Estrutura precária, falta de apoio e calendário mal planejado são fatores que impedem o crescimento da modalidade no Brasil
LARA PEREIRA
O futebol é um dos esportes mais praticados no mundo. Sua relação com a mídia, seu envolvimento com as massas e o interesse comercial por trás de clubes e federações demonstram a força da modalidade esportiva. Em contraponto, a realidade do esporte com as mulheres é outra. Com pouca estrutura para dar suporte às jogadoras e falta de apoio das entidades públicas do país, o futebol praticado pelas mulheres está longe de ser taxado como profissional.
Historicamente, o futebol feminino sempre encontrou dificuldades de se afirmar. Na Europa, o final da Primeira Guerra Mundial mudou os rumos da modalidade, e as mulheres foram proibidas de praticar o esporte. No Brasil, durante o Estado Novo, as leis criadas também pressionavam para a exclusão das mulheres no futebol. Atualmente, a prática não é proibida, mas não há apoio necessário para o desenvolvimento da categoria.
Em condições precárias, as jogadoras enfrentam barreiras diariamente para seguir o sonho de continuar jogando. Ex-atleta do Atlético-MG e irmã do atacante Rafael Moura, do Galo, Amanda Moura já teve passagem pelo futebol universitário americano, no qual defendeu as cores do Purple Knights, e contou sobre as diferenças da estrutura do futebol em ambos países.
“Eu senti uma diferença muito grande do futebol feminino no Brasil para o futebol feminino nos Estados Unidos. A maior diferença está na formação da base, pelo Atlético-MG eu treinava todos os dias, nós éramos tratadas como profissionais, mas numa estrutura extremamente amadora. Nós nos preocupávamos com o quarto que iríamos ficar e com o uniforme de jogo ao invés de nos preocupar com o que havíamos treinado”, pontuou Amanda à VAVEL Brasil.
O apoio à categoria é necessário para o desenvolvimento do futebol feminino no país. A ausência da grande mídia como amparo à modalidade, a carência de maior envolvimento das entidades responsáveis com o futebol feminino e a falta de grandes patrocinadores atrapalham no crescimento do esporte como frisou Amanda Moura.
“Vivemos um ciclo vicioso aqui. Não se tem bons campeonatos, o que não atrai torcedores, por consequência não tem patrocinadores e a mídia não se interessa. Faltam campeonatos organizados durante o ano, não se limitando ao Campeonato Brasileiro, falta envolvimento por parte das federações, faltam empresas que queiram gerir e acolher o futebol feminino", complementou Amanda Moura.
Para esta temporada, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) adotou novo formato para ajustar o Brasileirão 2017. No início do ano, a CBF anunciou a criação de uma nova divisão da competição e criou a Série A-2 do Campeonato Brasileiro. Apesar da expansão do Brasileirão Feminino, a entidade sacrificou a Copa do Brasil – que teve o Audax como campeão inédito da última edição.
"Falando do futebol feminino aqui no Brasil, acredito que a maior, e principal, deficiência está no calendário" - Caroline Matos
Dessa forma, uma deficiência no calendário oficial foi gerada, restando grande incerteza para os clubes e suas jogadoras, como frisa Caroline Matos, atleta do Kindermann, ao comentar sobre o assunto. “Falando do futebol feminino aqui no Brasil, acredito que a maior, e principal, deficiência está no calendário. Podemos citar outros ofensores, como estrutura e o apoio de forma geral, mas eu acredito que isso nós conseguiríamos superar, desde que, tivéssemos um calendário de competições digno para a modalidade”, explicou.
No Brasil, existem apenas quatro clubes que são denominados como profissionais, ou seja, aqueles que asseguram os direitos de suas jogadoras previstos em lei. América-MG, Sport, Santos e Iranduba se enquadram nesta categoria, mas novas equipes devem fazer parte deste seleto grupo do futebol feminino.
“Acredito que a cadeia como um todo precisa se profissionalizar de fato. E o primeiro passo, é o reconhecimento da classe. Contrato profissional, carteira de trabalho devidamente assinada, uma estrutura de trabalho adequada. Mas, nesse ponto, eu acredito que estamos evoluindo aqui no Brasil. Alguns clubes já estão se movimentando nesse sentido – inclusive o Kindermann. Tenho visto o sacrifício de todos para entregar o melhor para as atletas, e valorizo muito isso”, complementou Carol Matos.
Futebol do outro lado do mundo
Pouco explorado, o futebol praticado na Coréia do Sul também é referência na modalidade. A WK League oferece estrutura profissional de trabalho para as atletas. Ex-Kindermann, Giovanna Crivelari agora defende as cores do Gyeongju e acredita que não há como comparar o futebol feminino asiático com o praticado no Brasil.
"Aqui na Ásia, as jogadoras começam a receber esse incentivo nas escolas e nas faculdades. Primeiro joga-se por anos nas universidades, até tornarem-se profissionais e receberem a oportunidade de disputarem a WK League. Se formos falar de estrutura, acredito que não caiba comparações nesse momento. Aqui existem estruturas adequadas para se trabalhar e colocar em práticas nos jogos a filosofia de jogo aplicada pelos treinadores", elucidou.
A meio-campista do Gyeongju ainda comentou sobre a falta de apoio por parte dos organizadores e dos meios de comunicação de massa. Segundo Giovanna Crivelari, a categoria feminina ainda é muito desvalorizada no país.
"Infelizmente, falta apoio de todos. Ao meu ver, acho que todos poderiam ajudar de uma forma mais efetiva. Como federações, imprensa, patrocinadores, profissionalização das atletas por parte de todos os clubes... e por aí vai. É uma pena o país do futebol desvalorizar desta maneira o futebol feminino, mas nem tudo está perdido. Vejo sinais de que as coisas podem melhorar, percebo pessoas e clubes engajados nessa causa e eu continuo acreditando em um futuro próspero para o futebol feminino no Brasil”, acrescentou.
Companheira de equipe, Kélen Bender deixou o Iranduba ainda neste ano e passou a integrar a equipe do Gyeongju. A ex-atacante do Hulk da Amazônia demonstrou seu respeito pelo clube e afirmou que o carinho da torcida pela modalidade deixa esperanças de um futuro melhor para o futebol feminino no Brasil.
“A torcida do Iranduba e de todo o povo de Manaus comprovam a força que o futebol feminino tem e principalmente a projeção que podemos ter em vários aspectos. Esse amor incondicional que eles demonstram com a modalidade, valoriza nosso trabalho e nos dá a esperança de um dia recebermos o mesmo tratamento que o masculino recebe por todos no Brasil”, apontou.
Na última edição da Série A-1 do Brasileirão Feminino, o Iranduba chegou à semifinal e foi um dos destaques da competição. Na semifinal contra o Santos, o Hulk da Amazônia colocou mais de 26 mil pagantes na Arena da Amazônia e quebrou o recorde de público do futebol feminino no ano.
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Benê Lima