Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, março 18, 2008

Um ensaio sobre uma 'teoria da influência'

O inato, o adquirido, a inteligência e o futebol

Alcides Scaglia

Questões relativas ao inato e adquirido sempre me intrigaram, como por exemplo, por que determinada pessoa se destaca tanto em sua atividade, ou mesmo por que não aparece outro Mozart, Nietzsche, Pelé...

É tão tentador dizer que estas pessoas simplesmente têm um dom natural ou mesmo divino. Isto se adéqua muito bem ao discurso do senso comum. É óbvio.

Ao dizer que o determinismo inatista define as coisas, fica fácil, pois não é preciso fazer mais nada. É e está posto. Inquestionável. Ao talentoso cabe torna-se um mito, e aos pobres mortais, resta apenas a resignação e a disposição para servir e aplaudir os especiais.

Contudo, o avanço do pensamento científico contemporâneo já nos ajuda a superar a ignorância e o fatalismo do senso comum. As explicações sobre como se formam as pessoas que se destacam não são simples.

Entender o porquê alguns se destacam mais dos que outros levou a ciência a criar várias hipóteses. E os estudos se concentravam em determinar quão inteligentes eram os especiais, pois todos partiam da premissa que ser especial significa ser inteligente

No final do século XIX e início do XX havia gente séria, como Paul Broca, que afirmavam que a diferença estava no tamanho do crânio, ou seja, iniciavam-se os estudos sobre craniometria.

Alfred Binet, em seus primeiros estudos sobre inteligência também partiu da hipótese de Broca, contudo investigações mais rigorosas feitas pelo próprio Binet refutaram qualquer possível relação mais direta entre o tamanho do crânio e a inteligência.

Stephen Jay Gould, em seu livro “A falsa medida do homem”, diz que Binet não desistiu das pesquisas sobre inteligência, o que o levou a criar a escala de Binet, mundialmente conhecida como teste de QI.

Nos testes de QI Binet procurava avaliar as faculdades mentais, em especial, das crianças, correlacionando-as as respectivas idades cronológicas. Uma correlação positiva, ou seja, alcançar uma nota alta no teste corresponderia a uma posição na escala muito acima de sua idade, logo estes deveriam ir para escolas especiais, pois eram considerados gênios.

Mas, é importante destacar que os testes de Binet tinham a explícita intenção de não avaliar o conhecimento advindo da escola ou adquirido em meio à interação cultural.

Os testes de QI propunham-se selecionar os talentos natos. E quanta gente ainda não acredita nos testes de QI. Mesmo existindo inúmeras pesquisas que mostram a não existência de correlação estatística entre quem tira uma alta nota nos testes e seu sucesso na vida pessoal, social e ou profissional.

Ser inteligente segundo o teste de QI não significa sobrevivência, desse modo passa a ser incoerente em relação à evolução da humanidade.

Por este motivo, atualmente, mesmo com os testes genéticos avançando consideravelmente, os cientistas dos processos cognitivos, que investigam as questões relativas à inteligência afirmam que, mais importante do que investigar o inato, é preciso compreender o adquirido.

Neste sentido, deparei-me com um artigo da revista Super Interessante (edição 248 – Janeiro/2008) que abordava o tema sobre o Inato e o Adquirido sobre o prisma da personalidade, instigando os leitores com uma pertinente pergunta: O que faz de você?

A base teórica da matéria se fundamentou, entre outros, nos estudos de Judith Harris e Pinker. E a cada página algumas consolidadas verdades para o senso comum (impingidos pelas concepções inatistas) são incontestavelmente refutadas.

Acredito ter sido muito dolorido para um pai conservador ler que sua influência sobre a personalidade de seu filho (a) é muito pequena. Ou mesmo, para a escola tradicional ser mais uma vez questionada sobre seu ineficiente método de transmissão de conhecimentos (verdades).

Entretanto, o que é mais relevante é o fato de que o adágio popular “diga com quem andas que te direi quem és”, está coberto de razão. Segundo Judith Harris, é o meio social o maior determinante de nossa personalidade e, ao mesmo tempo, de nossa inteligência, pois inteligência é entendida com capacidade para se adaptar (sobreviver no meio social), resolvendo-se problemas para nossa sobrevivência social e vital.

Um exemplo interessante que surgiu na matéria é a explicação sobre o motivo das piadas a respeito das loiras (ou mulheres bonitas). A possível correlação entre beleza e pouca inteligência se daria pelo fato de que ao longo da vida as mulheres belas, em nossa sociedade, ter a vida facilitada, pois sempre tem alguém disposto a resolver os seus problemas, ou mesmo, idolatrá-las, logo elas crescem (sobrevivem) no meio sem precisar desenvolver e aperfeiçoar a capacidade de adaptação.

E é neste ponto, no final deste texto, que início as minhas analogias com o futebol, pois como já disse e afirmei (em textos anteriores) o meio futebolístico é ainda muito inatista no que tange assuntos relativos à inteligência, sendo assim, não tenho dúvidas em correlacionar a loira com o potencial jogador que chega a um clube para se especializar.

Se parte da idéia de que este menino já tem um dom, o que é preciso fazer seria apenas colocá-lo no alojamento (leia local de confinamento e engorda, para posterior abate) e esperar para colher os dividendos. Pois as sessões de treinamento tecnicistas (desenvolvida em mais de 95% dos clubes) servem apenas para reforçar aquilo que já se sabe fazer e não criar adaptação para as novas (e inevitáveis) possíveis situações.

Um jogo imprevisível que é o futebol, sempre tendendo ao caos (desordem), exige jogadores com alto grau de desenvolvimento de suas capacidades cognitivas adaptativas.

Mas como formá-los se os potencias jogadores (que até chegam com esta característica muitas vezes adquirida ainda nas ruas, campinhos e praças desse nosso imenso Brasil) ao adentrar no processo de especialização são tratados como “mulheres bonitas”, acostumando-se às regalias, atrofiando, deste modo, suas respectivas capacidades de adaptação.

Portanto, tornam-se inaptos jogadores impregnados de vícios indolentes ao mesmo tempo em que também apresentam enormes dificuldades quando, por algum motivo (e são muitos), têm que retornar ao mundo dos mortais, ao serem expulsos do castelo da fantasia.


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Benê Lima