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"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, outubro 21, 2017

Após chacota, clube comprometido com o fair play vence primeiro título

 A imagem pode conter: planta e atividades ao ar livre

EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A GUARATINGUETÁ

Na sede do Manthiqueira, time de Guaratinguetá campeão da quarta divisão paulista, existe um misto de orgulho e alívio. Finalmente, o clube do fair play, como é conhecida a equipe do Vale do Paraíba, ganhou um título.

A laranja mecânica, outro apelido dado ao time, conseguiu provar que buscar o jogo limpo e ganhar nem sempre são incompatíveis.

O próprio presidente do clube, Dado Oliveira, filósofo e suboficial da aeronáutica que investiu milhares de reais na equipe, se autodefine um "babaca privilegiado".
Segundo ele, por ter conseguido realizar o sonho de ter um time de futebol que só aceita atletas que queiram jogar futebol. E ainda por não ter transformado sua equipe em um balcão de negócios.

Dado pintou o cabelo de laranja após a conquista da Segunda Divisão (nome oficial do torneio que corresponde à quarta divisão, abaixo da A1, A2 e A3). Ele se diz apaixonado por futebol desde criança. Sabe, de cabeça, as escalações dos grandes times de 1960 e 1970.

"Nós tivemos jogadores com cartão amarelo e outros expulsos. Mas a questão não é tomar ou não cartão. O nosso time não simula. Não usa de artimanhas para ludibriar o árbitro. O futebol tem que ser jogado na honestidade", diz o dirigente, que passa a enumerar vários exemplos de jogadores que, mesmo machucados e não podendo mais serem substituídos, ficaram até o fim da partida sem nenhum tipo de cai-cai.

Os dados mostram que o Manthiqueira, na primeira fase do campeonato, foi o segundo time menos violento. Cometeu 157 faltas, atrás do São José, com 153.
A cartilha do fair play é levada tão a sério que está pendurada na parede da sede, na zona rural da cidade.

Há também no local um quadro com a explicação do brasão do time. O cavalo, de nome Rinus, é o mascote porque a cidade do Vale do Paraíba é famosa pelas suas cavalgadas. E o nome do animal é por causa de Rinus Mitchel, técnico da Holanda em 1974. A serra da Mantiqueira está estilizada na crina do animal.

"Temos jogadores que não ficaram, porque não se encaixavam na nossa filosofia. Mas, talvez, até por essa nossa proposta, conseguimos montar um time que comprou a ideia, encaixou e conseguiu o título e o acesso", diz.

Mas agora na terceira divisão em 2018, o fair play, o amor à camisa e o futebol até certo ponto romântico do Manthiqueira serão ainda mais testados, jogo a jogo.
Repetir o que Dado fez em 2011, segundo ele, é impossível. O dirigente investiu, do próprio bolso, mais de R$ 600 mil no time. Formalmente, o Manthiqueira existe desde 2005, mas de 2006 a 2010, sem parceiros ou investidores, tinha apenas uma escolinha das categorias de base.

"Estou equacionando as dívidas, não tenho dinheiro do bolso para colocar. Agora, com os resultados, há grupos interessados em ajudar", diz Dado, no escritório do clube, no CT São Nicolau. Os jogadores treinam de frente para a cênica Mantiqueira.

PAPAI NOEL

Parte do investimento feito há mais de dez anos foi na compra do terreno de 35 mil metros quadrados onde o time treina. Mas uma quantia ainda maior ficou para a inscrição do clube na federação.

"São Nicolau dava dotes de presente às moças para que elas pudessem se casar e não fossem se prostituir. Por isso, surgiu a figura do Papai Noel. Como todos me diziam que era mais fácil acreditar em Papai Noel do que ter um time como nosso, quando consegui, resolvi dar o nome de São Nicolau ao CT", diz Dado, que construiu uma gruta ao lado do campo de treino para colocar a imagem do santo.

Pela campanha vitoriosa na quarta divisão, os jogadores e a comissão técnica, além de uma ajuda de custo mensal, dividiram o prêmio de R$ 60 mil dado pela Federação Paulista de Futebol. Metade do grupo vencedor é das cidades do fundo do Vale, como os locais chamam a área onde fica também Aparecida, Cruzeiro, Lorena e Roseira.

Um dos condutores do time ao título, além do próprio presidente, foi Luís Felipe. Aos 28 anos, o treinador, assim como o clube que ele dirigiu, ganhou o primeiro troféu de sua carreira. Formado em educação física, Felipe, que é da cidade, tem uma experiência de mais de um ano no exterior. No Canadá, trabalhou com divisões de base.

O jovem técnico conversa sobre a escalação com o presidente do clube.
"Não é toda sugestão que acato. Mas num dos jogos ele sugeriu colocar o Léo Turbo [zagueiro] como atacante. Deu certo, e ele até fez o gol", relembra Felipe que, no ano que vem, poderá ser um coordenador técnico do time.

Tanto Felipe quanto Dado sabiam que o time era um azarão, antes de começar a embalar. A tensão do presidente era tanta que ele nem sempre conseguiu ficar no estádio durante os confrontos.

"Num dos jogos importantes, saí do estádio [no centro da cidade], peguei o carro e dirigi uns dez minutos, sozinho, até o nosso CT. Fiquei andando por essas ruas de terra", diz. Enquanto isso, lá no campo, o time obtinha mais uma vitória. 
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Benê Lima