Você é brilhante, curioso e determinado. Talvez competitivo, certamente inspirado por um bom desafio, e, possivelmente, interessado em contribuir com algo para tornar o mundo um lugar melhor. Talvez você tenha pensado sobre o que será necessário para que você possa chegar aos 80 ou 100 anos e ser capaz de dizer: “Isto é o que eu me propus a fazer, e eu fiz. Houve altos e baixos, mas eu me mantive na linha.”
Talvez você pense: para me mover daqui para lá – me tornando uma pessoa bem sucedida e satisfeita com grande parte da vida que ficou para trás – eu precisarei ter isso, conseguir aquilo, ir até lá. Se você é romântico, o seu sucesso vai depender de relacionamentos; se você estiver voltado para a família, será familiar; se você é materialista, você precisará adquirir certas coisas; se você é aventureiro, aventuras; se você é intelectual, o conhecimento. A lista continua. Você pode muito bem ter objetivos dignos e admiráveis – especialmente se contribuir para o bem-estar dos outros faz parte do que te faz vibrar.
Mas, se a nossa realização e felicidade dependem de ganhar ou fazer alguma coisa, ficaremos infelizes ou frustrados se não as obtivermos ou fizermos? A nossa felicidade depende, fundamentalmente, de algo além do nosso alcance pessoal? Ela depende de outras pessoas, de outros acontecimentos? Se essas coisas, pessoas, acontecimentos, eventos, situações ou relacionamentos das quais dependemos para a nossa realização mudarem, o que acontece? Elas irão mudar, elas mudam. Às vezes para melhor, mas nem sempre. E então?
É útil dar uma olhada mais de perto no que realmente nos faz felizes. O que queremos dizer com feliz? De onde vêm a paz e a realização? E a insatisfação, a dor e a angústia? Como podemos definir essas experiências? E quem – ou o que – é esta pessoa potencialmente realizada – este “eu”?
Há cerca de 2.600 anos, o Buda, ciente de que todos compartilham o desejo de ser feliz e para evitar a dor, perguntou a si mesmo exatamente estas mesmas questões. E há 2.600 anos, o Buda veio com respostas que são, ainda – de acordo com os budistas, enfim – a resposta mais inteligente e pertinente às necessidades humanas em termos de filosofia e prática.
O Buda nasceu em uma família real onde hoje é o sudoeste do Nepal. Um santo advinho disse ao pai do Buda, o rei, que o menino cresceria para ser um grande líder ou um grande renunciante e guia espiritual. Naturalmente seu pai gostou mais da primeira versão, e fez de tudo em seu poder para se assegurar de que o príncipe Siddhartha Gautama fosse feliz. Podemos imaginar o palácio, os jardins e as fontes, os pavões, banquetes, dançarinas, sedas e brocados, músicos e jasmim, e todo o resto. O rei garantiu que seu filho nunca visse nada desagradável, incômodo ou dissonante. E podemos presumir que o belo e privilegiado príncipe acreditava que estava levando uma vida significativa e satisfatória. Ele foi muito bem casado, teve um bom filho e seu desejo era uma ordem.
Mas então, a história se passa, ele vai além dos arredores de sua vida idílica e, pela primeira vez, testemunhou as verdades chocantes de envelhecimento, enfermidade e morte. E de repente, surge nele um anseio por paz e significado, que não dependiam de coisas como a saúde, a juventude e a riqueza, e foi mais forte do que todo o resto. Então, ele saiu em busca de algo parecido com a felicidade inalterável, e tentou encontrá-la através de práticas devotas extremas. Após seis anos de espantosa abnegação, ele chegou à conclusão de que os dois extremos de prazeres -terrenos e automortificação – não iriam levá-lo para onde ele queria ir. Então, ele pegou um belo pudim de arroz, sentou-se sobre um tapete de grama sob uma figueira no que hoje é Bodhgaya, e prometeu que não iria desistir até encontrar a felicidade absoluta que estava procurando. “Restam apenas pele, tendões e ossos”, disse ele. “Deixe a carne e o sangue secarem no meu corpo, mas eu não desistirei desse lugar sem alcançar o despertar completo.” Após uma noite longa e muito agitada, ele se tornou Buda, o Desperto.
Sete semanas mais tarde, ele deu seu primeiro ensinamento. Toda a história é definida, desde nossa busca equivocada de felicidade até a possibilidade de despertar e paz, em quatro pontos: as quatro nobres verdades. Sua primeira verdade, a verdade do sofrimento, afirma que o sofrimento é um dado adquirido em qualquer forma de existência que depende de causas e condições. Ela define o sofrimento como todos os níveis de desconforto, variando de uma dor barulhenta ao desconforto sutil da mudança e o sofrimento existencial muito mais sutil que segue com o fato de estarmos vivos.
A segunda verdade é a origem do sofrimento, e aqui o Buda explica que a origem do sofrimento não é um deus que está atrás de nós, ou algum dedo arbitrário do destino, mas a nossa própria ignorância e seus subprodutos cármicos. Revolucionário! Voltaremos a este assunto.
A terceira verdade é a verdade da cessação ou a verdade da paz: a paz inequívoca que ocorre quando os nossos véus, confusão e egoísmo cessam, são removidos, e a nossa bondade e sabedoria natural florescem totalmente. Pura felicidade.
E finalmente, a quarta verdade, a verdade do caminho, mapeia a prática que nos leva à verdade da cessação. Este caminho é essencialmente a visão correta, a ação correta (aprender como ser verdadeiramente útil) e a prática espiritual correta, como é expresso, tradicionalmente, pelo guia condensado para um estilo de vida saudável chamado o nobre caminho octuplo.
A origem do sofrimento é a ignorância. A palavra em sânscrito é Avidia – não saber, não ter consciência da nossa natureza fundamental ou da essência de ser buda, desperto, e da natureza da manifestação condicionada, na qual estamos incluídos, como sendo interligadas e desprovidas de qualquer tipo “eu” sólido e independente; impermanente e sujeito a mudanças, quer gostemos ou não; e composto, que significa que a dor vai fazer parte da nossa experiência, uma vez que tudo o que existe como um conjunto acaba desmoronando, necessariamente, mais cedo ou mais tarde. Até mesmo o Buda, que passou a dar ensinamentos sobre diferentes temas em lugares diferentes ao longo de um período de quase 50 anos, deixou seu corpo para trás aos 81 anos.
Ignorância significa que não temos todos os elementos que precisamos para fazer escolhas esclarecidas sobre a vida. Todos nós procuramos por conforto ou significado, mas fazemos escolhas desastradas que levam a resultados dolorosos (comer muito chocolate, no meu caso). Por causa da ignorância, não nos damos conta da interconectividade derradeira e fundamental da existência, e nosso universo é percebido não como a corda de ilusão em constante mudança de ilusão que é, mas como um confronto sólido, um tanto quanto estático entre o “próprio” (eu) e os outros (todo o resto).
Nós dividimos o nosso mundo em eu/você, amigo/inimigo, desejável/indesejável, realizado/frustrante e assim por diante. É um processo natural, mas completamente arbitrário e subjetivo. De alguma forma, somos capazes de ignorar este último fato. Estamos em modo de divisão dualista, e agimos de acordo com isso; todos os tipos de emoções entram em jogo, e agimos sobre elas. Reforçamos as tendências – os Budistas diriam que nós criamos carma – que tornam a ilusão mais espessa, pegajosa, mais sólida. E quanto mais longe estivermos da verdade, mais evasiva se torna a felicidade.
Um grande professor tibetano do século 20, o terceiro Jamgön Kongtrul, deu uma palestra na Universidade Estadual de Nova York, em Albany, em 1985. “Na maioria das vezes, a nossa relação com o mundo que nos cerca não está de acordo com a sua natureza básica, mas com a nossa incompleta percepção dela”, disse ele. “Nós não experimentamos a nossa própria natureza básica; em vez disso, experimentamos apenas o que vemos. O resultado é um tremendo conflito em nossas vidas. Não importa o quanto tentemos resolver as coisas, há sempre desordem e insatisfação, sempre algo faltando. Não importa o quanto parece termos conquistado, ainda há mais para conseguir. Essa insatisfação continua e o seu tamanho aumenta, porque o que somos fundamentalmente e como percebemos não é a mesma coisa.”
Jamgon Kongtrul se refere à nossa natureza básica: de acordo com muitos ensinamentos atribuídos a Buda, a nossa natureza básica, derradeira e objetiva é impossível de se definir com palavras, mas inclui esse potencial de despertar que ele apresentou na terceira nobre verdade, a Cessação. Ela foi descrita como uma consciência luminosa, um vazio, uma bondade fundamental e búdica. Natureza básica não tem absolutamente nada a ver com um budista; todos os seres compartilham essa centelha inata de perfeição. O que o budismo tenta fazer é nos dar os meios para reconhecer, estimular e experimentar este potencial, não importa quem somos.
Em um nível relativo, como seres sujeitos à confusão ou ignorância em graus variados, nós somos interdependentes, impermanentes, e sujeitos ao sofrimento que procuramos evitar. A força motriz subjacente da nossa experiência é o carma. Essencialmente, o carma se refere ao fato de que as ações e pensamentos têm resultados; nada existe sem uma causa. Isto é tanto uma má notícia quanto boa.
É uma má notícia se optarmos por permanecer no modo “cabeça-na-areia”, porque a nossa tendência será nos relacionarmos com a felicidade e o prazer ou com a frustração e insatisfação como tendo causas e soluções externas. Nós lidamos com elas nos concentrando em um prêmio ou em um culpado e reagindo de acordo com os nossos padrões confusos: nós ativamos o encanto, ou plano, ou a fuga, ou a luta. Mas como Jamgön Kongtrul explicou, “o que é fundamentalmente verdade, é que a experiência de dor ou prazer não é tanto o que está acontecendo externamente como o que está acontecendo internamente: a experiência de dor ou prazer é principalmente um estado de mente. Experimentar o mundo como iluminado ou confuso depende do nosso estado de mente.”
E essa é a boa notícia.
É uma boa notícia, porque sempre existe o potencial para sermos verdadeiramente conscientes do que está acontecendo e usar isto para aprofundar a nossa compreensão. Há sempre a possibilidade de abrir os olhos e ser buda: desperto. Além disso, interdependência significa que boas ações trazem resultados positivos e felizes para nós e para os outros; e impermanência significa que situações dolorosas podem mudar para melhor e que podemos percebê-las de forma diferente e usá-las de forma mais sábia.
A palavra tibetana para budista, nangpa, significa “interior”, como em “aqueles cujo foco é direcionado para dentro: na mente, no seu funcionamento e desenvolvimento.” O Buda ensinou que a verdadeira felicidade, ou satisfação, independe de causas e condições externas. Assim, para os budistas, a busca da felicidade envolve treinar o olhar interior. Uma vez que sabemos quem realmente somos, de dentro para fora, estamos menos propensos a acreditar na viabilidade dos nossos padrões e vícios. Percebemos que, se estamos agindo de acordo com a insatisfação e a confusão, é porque não descobrimos nossa natureza básica.
Uma analogia dada frequentemente é a da pessoa faminta que desconhece a despensa no porão. Eu sempre imagino um sujeito magro envolto em trapos, muito derrotado ou sem imaginação para pensar, para escolher o chão de terra do casebre imundo onde ele está definhando. Muito desanimado para encontrar o grande anel de ferro logo abaixo da superfície da terra que seria facilmente levantado se puxado, revelando uma adega iluminada cheia de água fresca dos mananciais, frutas maravilhosas, muitos queijo franceses bons, um bom pão crocante e assim por diante.
Se estivermos inspirados a levantar a poeira do grande anel de ferro e dar-lhe um puxão, se estivermos interessados em trabalhar no sentido de substituir a nossa confusão por clareza e paz na mente, na descoberta de nossa natureza básica e inata, o Budismo nos dá as ferramentas. Uma das principais, que nos guia na observação e trabalho com a mente, é a meditação.
Meditar não se trata de bombardear os pensamentos e emoções que surgem em nosso fluxo mental; não se trata de flutuar em uma bolha de felicidade; e não se trata de raspar a nossa cabeça, mudar nosso nome para Wangmo e morar em uma caverna. Então, do que se trata? Lembre-se que o budista assume que a existência inclui tanto os níveis absolutos quanto os relativos. Quando meditamos, nos relacionamos com ambos. Relacionamos a sabedoria absoluta e a confusão relativa, e fazemos isso sem julgamento ou política. A meditação básica chamada shamatha, ou “permanência calma,” é um processo neutro de reconhecimento e desprendimento. É a “Suíça” das práticas. Estamos dispostos a cortar o nosso apego ao pensamento – mas não estamos tentando parar o processo de pensar, porque os pensamentos não são o problema. Nossas esperanças e medos, apego e rejeição, a tensão que eles criam e os véus que reforçam é que são o problema.
A meditação assume muitas formas diferentes; existem variantes infinitas e cada uma delas concentra-se em revelar um ou outro desses tesouros na despensa. Shamatha é a prática que nos apresenta à capacidade da mente de ser treinada e desenvolver compostura. E apesar da compostura não ser o objetivo final, a estabilidade é a base para todas as outras práticas, algumas das quais podem ser bastante dinâmicas e exigentes. Se a mente está constantemente correndo por aí como um furão sob o efeito da cafeína, como podemos treiná-la?
Se olharmos para onde a mente vai, como dardos aqui e ali, veremos que nossos pensamentos estão preocupados com o passado – coisas que desejamos que tivessem acontecido de forma diferente, situações que aproveitamos e desejamos recriar, eventos que estão mortos e enterrados – e o futuro, que não existe, e que nunca se desenrola da forma como o planejamos, de qualquer forma. Quando meditamos, nos relacionamos com aquela mercadoria inquietante e inefável: o presente.
Nós treinamos abrir mão de pensamentos e sentimentos que possam surgir, e nos voltamos para o presente: aquele espaço entre dois conceitos – passado e futuro – que, na verdade, não existem. Nós estamos simplesmente sendo, aqui e agora. Porque apenas ”estar presente” é tão desconhecido para nós, que desenvolvemos a nossa prática através de qualquer um dos muitos métodos para acalmar a mente, como seguir a respiração. Nós apenas sentamos, aquietamos a nossa mente com a respiração, reconhecemos o que está surgindo, soltamos e voltamos à nossa respiração. Se estivermos cientes da tensão, nós a suavizamos e soltamos. Se estivermos cientes da agitação ou sonolência, fazemos uso de diligência e aplicamos um remédio.
Preste atenção. Permaneça aberto. Observe o desconforto e volte para a sua respiração. Use a sua curiosidade. Seja paciente. Você está fazendo algo vital: você está puxando o anel de ferro. Você está se movendo em direção à realização e liberdade incondicionais. Você está buscando a felicidade da única maneira que realmente faz sentido: de dentro para fora.
Pamela Gayle Branco é tradutora de tibetano e ensina meditação e filosofia budista em Centros de Caminho Bodhi nas Américas e na Europa. Este artigo foi adaptado de uma palestra que ela ministrou no Bryn Mawr College Centro Multicultural em dezembro de 2008. Após a palestra, um grupo de meditação foi formado. Artigo publicado na revista Tricycle.
Tradução Angélica Nedog, revisão Luis Oliveira
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Benê Lima