País tem 18 mil atletas profissionais, mas apenas
30% possuem local para trabalhar
Gonçalo Junior, O Estado
de S.Paulo
Depois que saiu da Portuguesa e
começou a ter dificuldades para encontrar outro clube, o meia Rai decidiu
vender sua BMW. Prata, coisa linda, mas ele tinha de reduzir custos. Quando os
calotes se tornaram mais frequentes - no Vilhena, de Rondônia, ele chegou a ser
ameaçado de morte por cobrar cinco meses de atraso no salário -, o meia de 32
anos se tornou corretor de seguros. Hoje, espera uma proposta do futebol
chinês, mas a bola virou plano B.
Para Bruno Henrique Silva Carvalho, o desemprego
piorou o que era já difícil. No primeiro semestre, ele atuou pelo Suzano, time
da quarta divisão do futebol paulista, mas não recebia salários. "Os
dirigentes diziam que o time era uma vitrine e que não precisava de
salário", diz o atleta de 21 anos. Depois de seis meses sem receber, foi
dispensado porque o time não terá mais competições para disputar em 2017.
O volante Bruno Henrique treina sozinho em Suzano à espera de um clube Foto: Amanda Perobelli |
Hoje, para ajudar a renda na família, ele vende doces caseiros, feitos pela própria mãe. Após os treinos, sai pelas ruas de Suzano, na grande São Paulo, oferecendo brigadeiros, beijinhos, pães de mel. O pai, Marcelo, é eletricista de manutenção e a mãe, Maria Elenir, é faturista no hospital da cidade. Bruno tem um irmã nova, de dez anos.
Rai e Bruno Henrique mostram alguns
dos efeitos do desemprego entre os jogadores de futebol. De acordo com a
Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, o Brasil possui hoje
18 mil atletas profissionais. A entidade avalia que os índices de desemprego
variam ao longo por ano por causa da mudança no número de competições. Os
clubes menores, aqueles que não disputam as Séries A, B, C e D do Campeonato
Brasileiro simplesmente fecham as portas no segundo semestre, pois não tem
competições para disputar. Com isso, milhares de atletas ficam a Deus dará.
"No mês de abril, temos cerca de 30% dos atletas trabalhando no Brasil
todo. No final do ano, esse número cai para apenas 6%", afirma o
presidente Felipe Augusto Leite.
Esse é o drama vivido por Bruno Henrique no
pequeno Suzano e também por Marco Antônio da Silva Oliveira, campeão da Série
A3 do Campeonato Paulista com o Nacional.
Para completar a renda, Rai abriu uma empresa e atua como corretor de seguros Foto: Amanda Perobelli |
Aos 29 anos, ele
não renovou contrato e simplesmente não tem onde jogar até o final do ano.
"Tenho meus 29 anos e ainda me sinto em condições de jogar. Mas, claro,
sei da minha realidade hoje, que está um pouco distante, mais que não é
impossível, só basta portunidade e sequência. O calendário brasileiro está ruim
para nós, que não temos nome no cenário do futebol brasileiro", diz o
jogador.
Naturamente, a questão não se esgota na venda de
carros de luxo e nos bicos para completar a renda. Existe um problema emocional
quando um jogador fica desempregado. Outros jogadores ouvidos pelo Estado citam
a cobrança familiar - as contas não param de chegar - "O maior desafio é
manter a motivação, treinar sozinho e não desistir", confessa o zagueiro
Guilherme Bernardinelli, ex-Santos.
Depois de uma temporada na terceira divisão
espanhola, o jogador de 25 anos deu de cara com a falta de oportunidades no
retorno ao Brasil. Enquanto aguarda a abertura da próxima janela de
transferências, ele contratou um personal trainer para manter a forma, mas já
pensa em um plano B. Diariamente, dá expediente na área administrativa da
empresa do pai, uma fábrica de injeção plástica.
Guilherme Bernardinelli, ex-Santos, atuou na terceira divisão da Espanha e agora procura um novo clube Foto: Amanda Perobelli |
"Pensei até em procurar um médico. A gente vive o sonho, de ser famoso, ganha tapinha nas costas e almoço grátis por onde passa e, de uma hora para outra, tudo acaba. É preciso muito equilíbrio emocional", diz Rai. "Eu tinha vergonha de chegar a pé nos jogos, sem carro, e, por isso, nem ia jogar", confessa o jogador que esteve no Taubaté.
Em vários casos, os jogadores esbarram na falta
de qualificação profissional para buscar uma recolocação no mercado.
"Muitos amigos me negaram um emprego porque diziam que eu não sabia fazer
nada", lamenta Rai.
Rai e Bruno estão em momentos diferentes na luta
contra o desemprego. Hoje, Rai tem sua própria empresa de seguros, a DR Group,
e grande parte dos seus clientes é formada por... jogadores de futebol, seus
colegas de profissão. Teve chance de comprar carro, mas preferiu andar de
metrô, ônibus e Uber. Ainda precisa economizar, pois a empresa ainda precisa
decolar.
Horas depois da entrevista ao Estado, Bruno
Henrique manda uma mensagem via whataspp. No dia 15, ele avisa que vai atuar
pela final da Liga de Mauá, o clássico entre São João e Gralha Azul. Ele atua
na várzea para completar a renda e ganha cem reais por jogo. No dia seguinte,
ele mandou outra mensagem. "Quando você perguntou das minhas qualidades,
tenho bom preparo físico, bom desarme, sei sair para jogo, com qualidade, e
chega bastante na área do adversário".
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Benê Lima