Engajamento
Numa versão alemã de um campo de várzea, nazistas protagonizam trapalhadas na tentativa de marcar um gol. O vídeo, que termina com a contundente mensagem “Futebol e nazistas simplesmente não se encaixam”, foi a reação do Borussia Dortmund ao avanço da extrema-direita no país após as eleições legislativas.
A mensagem, evidente declaração de princípios e dos valores cultivados pelo clube, ganhou o mundo. Por coincidência, horas antes os jogadores da NFL, a liga profissional de futebol americano, exibiram vigorosa reação de repulsa ao presidente Donald Trump, que sugeriu aos donos de equipes que demitissem os atletas que protestassem durante a execução do hino nacional. A manifestação do último fim de semana nos EUA foi uma reafirmação: os jogadores não abrem mão do engajamento na luta por direitos sociais.
Na Espanha, a semana que antecede o referendo independentista da Catalunha, previsto para amanhã, viu o já esperado posicionamento do Barcelona e, também, a contundente mensagem do zagueiro Piqué através das redes sociais: “De hoje a domingo, vamos nos expressar pacificamente. Não lhes daremos qualquer desculpa. É isso que eles querem. Cantaremos bem alto e forte. Votaremos.”
Movimentos de engajamento reforçam a falta de sentido da velha tese de que política e esporte não se misturam. A rigor, uma falácia que sempre se prestou a quem opera pela manutenção do status quo, de uma estrutura de poder estabelecida. São tantas e tão intensas as emoções que o esporte provoca nas pessoas, impossíveis de reproduzir em qualquer outro ambiente da vida, que não há terreno tão propício a difundir todo tipo de mensagens.
Desde sempre foi assim, para o bem e para o mal. Da hedionda tentativa de afirmação da superioridade ariana nas Olimpíadas de Berlim-1936, desmoralizada pelas quatro medalhas de ouro do negro americano Jesse Owens, ao simbólico gesto dos Panteras Negras, no pódio olímpico de 1968, ícone da luta contra o racismo. Chegando à espetacular iniciativa do Borussia Dortmund, símbolo de um mundo novo, de novos contornos e responsabilidades.
O mundo globalizado multiplicou o alcance das mensagens. Multiplicou, também, a capacidade de esportistas contribuírem com a sociedade em pautas como racismo, misoginia, homofobia e todas os sintomas de um atraso que exige de nós uma luta diária contra a intolerância. Há um papel social a desempenhar. O esporte em geral, e o futebol em particular por sua condição de esporte verdadeiramente global, são uma fábrica de exemplos, em especial para jovens. Saber difundir bons valores é virtude apreciável.
A globalização converteu atletas de ponta em veículos de comunicação de massa, com alcance superior a boa parte das empresas de mídia tradicional. E tal percepção cresce entre os esportistas. Em recente entrevista à revista espanhola “Panenka”, Piqué, reconhecido como um dos atletas mais astutos no entendimento de seu papel como comunicador, deu o tom do novo tempo: “O jogador tem cada vez mais poder. Alguns de nós temos mais seguidores do que o jornal esportivo mais lido da Espanha”. Piqué tem 14 milhões de seguidores no Instagram e 16,3 milhões no Twitter.
Por aqui, há sementes plantadas, mas atletas contestadores, que ampliem suas pautas para além do futebol, ainda parecem vistos como peças destoantes. E no Brasil de hoje, convenhamos, não faltam pautas, motivos para se mobilizar. Dentro e fora do esporte.
Exemplo torto
“Se até o Bayern de Munique demitiu...” É bom nos preparamos, porque em alguma das próximas demissões de treinadores no Brasil — e elas certamente acontecerão em breve — ouviremos dirigentes transformando a queda de Ancelotti em muleta. Como se, por aqui, precisássemos importar exemplos para promover a ciranda de técnicos.
A surpreendente demissão é sinal de um futebol em que o imediatismo cresce junto com os interesses econômicos envolvidos. Fenômeno global que não torna o Brasil vanguarda, mas radicalização de um processo nocivo ao jogo. O Bayern não demitia um treinador desde o holandês Van Gaal, em 2011.
Aparentemente, uma resistência de vestiário teria derrubado Ancelotti, que, a bem da verdade, precisou lidar com um elenco que perdeu jogadores e viu peças-chave envelhecerem. Mas ficam lições úteis para o Brasil. A primeira, de que uma guinada de estilo tão drástica dificilmente ocorre sem traumas. Um oceano separa métodos e estilos de Guardiola e do italiano. E outra: beleza, estilo, ainda significam algo neste jogo tão voltado para o resultado. Na memória afetiva da Baviera ainda mora o futebol de sonhos dos tempos do catalão.
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Benê Lima