Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, maio 14, 2014

Legado da Copa: Estádios alemães têm creche, narração para cegos e ficam lotado

Player

 

Daniel Gallas*

Enviado especial da BBC Brasil a Hanôver

Assim como o Brasil, a Alemanha tinha, antes da realização da Copa do Mundo, um conjunto antigo de rústicos estádios - muitos deles construídos nos anos 1950 - com pouco conforto para os seus torcedores.

Nos anos anteriores à Copa de 2006, todos os estádios passaram por grandes reformas para se modernizar. A capacidade de muitos deles aumentou, e com isso a Bundesliga (o campeonato alemão) assistiu também a um salto na média de público - de 33 mil, em 2001/2002, para 45 mil na temporada 2011/2012. A média atual da Bundesliga é quase três vezes maior que a do Campeonato Brasileiro.

O principal foco foi privilegiar a experiência dos torcedores, com melhores acessos, cadeiras e opções de alimentação. Alguns estádios viraram referência na Europa, como o Veltins Arena, do Schalke 04, feito antes da Copa e concluído em 2001. Ele foi realizado totalmente com recursos privados e já chegou a ser considerado informalmente um "seis estrelas" pela Uefa - cujo ranking máximo só vai até cinco estrelas.

Creche. Foto: BBC

Creche dentro do estádio permite que torcedores deixem seus filhos entretidos

A BBC Brasil visitou um dos estádios que mais se modernizou para a Copa, o do Hannover 96. O antigo Niedersachsenstadion foi praticamente colocado abaixo dando lugar à HDI-Arena. O time continuou jogando lá, mesmo durante as obras. Uma das determinações da diretoria do clube, antes das obras, era de que a reforma do estádio não poderia ultrapassar seu orçamento - de 69 milhões de euros (cerca de R$ 210 milhões).

O porta-voz do clube conta que, com o estádio novo, o Hannover 96 conseguiu agradar sua base fiel de torcedores e ainda assim atrair novos clientes, como famílias e empresários.

Outro aspecto fundamental para o clube - e para o campeonato alemão - é que o futebol não se elitizou nos preços. Ainda é possível pagar pouco pelos ingressos - em um jogo contra clubes de ponta, como o Bayern de Munique, há entradas vendidas a 15 euros (cerca de R$ 45).

Caro para os ricos; barato para os demais

Camarote VIP. Foto: BBC

Preços muito altos para os mais ricos compensam ingressos baratos para os demais

Um dos segredos dos baixos preços do Campeonato Alemão são os camarotes VIP, que eram modestos antes da Copa do Mundo, e foram reformados e ampliados em quase todos os estádios.

Hoje, uma das laterais da HDI-Arena possui 29 áreas VIP, vendidas em pacotes anuais para clientes corporativos. O preço varia de 45 mil euros a 90 mil euros (de R$ 140 mil a R$ 280) - com contrato mínimo é de três anos.

Antes de renovar seu estádio, o Hannover 96 fez um estudo sobre o mercado de clientes privados da cidade e chegou à conclusão que 29 era o número ideal de camarotes VIP para atender a demanda da cidade. Mais que isso faria com que alguns camarotes pudessem ficar abandonados, e a intenção do clube é sempre ter 100% de sua capacidade ocupada.

Em cidades maiores, como Munique e Dortmund, os estádios chegam a ter mais de 100 camarotes VIPs, com preços bem maiores.

Os camarotes VIP e os direitos de televisão respondem por 75% das receitas do clube. Com isso, o dinheiro da bilheteria não é decisivo nas contas do clube, e é possível cobrar ingressos baratos. Um pacote de dois assentos - para um adulto e uma criança - sai por 29 euros (R$ 90).

"Para nós, não é tão importante ganhar um euro a mais em cada ingresso, mas sim possuir um bom departamento de merchandising e marketing. E também se você joga um bom futebol, o dinheiro da televisão é maior", diz Dirk Köster, porta-voz do clube.

A fórmula tem dado certo para manter a casa cheia. O Hannover 96 não ganha o Campeonato Alemão desde 1954, mas mesmo assim o estádio teve lotação média de 45 mil pessoas nesta temporada. No Brasil, o Cruzeiro - campeão nacional do ano passado - teve média de 17 mil torcedores durante o torneio.

Inclusão

Cegos no estádio. Foto: BBC

Estádio tem narração especial para que deficientes visuais participem dos jogos

Um estádio mais moderno possibilita que o clube possa atender vários tipos de torcedores. O porta-voz do Hannover 96, Dirk Köster, estima que o número de mulheres e crianças que frequentam os jogos aumentou em 20% depois da Copa. Köster diz que mudanças simples durante a reforma - como a instalação de mais banheiros femininos - foram suficientes para atrair mais mulheres.

O marketing do clube passou a trabalhar em função destes novos torcedores, que são tratados como consumidores. Para atrair mais crianças, o clube tem um pacote de aniversário, onde é possível fazer uma festa para convidados durante a partida, nas arquibancadas.

O estádio também conta com uma creche e um restaurante que ficam abertos durante o jogo.

Portadores de deficiência também foram contemplados nas reformas do estádio. A área para 120 cadeirantes fica do lado de um dos bares e dos banheiros, para que eles possam transitar sozinhos. Os ingressos para eles são vendidos a cinco euros (R$ 15), com direito a entrada gratuita para um acompanhante, responsável por empurrar a cadeira.

Corrupção e violência

A construção de estádios para a Copa na Alemanha não ocorreu sem escândalos. O Alianz Arena - palco do jogo de estreia entre Brasil e Croácia em 2006 - foi construído com participação dos dois clubes de Munique - Bayern e 1860 Müenchen.

Em 2005, o presidente do 1860 Karl-Heinz Wildmoser foi condenado a quatro anos de prisão por aceitar uma propina de 280 milhões de euros de uma empreiteira austríaca.

Outro problema do futebol alemão pós-Copa é a violência. Um relatório da polícia apontou que em 2012 foi registrado o maior número de crimes em jogos de futebol nos últimos 12 anos.

O Hannover 96 também investiu em melhorar a experiência de torcedores com problemas de visão. O clube contratou um narrador exclusivamente para atendê-los. Cerca de 20 portadores de deficiência visual costumam "assistir" aos jogos da arquibancada, e ouvem a narração com equipamentos especiais (semelhantes aos usados para tradução simultânea).

Atendendo os fanáticos

O marketing do clube se esforça para atrair novos torcedores, mas o consumidor principal do clube continua sendo o fanático - aquele que não perde nenhum jogo.

Na Alemanha, o perfil deste torcedor é o mesmo há décadas - ele está mais atento a baixos preços do que conforto. Na Alemanha, em particular, esses torcedores preferem até abrir mão dos assentos e assistir às partidas de pé.

Há algumas vantagens para o torcedor nisso: maior capacidade no estádio, clima mais "quente" de pressão ao adversário e preços menores.

Um exemplo é o Borussia Dortmund, que possui um dos maiores estádios da Europa, com capacidade para 80 mil torcedores. Uma das facções mais famosas é a "Parede Amarela", onde 25 mil pessoas assistem de pé aos jogos da Bundesliga - a maior capacidade na Europa.

No entanto, entidades como Fifa e Uefa não permitem, por questões de segurança, que torcedores fiquem de pé em jogos de seus torneios. A alternativa foi instalar cadeiras dobráveis. No dia anterior a jogos de torneios Fifa e Uefa, funcionários rapidamente instalam todas as cadeiras, com auxílio de uma pequena chave.

Dirk Köster. Foto: BBC

Köster diz que Hannover 96 assumiu compromisso de não aumentar orçamento da reforma

A mesma solução foi adotada pelo Hannover 96 nos jogos nacionais - da Bundesliga e Copa da Alemanha - com sucesso: a área onde a torcida fica de pé é sempre a primeira a ter seus ingressos esgotados. Os preços são fixos: 6 euros para crianças (R$ 18) e 15 euros (R$ 45) para adultos.

Competitivo

Na temporada da Bundesliga que começou logo após a Copa de 2006, nove dos 12 clubes que atuam em estádios da Copa estavam na primeira divisão. A próxima temporada, a de 2014-2015, que começa em agosto, terá apenas oito (os clubes de Hamburgo, Nuremberg, Kaiserslautern e Leipzig estão em divisões inferiores).

Isso ilustra a grande competitividade do futebol alemão: mesmo com estádios padrão-Fifa, e modelos de negócios sólidos, muitos times lutam apenas para ficar no mesmo lugar.

Essa é o desafio para clubes médios como o Hannover 96, que apesar de todo o seu planejamento hoje parece estar ainda distante de lutar por um título.

Quando a BBC Brasil visitou o HDI-Arena, apesar de todos os sucessos nos negócios, o clube enfrentava o Hamburgo na luta contra o rebaixamento.

O Hamburgo - cujo estádio também sediou jogos da Copa - acabou derrotado por 2 a 1 e neste mês foi rebaixado pela primeira vez na sua história.

* Imagens: Albert Steinberger

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Benê Lima