por Emerson Gonçalves
Ao terminar o Campeonato Brasileiro da Série A de 2012, a fórmula dos pontos corridos, se é que assim se pode chamar algo tão simples, completou 10 temporadas.
A posição desse OCE sempre foi tão simples quanto essa chamada fórmula: apoio total aos pontos corridos, introduzidos juntamente com o Estatuto do Torcedor e com a Lei de Responsabilidade do Futebol Brasileiro, o que, apesar de alguns tropeços, veio a conferir maior seriedade e organização à prática de nosso principal esporte, que é também, como reconhece a citada Lei de Responsabilidade, uma atividade comercial, sujeita como tal a prestações de contas anuais, entre outros pontos.
O consultor de marketing e gestão esportiva Amir Somoggi, preparou um estudo intitulado “A Evolução Financeira do Futebol Brasileiro na Era dos Pontos Corridos”, sobre o qual se baseia esse post.
Segundo aponta Amir na abertura do trabalho, o mercado “se beneficiou muito de um calendário anual estabelecido e o respeito à continuidade das regras.” Pôs-se um ponto final à bagunça que parecia eterna, com regras diferentes a cada nova temporada.
No decorrer desses 10 anos muitas foram as mudanças no futebol, no país e no mundo, com impactos profundos nos clubes e competições. Tecnicamente, o futebol jogado no Brasil pouco ou nada evoluiu, em que pesem algumas conquistas significativas, como os títulos mundiais de clubes em 2005, 2006 e 2012, e o virtual domínio na Copa Libertadores de America. Tampouco evoluiu a presença do torcedor nos campos, como veremos mais adiante. Mesmo assim, as receitas cresceram de forma agressiva, sobretudo na segunda metade dessa década, acompanhadas pelas dívidas. Vamos ver tudo isso no trabalho do Amir, a seguir.
Evolução financeira do futebol brasileiro na era dos pontos corridos
O mercado brasileiro de clubes de futebol, que representa os 100 maiores clubes, atingiu receitas conjuntas em 2012 de R$ 3,5 bilhões. Nos últimos dez anos, o crescimento médio do mercado foi de 16% ao ano e o crescimento total de 335%.
Esse crescimento foi suportado pelo crescimento de todas as áreas de geração de receitas dos clubes, divididas pelo autor em cinco grupos: Cotas de TV, Transferências de Atletas, Patrocínio e Publicidade, Clube Social e Sócio-Torcedor e, por fim, Bilheteria.
O destaque, facilmente visível no gráfico, foi o grande aumento das cotas de TV, tanto em números relativos como absolutos. As demais áreas mantiveram-se mais ou menos parelhas, exceção feita, justamente, à área que gera o recurso mais imediato e também mais barato para os clubes, a bilheteria.
O segundo gráfico, mostrando o crescimento das receitas em dois períodos, da uma ideia melhor das mudanças ocorridas. Na primeira metade da década as transferências de atletas foram mais significativas, despencando na segunda metade. A explicação é simples: a eclosão da crise econômico-financeira em 2008, que afetou sobremaneira as economias europeias. Em vários pontos o futebol europeu permaneceu em uma bolha nos primeiros anos, aparentemente, mas nas transferências os efeitos foram mais visíveis. Outro ponto interessante: com a consolidação dos pontos corridos e a decorrente certeza a respeito do calendário, vimos um grande crescimento das receitas de marketing.
A segunda metade dessa década considerada mostra o crescimento explosivo das cotas de TV ou direitos de transmissão. Esse crescimento teve como base alguns bons índices de crescimento da economia brasileira, com reflexos na renda das famílias – o chamado crescimento da nova classe média, por exemplo – e o consequente aumento no número de lares com TV por assinatura. Economia maior, mercado publicitário maior, levando a um aumento nos preços pagos pelos anunciantes para exporem suas marcas na TV de sinal aberto, inclusive (e principalmente) no futebol. O pífio crescimento da bilheteria pode ser atribuído, em parte, ao fechamento de alguns estádios para reformas visando à Copa do Mundo.
O público nos estádios
Em seu trabalho o Amir dá um destaque à presença do público nos estádios, como mostra o gráfico abaixo:
A média de público foi baixa, com pequena variação: 24%. A melhor temporada foi a de 2009, com um total de 6,8 milhões de torcedores nos estádios, para uma média de 17,8 mil torcedores por jogo.
Se o crescimento no número de torcedores foi baixo, o mesmo não se pode dizer do valor médio dos ingressos, que entre 2003 e 2012 aumentou 173%. Esse índice foi 98% maior que a inflação do período, representando um significativo aumento real no bolso das pessoas. Não foi isso, entretanto, que provocou o baixo número de torcedores em campo.
Os dois próximos gráficos mostram o Brasileiro entre as maiores competições do mundo em media de público e a o público médio, ano a ano, desde a primeira edição do Campeonato Brasileiro,em 1971.
Diferenças pouco significativas desde 1971, tirando quatro picos com médias acima de 20.000 torcedores: 1971, 1980, 1983 e 1987 (a Taça União).
As dívidas cresceram mais que as receitas
O gráfico acima pode “falar” sozinho: o crescimento das dívidas entre 2003 e 2012 foi de 358%, ou seja, 23 pontos percentuais a mais que o crescimento das receitas ou, em números relativos, um crescimento 7% maior que o das receitas. Segundo o Somoggi, o crescimento entre 2003 e 2008 esteve muito relacionado aos ajustes fiscais feitos pelos clubes, resultando na entrada dos mesmos na Timemania, o primeiro acordo (considerando que o REFIS foi extensivo para todas as empresas) entre o Estado e os clubes perdoando (os dirigentes não gostam desse verbo, mas em boa parte foi exatamente isso, um perdão) dívidas fiscais, dando generoso prazo para pagamento, turbinado, ainda, pela criação de uma loteria específica para levantar recursos. Ainda segundo o autor, a partir de 2009 o crescimento da dívida esteve ligado a empréstimos e outras formas de financiamento externo dos clubes. De minha parte, acrescento, uma vez mais, o grande crescimento da dívida fiscal nesse conjunto (o que já foi tema de posts específicos).
Projeções financeiras para o futebol brasileiro
Esse é um ponto interessante que o Amir desenvolveu e apresentou nesse trabalho. Para ele, o futebol brasileiro tem uma série de desafios para os próximos anos, para poder crescer de forma muito mais eficiente e rentável.
Para que isso ocorra, entretanto, problemas estruturais e também relacionados à gestão dos clubes brasileiros precisam ser solucionados.
Estes são alguns dos principais problemas identificados:
Na área estrutural:
- Calendário do futebol brasileiro
- Projeção internacional das competições
- Violência e insegurança nos estádios por culpa das torcidas organizadas
Na área de gestão:
- Política dos clubes como obstáculo ao crescimento
- Administração dos clubes alinhadas com prática de governança/gestão corporativa
- Implantação de marketing mais eficiente, criativo e comercialmente atrativo
Os clubes de futebol do Brasil apresentaram um crescimento contundente nos últimos dez anos. Entretanto, para crescerem mais na próxima década, o mercado terá que implementar diferentes mudanças, algumas delas sugeridas neste estudo. Na avaliação do Amir Somoggi, caso não haja grandes alterações estruturais e de gestão, o mercado deve crescer em um ritmo normal nos próximos anos, atingindo R$ 5 bilhões em 2018. (+43% em relação a 2012).
Caso sejam implementadas as mudanças que ele aponta como necessárias, sua avaliação é que o futebol brasileiro pode evoluir muito e chegar a 2018 com um faturamento de mais de R$ 6,9 bilhões. (+97% em relação a 2012).
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Benê Lima