheiro pago pela TV. Além disso, Teixeira envolveu-se em diversos escândalos administrativos, sobretudo em relação a contratos de publicidade obscuros. A esse propósito, formou no Congresso a chamada "bancada da bola", integrada por parlamentares que eram a "tropa de choque" dos interesses da CBF. Foi essa bancada que esvaziou as tentativas de investigar as suspeitas sobre os contratos. (GUTERMAN, 2009, p.233).

O inventário de denúncias dos atos ilícitos praticados por Ricardo Teixeira é tão extenso quanto sua permanência no cargo de presidente da CBF. Em 1994, no retorno ao Brasil, após a conquista do tetracampeonato nos Estados Unidos, foi acusado de ter comprado equipamentos para serem instalados no bar "El Turf", do qual era sócio.

Em 2001, depôs na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada na Câmara dos Deputados para investigar denúncias de irregularidades em um contrato milionário realizado entre a CBF e a Nike. Em outra CPI, do Senado Federal, o presidente da Confederação foi acusado por apropriação indébita dos recursos da entidade, de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, dentre outros crimes.

Em 29 de novembro de 2010, no programa "Panorama" , da BBC, o jornalista investigativo Andrew Jennings denunciou as propinas recebidas por Ricardo Teixeira e João Havelange para garantir à ISL, maior empresa de marketing esportivo do mundo, contratos de exclusividade em patrocínios de Copas do Mundo. Essa denúncia contra Teixeira foi a que causou maior repercussão na mídia. No dia 26/10/2011, Jennings participou de uma audiência pública no Senado Federal e, segundo ele, "a atuação de Ricardo Teixeira é uma vergonha para o Brasil e o País precisa passar uma imagem de competência na organização mundial." 

As denúncias contra Ricardo Teixeira mancharam a imagem da CBF e do futebol brasileiro. O cartola, até então o homem mais poderoso do futebol brasileiro, sentiu-se pressionado e depois de exatos 23 anos e 56 dias no comando da entidade, no dia 12 de março de 2012, escreveu uma carta renunciando ao cargo.

A oficialização da renúncia foi feita por José Maria Marin, ex-governador de São Paulo e ex-vice da entidade, que, a partir desse momento, assumiria a presidência da CBF. Em um dos trechos da carta, lida por Marin, Ricardo Teixeira vangloriou-se das conquistas do futebol brasileiro e se mostrou indignado com as acusações feitas contra ele:

"Hoje, deixo definitivamente a presidência da CBF com a sensação do dever cumprido. Não há sequência de ataques injustos que se rivalizem à felicidade de ver, no rosto dos brasileiros, a alegria da conquista de mais de 100 títulos, entre os quais duas Copas do Mundo, cinco Copas América e três Copas das Confederações. Nada maculará o que foi construído com sacrifício, renúncia e dor". (Trecho da carta de renúncia de Ricardo Teixeira, 12/03/2012).

Pode-se inferir, no trecho reproduzido da carta, que Teixeira tentou reverter sua imagem de "vilão" para "herói". Quando afirmou que "nada maculará o que foi construído com sacrifício", cometeu um grave equívoco, pois a imagem da CBF foi sim, e muito, denegrida.

Em uma crônica publicada no jornal Folha de São Paulo, o jornalista Juca Kfouri referiu-se à CBF como "Casa Bandida do Futebol" e comemorou a renúncia do cartola:

"Ponha-se no lugar de um jornalista corintiano que durante 23 anos denunciou a gestão de Ricardo Teixeira na CBF e, neste ano, o viu renunciar [...]. A queda do cartola foi daquelas que fazem bem a todos, até aos que não dão pelota ao futebol." (Juca Kfouri, Folha de São Paulo, 24/12/2012).

Talvez devido ao seu "trânsito" livre e prestígio em Brasília, Ricardo Teixeira nunca tenha se preocupado muito com a questão de imagem. Acabou, sim, renunciando, mas, possivelmente por achar que tenha realmente "cumprido seu dever".

Para se livrar das injustiças que lhe foram conferidas, o "imaculado" cartola autoexilou-se nos Estados Unidos onde atualmente vive em uma mansão localizada em um condomínio de alto luxo na Flórida.

Mas, e a CBF? Às vésperas de o Brasil sediar o maior evento de futebol do mundo, será que vai conseguir descontruir ou (re)construir sua imagem para, posteriormente, consolidá-la positivamente frente a milhões de brasileiros apaixonados pelo esporte?

Além do desgaste da imagem de Ricardo Teixeira, outros acontecimentos afetaram negativamente a credibidade da CBF. O fracasso da atuação da seleção brasileira na Copa da África do Sul, em 2010, sob o desastroso comando de Dunga, desencadeou inúmeras crises que não cabe aqui enumerá-las.

A escolha de Mano Menezes, em julho de 2010, para assumir o posto de técnico da Seleção, gerou muitas controvérsias. Os problemas se agravaram ainda mais por conta das convocações sempre polêmicas e dos péssimos resultados da equipe dentro de campo.

Outro motivo que tem contribuído para o desgaste da imagem da CBF é a prevalência dos interesses dos patrocinadores da Seleção Brasileira, pois são eles que comandam o calendário dos jogos e determinam os locais das partidas. Com isso, os jogos do Brasil, em sua maioria, passaram a ser disputados em campos internacionais, longe do olhar dos torcedores. 

A estratégia utilizada pela CBF para dar início ao processo de recuperação de sua imagem foi trazer de volta dois ícones do futebol brasileiro: Luiz Felipe Scolari, pentacampeão em 2002, e Carlos Alberto Parreira, tetracampeão em 1994, ambos com expressiva aceitação popular.

A CBF preparou um grande evento para formalizar a volta da dupla durante uma entrevista coletiva que seria mais uma celebração do que um encontro com a mídia. Todos os cuidados foram tomados para que o evento contribuísse para o fortalecimento da imagem da entidade, mas os organizadores não contavam com um grande imprevisto que acabou sendo o foco dos holofotes.

E o inesperado aconteceu...

A entrevista aconteceu na manhã do dia 29 de novembro de 2012, em um hotel na cidade do Rio de Janeiro. No evento, Scolari seria oficialmente apresentado como o novo técnico da Seleção Brasileira - no lugar de Mano Menezes - e Parreira como coordenador da equipe.

Felipão, como é chamado pelos torcedores brasileiros, conseguiu criar polêmica em sua primeira aparição pública como comandante da seleção. Quando perguntado sobre a pressão que os jogadores enfrentarão na Copa de 2014, respondeu que "se não tiver pressão quem joga futebol, então é melhor ir trabalhar no Banco do Brasil, ali na esquina ou senta lá num escritório e não faz nada". 

O comentário não apenas afetou a imagem do próprio técnico e da CBF, mas principalmente, a do Banco do Brasil, causando constrangimento à instituição, seus funcionários e toda classe bancária.

A repercussão foi imediata e se propagou por todos os meios de comunicação, sobretudo nas redes sociais. No mesmo dia, o Banco do Brasil, que é concorrente de um dos principais patrocinadores da seleção de futebol - o banco Itaú - por meio de sua assessoria de imprensa, divulgou uma nota de repúdio lamentando a declaração de Scolari:

“O Banco do Brasil, junto com todo o povo brasileiro, deseja boa sorte ao técnico Luiz Felipe Scolari em seu novo desafio à frente da Seleção, e torce para que as grandes conquistas do vôlei brasileiro, patrocinado pelo BB há mais de 20 anos, inspirem o trabalho da seleção. Entretanto, o Banco do Brasil lamenta o comentário infeliz do técnico Luis Felipe Scolari e afirma que se orgulha por contar com 116 mil funcionários que todos os dias vestem a camisa do Banco, com as cores do Brasil, e trabalham com dedicação e compromisso para atender com excelência às necessidades de nossos clientes e do nosso País. Para a família BB, planejamento, respeito e organização são os segredos para uma estratégia de sucesso que transforma a pressão do dia-a-dia em motivação para as conquistas e para o apoio ao desenvolvimento do Brasil."

A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) também emitiu um comunicado de protesto contra os comentários do técnico. A nota, com um "tom" bem menos cordial que o do Banco do Brasil, foi assinada por Carlos Cordeiro, presidente da entidade:

"A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) repudia a declaração do técnico Luis Felipe Scolari sobre o trabalho dos bancários do Banco do Brasil, feita na entrevista coletiva desta quinta-feira 29, no Rio de Janeiro, ao reassumir o posto de treinador da Seleção Brasileira. Ao afirmar que, "se não tiver pressão, vai trabalhar no Banco do Brasil, senta no escritório e não faz nada", Felipão não apenas desrespeita os trabalhadores bancários, como demonstra total desconhecimento sobre a realidade do trabalho no sistema financeiro nacional. Cerca de 1.200 bancários são afastados do trabalho mensalmente, por razões de saúde, vítimas do assédio moral e da pressão violenta para que cumpram as metas abusivas de produção e vendas impostas pelas instituições financeiras, inclusive o Banco do Brasil. Luis Felipe Scolari começou mal como novo técnico da seleção brasileira. Esperamos que ele não esteja tão desatualizado sobre futebol quanto está sobre as relações de trabalho nos bancos."

A Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (ANABB) também não "deixou barato". A diretoria executiva da entidade publicou uma nota de indignação à declaração de Felipe Scolari:

[...] Ao afirmar que "se não quer pressão, vai trabalhar no Banco do Brasil", o Sr. Scolari não ofende apenas os funcionários do BB, mas atinge todos os brasileiros que, em última análise, são sócios da empresa de economia mista. [...] Graças à garra e à competência de seus 116 mil empregados, o Banco do Brasil apresenta resultados invejáveis ao longo de muitos anos. [...] Com salários infinitamente menores que os do Sr. Scolari e sofrendo pressões de toda ordem, os funcionários do BB, incluindo os seus aposentados, torcem para que a seleção brasileira de futebol volte a conseguir resultados tão bons quanto os conquistados pelo Banco do Brasil e pelas seleções que o BB patrocina.

Esperando que o sr. Scolari tenha a dignidade de se retratar da preconceituosa declaração, a ANABB lembra que a pressão que sofre um funcionário do Banco do Brasil jamais permitiria que, no mesmo ano, ele levasse uma agência a ser rebaixada de nível e ganhasse, como prêmio, um cargo numa agência de nível mais elevado.

Qual foi o papel da assessoria de imprensa da CBF para apagar este "incêndio"? A assessoria da entidade não se manifestou sobre a polêmica. Após a coletiva, às 12h32min, publicou em seu site uma matéria sob o título "Dupla mostra sintonia no desafio de dar ao Brasil o hexacampeonato em 2014" ignorando completamente o assunto. Dois dias depois (01/12/2012), publicou a notícia "Felipão considera grupo equilibrado e bom para avaliar potencial da seleção brasileira", que também não fez nenhuma alusão à polêmica criada pelo novo líder da seleção.

Talvez, por uma questão estratégica, a assessoria tenha atribuído a Scolari a missão de se desculpar publicamente para minimizar o impacto da crise gerada por sua declaração. Tejon, Panzarani e Megido (2010) explicam que "não são as evidências que são difíceis de ser vistas. Ao contrário, o drama é não querer ver, ou se negar a enxergar o que se está vendo, de maneira insensata."

Portanto, o próprio treinador teve a responsabilidade de assumir o problema. Foi ele quem entrou pessoalmente em contato com o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, para se retratar do "mal-estar" causado por sua declaração, alegando que não teve a intenção de ofender a empresa, tampouco seus funcionários e a classe bancária.

O presidente do Banco do Brasil foi quem revelou, em nota oficial, o pedido de desculpas do técnico. Segundo Bendine, durante a conversa, Felipe Scolari disse que tudo não passou de uma "má colocação". Em tom amistoso, o presidente afirmou que "o episódio estava superado e garantiu o apoio dos funcionários do banco: "você vai ter aqui uma família de 116 mil pessoas que estará torcendo pelo seu trabalho, que você seja muito feliz nessa nova empreitada e que traga de volta aquela alegria que você nos deu em 2002".

No dia seguinte (30/11/2012) ao "incidente", o novo técnico da seleção, mesmo sem ter sido questionado, voltou a se desculpar publicamente durante entrevista coletiva concedida no Anhembi, em São Paulo, durante um evento que antecedeu o sorteio dos grupos da Copa das Confederações de 2013.

"Já conversei com o presidente do banco, pedi as desculpas necessárias. Foram muito bem aceitas. Peço então desculpas publicamente à classe que eu não tive intenção de ofender, até porque trabalho há 30 anos com esse banco".

A crise chegou. E agora?

Imprevistos ocorrem, mas podem gerar danos à imagem da instituição, por mais organizada que ela seja. Segundo Bueno (2007, p. 124), uma crise nem sempre pode ser prevista, mas, "ao ser desencadeada, desestrutura, ainda que temporariamente, a espinha dorsal das organizações e (e isso é importante para os comunicadores) pode comprometer a sua imagem ou a sua reputação."

De acordo com o referido autor, qualquer tipo de crise tem sempre um grande potencial de prejudicar a credibilidade da organização, porém, "se torna mais dramática quando a imprensa entra em cena". (2007, p. 127-129). Sendo assim, no caso da declaração do técnico Felipe Scolari, pode-se dizer que a crise foi uma "calamidade", pois a imprensa já estava em cena, por se tratar de uma entrevista coletiva. 

Com o crescimento acelerado da utilização das tecnologias, principalmente por intermédio da Internet, as organizações tornaram-se cada vez mais vulneráveis devido ao intenso fluxo de informações e a quase incomensurável velocidade com que elas transitam pelos quatro cantos do planeta. Antes era possível "contornar" uma situação de crise com mais tranquilidade.

Atualmente, porém, "quando cai na rede, uma informação se multiplica, ganha novas interpretações e adendos, à mercê do interesse dos interlocutores" (Bueno, 2003) e se faz "eletronicamente eternizada" na rede mundial de computadores. Esse efeito multiplicador instantâneo, proporcionado pela Internet, permite que uma notícia seja transmitida e replicada como uma verdadeira epidemia.

Corrado (1994, p. 177) também analisa as mudanças ocorridas no mundo, agora "refém" de uma aceleração tecnológica contínua, e explica que "quando a tecnologia redefiniu o tempo e o espaço, as comunicações de crise passaram a ser importantes". Forni (2003) concorda com a afirmação do autor e comenta sobre as consequências do desenvolvimento tecnológico na forma de transmissão das notícias:

No passado, quando um fato negativo afetava alguém, existia uma grande defasagem de tempo até que o público tomasse conhecimento e o mercado reagisse. Isso acabou. O ambiente de difusão das notícias está mudando rapidamente. Além da amplitude de alcance, existe uma enorme diversidade de canais, mídias e interlocutores. (FORNI, 2003, p. 367).

As crises podem deixar muitas sequelas, sendo a maior delas o desgaste da imagem da organização e consequente perda de credibilidade. Uma imagem positiva pode levar anos para se construída, mas basta uma frase "mal colocada" (conforme alegou Scolari em relação à sua declaração), uma acusação (no caso da CBF, várias) para destruir anos e anos de trabalho.

Reverter esse quadro e partir para a (re)construção da imagem constitui-se em um dos mais árduos desafios enfrentados pela organização. E, quando o assunto é futebol, o trabalho fica ainda mais difícil, pois são milhares de brasileiros "de olho" em todos os acontecimentos que giram em torno do esporte.

O americano Rick Amme , consultor e especialista em gestão de crises, desenvolveu um roteiro, com "os 10 princípios da comunicação de crise" , para ser utilizado em situações de crise. Aqui, serão apresentados apenas os quatro primeiros passos, considerados pelo consultor como "obrigatórios":

1. Cuide das vítimas ou supostas vítimas (a vítima é onde a história está):

"Os repórteres focam no 'anormal', e a presença de vítimas ou supostas vítimas sinaliza que algo está errado. Elimine as dúvidas e preocupações dessas pessoas e elas não serão mais vítimas.”

- Conforme já mencionado anteriormente, a gestão da crise ficou a cargo de Luiz Felipe Scolari, que acabara de assumir o cargo de técnico da seleção brasileira. Houve vítimas? Sim, o Banco do Brasil, seus 116 mil funcionários e toda a classe bancária. Ao fazer a declaração, durante a entrevista coletiva, Felipe Scolari denegriu a imagem das "vítimas". O erro do técnico foi não ter se manifestado prontamente.

2. Resolva o problema (quando você aprendeu sobre isso e o que você fez sobre ele?):

"As pessoas querem saber que tão logo você tomou conhecimento que algo estava errado, você agiu. Determine se há um problema fundamental e corrija-o. Não resolvido, o problema permanece como um câncer no coração de tudo o que você faz, minando seus outros esforços e, talvez, deixando-o de forma pior do que você estava no início."

- Scolari só "entrou em campo" depois que a repercussões mostraram-se intensas. A notícia foi divulgada por todos os meios de comunicação e se multiplicou na Internet, principalmente nas redes sociais. O pedido de desculpas só aconteceu depois da divulgação das notas de repúdio pelas partes ofendidas.

3. Notifique os stakeholders – e, geralmente, não através dos meios de comunicação:

"Tenha no radar todos os que precisam tomar conhecimento da crise - sejam funcionários, acionistas, investidores, reguladores, políticos, vizinhos, autoridades, etc. Deixe-os ter acesso à informação (e ao que você está fazendo sobre isso) a partir de você mesmo e eles irão ficar agradecidos por isso."

- Bueno (2007) afirma que a crise "se torna mais dramática quando a imprensa entra em cena". Neste caso, como se tratava de uma entrevista coletiva, o problema foi ainda maior, pois a imprensa estava presente no local justamente no momento em que a crise se desencadeou. Portanto, Scolari não precisou notificar nenhum stakeholder, o próprio presidente da CBF estava lá, sentado ao seu lado.

4. Aja rápido para conhecer a situação (responder na primeira história, se possível):

Repórteres se ligam na percepção deles do que está acontecendo, à medida que reunirem fatos. Se eles não conhecem sua posição a respeito da crise, até o último minuto, então, sua resposta geralmente terá um impacto muito menor sobre a versão da história. Por isso, forneça as informações tão rápido quanto razoavelmente você puder. Você não quer que o público comece a julgá-lo numa crise, sem a "defesa".

- Atualmente, é impossível desconhecer a força das tecnologias de comunicação, principalmente das redes sociais. Por isso, reiterando o que já foi sugerido nos "passos 1 e 2", Scolari deveria ter se pronunciado a respeito do problema antes que a notícia se propagasse em todos os meios de comunicação e tomasse proporções ainda maiores. A assessoria da CBF deveria ter intercedido, ainda durante o evento, para contornar o mal-estar. Assim, poderia evitar ou, pelo menos, minimizar a indignação das partes ofendidas. Segundo Bauman (2000, p. 189) "é a cooperação que transforma os esforços diversos e dispersos em esforços produtivos."

Considerações finais

Vivemos em uma era de mudanças contínuas, tão rápidas que impressionam os mais céticos dos seres humanos. A globalização é uma realidade. As fronteiras entre tempo e espaço desapareceram do mapa. Não podemos mais ignorar o poder das tecnologias da informação, que se desenvolvem à velocidade da luz.

Hoje, qualquer empresa - seja ela pública, privada ou do terceiro setor - precisa lutar, buscar formas de obter vantagens competitivas para se manter no mercado. Ter uma boa imagem não é mais um "luxo" para as organizações, agora, é uma questão de sobrevivência. Portanto, a empresa que não cuidar da sua imagem estará fadada ao fracasso.

Este estudo baseou-se na análise da imagem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), entidade que comanda os destinos do futebol no Brasil e, também, da crise gerada por Luiz Felipe Scolari durante sua primeira entrevista coletiva como técnico da seleção.

Em relação à CBF, é incontestável que a imagem da instituição encontra-se "em baixa" graças a Ricardo Teixeira que, nos intermináveis 23 anos como presidente, foi - e ainda é - alvo de inúmeras denúncias de corrupção e outros atos ilícitos.

Descontruir ou (re)construir a imagem da entidade para depois consolidá-la positivamente no imaginário coletivo será uma missão difícil para a CBF, mas não impossível. A entidade tem uma grande oportunidade de (re)conquistar a credibilidade do público: a Copa do Mundo de 2014 que será realizada no Brasil. O trabalho será árduo e o tempo curto, portanto, os profissionais de comunicação são os mais indicados para mediarem esse processo de reconstrução da imagem da entidade.

No que concerne ao episódio protagonizado por Scolari, ficou evidente que situações inesperadas acontecem e podem comprometer os objetivos de um evento. Quanto a Felipão, espera-se que ele tenha aprendido com os erros.

Em ocasiões futuras, caso não consiga controlar sua "língua afiada", terá que saber como se comportar em situações de crise. Agir o mais rápido possível antes que o problema tome proporções incontroláveis; ter em mente que se desculpar imediatamente não é apenas uma questão de humildade, mas de evitar que as partes ofendidas tomem medidas que prejudiquem a imagem do profissional e da instituição.

Com a utilização cada vez mais intensa da Internet, em especial das redes sociais, as notícias se propagam quase que instantaneamente e se perpetuam na rede mundial de computadores, daí a necessidade de ser ágil nas decisões para controlar a crise.

Enquanto a CBF não buscar caminhos eficazes para minimizar os prejuízos decorrentes da imagem negativa que possui perante milhões de brasileiros e diante de outros países, o vínculo do torcedor, principalmente com a seleção brasileira, vai se deteriorar cada vez mais.

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* Mestranda em Comunicação pela UFJF; Master of Business Administration/Marketing (American University - Washington, DC). Especialista em Marketing pela UNA/Belo Horizonte. Graduada em Comunicação Social pela UFJF e em Administração pela Fundação Educacional Machado Sobrinho/Juiz de Fora. Professora do Curso de Graduação em Administração das Faculdades Integradas Vianna Júnior/Certificação Fundação Getúlio Vargas (FGV). Email: chrica@gmail.com

** Doutor em Comunicação pela UFRJ; Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Especialista em Marketing pela Fundação Educacional Machado Sobrinho. Graduado pela Faculdade de Comunicação Social da UFJF. Professor Associado III da Facom/UFJF. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF na linha de Comunicação e Identidades. Diretor da Produtora de Multimeios da UFJF. Email: marcio.guerra@ufjf.edu.br

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Benê Lima