Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Paulo Calçade, jornalista e professor

Comentarista dos canais ESPN fala sobre a relação entre ciências e o esporte e experiência na EEFE-USP
Bruno Camarão

"Nós, jornalistas, acabamos abraçando determinados conceitos arcaicos e quando eu comecei a buscar algo além do que achava que era o futebol percebi isso". A sinalização deixa claro que Paulo Calçade não é um profissional comum em sua área de atuação. Tanto que se preocupou em evitar a repetição daquilo que cresceu ouvindo e lendo e procurou se libertar de algumas frases feitas e de alguns pensamentos mal acabados. Ele sabe que ninguém sabe tudo de futebol.

Muito por conta disso, buscou - e segue em busca de - qualificação. Seja teórica, amparada pelo ambiente acadêmico, no qual se insere inclusive como docente da disciplina de jornalismo esportivo na EEFE (Escola de Educação Física e Esporte-USP), seja na prática, vivenciando experiências. De preferência em campo, com a visualização real do que é um jogo de futebol.

"Temos de estabelecer um caminho direto sobre nossa área, e depois partir para o conhecimento, que deve ser buscado sempre. E quanto mais você busca uma coisa, mais você percebe que nada sabe (risos)", brinca Calçade, que pode ser observado em transmissões e programas dos canais ESPN, lido no jornal O Estado de S. Paulo e ouvido nas ondas da Rádio Estadão/ESPN, local onde comanda o "Segredos do Esporte".

Em sua trajetória, que contempla uma pós-graduação em futebol feita na própria EEFE-USP, cursos de Administração para Profissionais do Esporte na FGV e de arbitragem, na Federação Paulista de Futebol, Calçade tomou precaução para não virar um personagem dentro da mídia esportiva - algo comum e que encontra muitos consumidores. Tornou-se, sim, uma referência na análise integrada ao viés das Ciências do Esporte.

"Essa é uma grande barreira que ainda precisamos vencer. Os grandes trabalhos no mundo do esporte, e do futebol em especial, possuem o conhecimento produzido dentro das universidades. Muita coisa pode mudar quando é conduzida para a prática, mas essa base acadêmica, de pesquisa, é fundamental", avalia.

Calçade não foi um daqueles que se espantaram na manhã de 18 de dezembro de 2011, data da final do Mundial de Clubes, entre Barcelona e Santos. Para ele, o resultado atingido pela equipe catalã diante do atual campeão da Libertadores da América não se explica por fatores meramente táticos, físicos, técnicos, piscológicos, culturais ou comportamentais. E sim pela soma de todas essas partes, em um pensamento complexo e profundo.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, o jornalista aborda ainda mais a sua experiência com os alunos uspianos, explica a sua tese argumentativa sobre a relação entre o videogame e o jogo "vertical" desempenhado pelos jovens e diz por que acredita que a seleção brasileira não se sagrará campeã atuando em casa em 2014.


Além da participação em programas e no comentário de jogos, Calçade é o apresentador do "Segredos do Esporte", que sempre busca abordagens diferentes

 

Universidade do Futebol - Conte-nos um pouco sobre a disciplina de jornalista esportivo que você desenvolve na Escola de Educação Física e Esporte na USP.

Paulo Calçade - Surgiu depois do curso de pós graduação em treinamento de futebol. Havia esta disciplina, já, e fiquei quase 10 anos como professor convidado.

A partir de 2013, ela deverá contar com um outro docente, o Ary Rocco, e o objetivo, se a escola aprovar, é torná-la uma disciplina optativa. Além da matéria de graduação do curso de Esportes, poderíamos atingir outras faculdades, também.

Na classe, meu objetivo, em 30 aulas - 15 aulas duplas - não é ensinar ninguém a ser um jornalista esportivo, mas mostrar este mundo para o estudante do curso de Esportes.

Provavelmente ele irá interagir com profissionais de mídia. E dentro da Indústria do Esporte, procuro mostrar o que é jornalismo, o que é entretenimento, onde eles se cruzam, os cuidados que devemos ter para que um não contamine o outro, etc. Tento mostrar este mundo e os valores desta esfera de atuação.

Passo também por uma etapa de levar convidados do mercado, para que possamos aproveitar o diálogo.

O terceiro momento é o de trabalhos, que basicamente tem muita liberdade. Costumava levar os grupos para dentro da ESPN, e cada um deles acompanhava um determinado programa, uma determinada transmissão, etc. De nove grupos, sete ou oito quiseram conhecer uma televisão por dentro, e é sempre um grande impacto: ela é muito diferente do que a gente imagina.

Dava a base, passava pela parte de interatividade com profissionais da área, e depois mostrava um veículo da área. A prova era conversada, e o curso sempre foi muito gratificante.

 

Entrevista com Ary Rocco, professor de jornalismo

 

Universidade do Futebol - De que forma os jornalistas que não foram atletas fazem para compensar a falta de conhecimento prático? Qual é a importância da teoria e da prática para a capacitação profissional do jornalista esportivo?

Paulo Calçade - Essa é uma grande barreira que ainda precisamos vencer. Os grandes trabalhos no mundo do esporte, e do futebol em especial, possuem o conhecimento produzido dentro das universidades. Muita coisa pode mudar quando é conduzida para a prática, mas essa base acadêmica, de pesquisa, é fundamental.

Não dá mais para sairmos do campo, virarmos treinadores, sem passar pela academia. E isso vale para qualquer profissão. Não há como não ter contato com a teoria. E nosso futebol, especificamente, está muito preso a isso.

Na verdade, quem jogou e virou treinador acabou sendo uma colagem daquilo que achou ser melhor, mas sem ter o que confrontar. E o conhecimento dentro das universidades vai sendo produzido, testado e ampliado pelos pesquisadores sem convergir com esta modalidade.

Temos algumas exceções, como a Universidade do Porto, que é talvez uma das grandes produtoras de conhecimento no futebol - Júlio Garganta, Vitor Frade, que conseguiram levar isso para os clubes portugueses. O FC Porto possui um vinculo muito forte, e tem uma linha traçada a partir desse ambiente.

Claro que o melhor dos mundos seria ter a experiência prática agregada a esse conhecimento. Mas hoje confio mais naquele que tem conhecimento do que naquele que apenas jogou.

Entender uma metodologia de treinamento é o que esses profissionais citados têm. O FC Barcelona, grande case do futebol moderno, tem tudo isso, com Francisco Seirul-lo, que desde 1994, vindo do Instituto de Educação Física, cria as bases de todas as modalidades esportivas do clube.




Confira a entrevista na Universidade do Futebol com Júlio Garganta, Doutor em Ciência do Desporto- parte I e parte II 
 

Universidade do Futebol - É possível enxergar um avanço do futebol a partir da relação com outras modalidades, em se considerando adaptações a técnicas e treinamentos específicos?

Paulo Calçade - Essa conexão do futebol com os outros esportes é muito interessante e importante. Se você olhar o jogo do futebol do Barcelona com a visão de quem pratica o futsal, é possível enxergar várias "quadras".

O futsal te obriga a participação tática integral. Você é um ator, um protagonista do jogo, e atua sem a bola, produz espaços, interage com seus companheiros, e necessita estar constantemente em ação.

Digo que o Barcelona superou a sistematização tática . Para mim, ele nunca atuou no 4-3-3. Vejo, sim, jogadores dando profundidade pelos lados, e até isso tem mudado - fruto da inteligência do Guardiola.

O professor Manuel Sérgio recentemente escreveu um texto sobre isso, em relação às fontes das quais o Barcelona bebe. É o jogo mais coletivo que temos. Guardiola, Messi, e qualquer outro atleta: eles jamais trabalharão em qualquer outra equipe da maneira como se comportam naquele ambiente catalão.

Não gosto de chamar de "Futebol Total", mas sim de "Associativo", "Coletivo" e "Complexo". É simples de se ver, mas há muita complexidade para se chegar até lá.

O resultado atingido é por que eles não se concentram? Ou por que o Guardiola tem muita inteligência para encaixar suas peças, como se brincasse de "Lego"? É por que eles têm um jogo coletivo? Ou por que eles têm gente estudando há mais de 20 anos os esportes e ditando os caminhos da preparação, fazendo inclusive Periodização Tática? Não é só isso, mas tudo isso junto.

Não adianta citar um fator para explicar a complexidade do jogo do Barcelona. É a soma de todas essas partes. E se não houver um pensar, um conhecimento teórico para entender esta teia e onde cada ponto se relaciona, não se vai conseguir evoluir.

Entendo que estamos em um momento que quem conseguir quebrar esses paradigmas, vai avançar, pois o mundo do futebol está caminhando; quem achar que o jogo dos anos 60 é o mesmo de hoje, e "apenas o que sei é o que vale", os resultados não devem ser positivos.




O todo é mais do que a soma das partes ou o jogo Barcelona-Santos: a análise do filósofo português Manuel Sérgio

 

Universidade do Futebol - No Brasil, especificamente, você vê a aproximação entre o ambiente acadêmico e os clubes, no que se refere a estudos e aplicações, ou não?

Paulo Calçade - Não. O que vejo são profissionais com essa capacidade de administrar essa complexidade, mas completamente isolados. Vemos a Universidade do Futebol, com [João Paulo] Medina, [Eduardo] Tega, Rodrigo [Leitão], e todos envolvidos, e percebemos que há gente; na USP, oprofessor [Antonio Carlos] Simões, a Kátia Rúbio, o Júlio Cerca Serrão, etc., que poderiam fornecer esse conhecimento aos clubes, mas estão dentro da academia.

A capacidade existe, mas necessita haver o discernimento para utilizá-la.

Os clubes citados, como Porto, Barcelona, não devem ser copiados. O que precisamos no Brasil é adotar esse "conhecimento desconhecido", que está à disposição, mas não converge para a prática.

Se eu fosse presidente de um uma grande agremiação, com umas canetadas, e condição financeira, implantaria algumas ações.

Ao Corinthians, por exemplo, foi apresentado um projeto do PC Oliveira, treinador da equipe de futsal, de juntar os treinamentos de futsal e futebol, nas categorias de base, com ambos times competindo em suas modalidades, mas treinando em conjunto.

A cada período, iria diminuindo unidades de treino de uma e ampliando à outra, até o momento correto da definição. Isso não vai atrapalhar o momento da transição.

É uma saída, uma possibilidade, uma orientação. Há profissionais que poderiam muito bem criar um sistema de treinamento, amparado em uma metodologia de treinamento.

Para isso, teria de se tirar os apadrinhados e as questões políticas internas. Mas o exemplo é péssimo hoje. Apenas o goleiro do time campeão brasileiro, que passou dos 25 anos, é fruto do trabalho da base.

O clube, qualquer um, deveria anunciar oficialmente pela sua diretoria que disputaria títulos quando tivesse uma grande equipe. E primeiro trabalharia para formar esta grande equipe. Mas temos muitas falhas neste sentido, e lamento que nossa base esteja perdida.

Como a Alemanha consegue produzir tantos jogadores bons ultimamente? O Barcelona é uma exceção? E precisamos nos voltar apenas para a regra? Mas muita gente só conheceu o time do Guardiola naquele domingo de manhã, na partida contra o Santos...

 

A preparação física no FC Barcelona

 


Universidade do Futebol -
 As análises gerais desse duelo em questão - a final do Mundial de Clubes disputada no Japão - realizadas pela mídia reforçam a tese de que olhamos apenas para a parte, sem compreender o todo e a complexidade da integração entre todos os fatores do desempenho esportivo?

Paulo Calçade - Exatamente. Claro que escalar três zagueiros não foi a melhor escolha do Muricy Ramalho, mas isso, ao meu ver, é um erro conceitual: o Barcelona faz a transição do meio-campo com toque de bola, e não possui nenhum centroavante.

Isso contribuiu para a derrota? Sim. Foi o fator determinante? Não. O Santos não permitiu que o Neymar jogasse, justamente porque olhamos o futebol com os elementos que criam a individualidade. "Se você tem um jogador genial, ele irá decidir a qualquer momento".

O Santos esperava que o Neymar fosse o diferencial. Só que ele pouco participou das ações do jogo, e o gênio não desabrochou, pois não havia futebol coletivo.

Voltando para a casa, ouvindo alguns programas de rádio, uma sugestão de um comentarista era que deviam ter batido mais no Barcelona. Essa é a solução do futebol brasileiro? Claro que não.

O Jordi Mestre, no Footecon 2011, foi muito claro. Ele questionou o tipo de jogador que o Brasil pretende formar. E essa pergunta vem depois daquela: "que tipo de futebol queremos jogar?". Produzimos um jogador para atuar de determinada maneira.

O dirigente tem de ter noção dessas questões. Ou nunca conseguirá presenciar um avanço em seu clube. É a instituição quem deve definir uma meta, presente em sua filosofia, e a partir disso contratar profissionais com determinado perfil.

Sobre a imprensa: estamos percebendo que o futebol do Barcelona é ideológico? Posse de bola e passe, com movimentação constante. O Guardiola está tendo uma temporada genial, independentemente dos títulos, e criou uma maneira de o time se desmarcar. Hoje existe um novo Barcelona, que superou a sistematização tática, que joga com movimentação e ocupação de espaço o tempo todo.

É lindo ver o Xavi se movimentando para a ponta de um triângulo, para receber o passe. Sempre quem tem a posse de bola tem uma opção. E devemos olhar para o rúgbi: o que tem um a ver com o outro? Nada, mas tudo. No rúgbi, quem tem a bola só pode passá-la para trás; quem tem a bola, precisa do companheiro, cuja importância é a mesma daquele que tem a posse.

Ao pegar o Barcelona jogando, em comparação com as outras equipes, cujos atletas muitas vezes abdicam da movimentação, é possível entender as diferenças.

Isso é exceção porque ninguém faz. É um modelo que dá trabalho, pois não tem Messi, Xavi e Iniesta em todo lugar. Mas não podemos nos limitar aos "linhas duras" e devemos criar novos filtros.

Nós, jornalistas, acabamos abraçando determinados conceitos arcaicos e quando eu comecei a buscar algo além do que achava que era o futebol percebi isso. A repetição daquilo que crescemos ouvindo ou lendo é um problema, e se libertar das frases feitas e dos pensamentos mal acabados é um grande passo. Ninguém sabe tudo de futebol.


Rodrigo Leitão analisa o choque de realidade: Santos FC vs FC Barcelona

 

Universidade do Futebol - Você costuma alertar que os jornalistas esportivos precisam entender melhor a velocidade na qual o conhecimento circula hoje em dia. Em sua opinião, o que os profissionais da comunicação devem fazer para serem competentes neste novo cenário de globalização?

Paulo Calçade - Acredito que primeiro devemos separar informação de conhecimento. Você precisa avançar no conhecimento e a partir daí adaptar as informações àquilo que você precisa. Caso não haja um direcionamento, você irá sofrer e irá se sentir sufocado.

Outro dia conversava com uma pessoa de uma grande agência de relações públicas e falávamos sobre esse volume diário de notícias. Ela diz que em breve iremos ter a necessidade de um curador de informações para poder filtrar o que é do interesse daquela turma, daquele negócio. Um gerenciamento, mesmo.

Ao chegar aqui na ESPN, abro a caixa de e-mails e tenho mais de 150 mensagens na caixa eletrônica. Provavelmente irei aproveitar cinco destas, mas tenho de pelo menos olhar o enunciado.

Temos de estabelecer um caminho direto sobre nossa área, e depois partir para o conhecimento, que deve ser buscado sempre. E quanto mais você busca uma coisa, mais você percebe que nada sabe (risos).

Virar um personagem nesta área do jornalismo esportivo é muito comum. E é preciso cuidado em relação a isso, apesar de haver muitos consumidores para esse tipo de profissional.

Construir conhecimento é complicado. O Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho] falava que a televisão a cabo é uma opção à televisão aberta. E se ela começar a copiar a TV aberta ou estiver parecida, algo está errado.

É importante que os canais por assinatura tenham isso em mente: a informação com qualidade deve ser sempre prezada.

Tem muita gente querendo informação de boa qualidade trabalhada pelo conhecimento. A análise desse conteúdo pode existir em qualquer TV, mas é que a aberta nem sempre confere o espaço para isso, e as coisas são muito mais simplórias.

Se você for analisar um jogo em um canal aberto por um viés específico, profundo, não irá durar 10 minutos. Se falar que o jogador "é vagabundo, não presta, etc.", o sucesso será grande.

Nós temos escolhas. Alguns querem trabalhar daquele jeito. A minha consciência não permite. Mas tenho a obrigação de saber o que quero oferecer e para onde está caminhando este negócio de que gosto chamado esporte.


"Virar um personagem nesta área do jornalismo esportivo é muito comum. E é preciso cuidado em relação a isso", pondera Calçade

 

Universidade do Futebol - Hoje se coloca muito da culpa por atitudes violentas (da torcida e dos atletas) àquilo que é veiculado pela mídia. Como o Mídia Training pode ajudar atletas, treinadores e dirigentes sem tirar a espontaneidade ou autonomia de raciocínio?

Paulo Calçade - Melhorar um profissional em uma área na qual ele vai ser exigido é ótimo. O Mídia Training pode fazer com que este se comporte bem em uma entrevista. Não vejo mal nenhum.

As pessoas, antes de tudo, porém, precisam ter conhecimento. Aquelas que não o têm, terão de ter muito Mídia Training, pois irão bater sempre em um mesmo ponto.

Quem tem um conhecimento profissional qualificado pode ser muito didático. O Tite é um exemplo disso, no caso do futebol. Brincam quando ele fala sobre "treinabilidade", mas quem atua e convive na área da Educação Física e do Esporte sabe que faz parte.

Quando não conhecemos, ou ignoramos, ou acabamos passando vergonha por achar que aquele treinador em questão está cometendo um erro.

Me policio muito para não ficar conceituando determinado atleta ou treinador, por exemplo, se ele comete determinada falha na pronúncia, na concordância verbal, etc.

Do outro lado tem um ser humano que merece respeito, uma família, e devemos criticar sem entrar no caminho do juízo de valor.

Os treinadores poderiam ser mais didáticos sobre as atividades aplicadas em determinado dia de trabalho, referentes a carga de trabalho, objetivos, etc.

Tive um professor, o José Luis Fernandes, que dava aula sobre treinamento em campo reduzido. E o objetivo tinha de ser bem traçado, tanto nas partes físicas, quanto técnicas, táticas e psicológicas.

O problema é: quantos treinadores ou preparadores físicos estão aptos a elucidarem esta questão para o repórter?

 

A treinabilidade de Tite e o preparo dos profissionais: Mídia Training pode ser útil, mas qualificação é sempre mais relevante
 


Universidade do Futebol -
 Qual a leitura que você faz entre o futebol-arte ou manifestação artística e o futebol enquanto negócio? É possível conciliar estas duas dimensões?

Paulo Calçade - Eu acho. Quando vou ao teatro assistir ao 
Grupo Corpo, que eu acho o máximo, um grupo mineiro, de dança, eu vejo um trabalho espetacular, e vejo um negócio.

Quando vejo a companhia da Deborah Colker, que é professora de Educação Física e mistura muito esta área em suas apresentações, eu vejo espetáculo e negócio.

O futebol inglês é um exemplo de atividade que até conseguiu melhorar sua estrutura, seu modo de jogar, para se adequar a um ambiente de negócio.

O matchday do Chelsea, do Manchester United, do City, rende muito em termos de faturamento. Nossa equipe dos canais ESPN mostrou na Alemanha um playground para que os filhos pudessem ficar com os monitores enquanto os pais estavam dentro do estádio assistindo ao jogo. Tratava-se de um ambiente de negócio. E de um espetáculo.

Observava nas minhas turmas da USP algumas discussões em que o dinheiro aparecia como o grande vilão do esporte. Ele pode ser o vilão de qualquer manifestação artística, de qualquer relacionamento, assim como pode ser a comida, o sexo, a bebida. Tudo mal empregado vira um problema.

A corrupção tem no esporte, na política, no jornalismo. Não devemos estabelecer esses conceitos e identificar em setores os problemas como imutáveis. As coisas mudam, sim. Inclusive no futebol.

Os clubes brasileiros terão novos estádios, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, na Bahia, no Ceará, no Rio Grande do Sul. Se a partir dessa mudança física e estrutural não conseguimos melhorar nosso ambiente do futebol, inclusive com grandes ideias, será nossa grande derrota.

Sinto que faltam dirigentes, acima de tudo, com mais conhecimento sobre o ambiente no qual eles atuarão.

Universidade do Futebol - O Sócrates costumava dizer que se as pessoas acharem que o futebol é aquele da TV, o mesmo iria paulatinamente acabar. Você concorda com esta opinião?

Paulo Calçade - Totalmente. Tenho falado e escrito muito sobre isso, inclusive. Nós temos uma geração de consumidores e torcedores que cresceu jogando videogame, assiste ao jogo basicamente pela televisão, está acostumada a diversas câmeras, replays, e isso se trata de um jogo virtual, mecanizado e pautado pela tecnologia.

O jogo real é completamente diferente. Estar no campo é uma experiência muito diferente, e senti isso na pele, com pouco mais de 10 anos. Lá, percebi que os jogadores erravam mais, e achei o jogo mais chato. O da televisão era melhor. Isso naquela época.

Tenho uma tese de que o jogo está muito vertical por causa do videogame, ambiente de aprendizagem inclusive para os atletas. Os garotos costumam pegar a bola e reproduzir no campo aquilo que fazem no jogo virtual. E isso é um perigo, pois acabamos criando pessoas intolerantes.

No futebol da TV está tudo errado: o bandeirinha errou, o árbitro errou, o treinador errou, e o jogador, aos 45 minutos do segundo tempo, também. E ninguém tem a preocupação sobre a condição de cada um deles. Falta essa percepção de entender o que está ocorrendo ali dentro.

Todos também ficam valentes no anonimato da internet. E acredito que as pessoas deveriam ir mais para campo. Na televisão, o jogo não é humano. E no videogame, muito menos.


Saudoso Sócrates sempre demonstrava preocupação com as relações humanas; Calçade vê jovens encarando o jogo como algo virtual, mecanizado e pautado pela tecnologia

 

Universidade do Futebol - Você é otimista em relação ao futuro do futebol brasileiro?

Paulo Calçade - Eu estou sempre otimista. Costumo ver sempre o copo meio cheio. Mas vai demorar muito para as coisas melhorarem. Do jeito que vamos, não venceremos a Copa.

Os brasileiros que conheceram o Barcelona no dia 18 de dezembro de 2011 levaram uma pancada. Percebermos que existia algo diferente, sendo que isso já ocorria há três anos.

Demoramos muito tempo, e acredito que terá de vir outra pancada para aprendermos. Isso porque foi um brasileiro apanhando; se fosse um time alemão, não teríamos dado a mínima.

Não digo que torço por uma derrota em casa, mas sim que está muito difícil ganhar a Copa, e isso pode criar um clima semelhante àquelas depois da derrota nas Olimpíadas para os Camarões, com uma série de CPIs.

Não precisaríamos esperar tanto, mas nosso pragmatismo, com treinadores ganhando 700 mil reais, montando equipes sem essência, sem filosofia, causa chateação.

O que podemos fazer, respeitando as características do futebol atual, para dar espetáculo e jogar bem? Quando um time espanhol nos ensina jogar "à brasileira", algo está muito errado.

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Benê Lima