Por Benê Lima
O primeiro time feminino da história / Divulgação |
Uma
visão filosófica mais geral
Creio que quaisquer análises dessa modalidade, perpassam pelo esforço
de cada um de nós em lançarmos mão das visões sociológica, antropológica e até
mesmo ontológica que influencia o ser humano. Ademais, também não podemos
desprezar o aspecto moral e cultural da sociedade brasileira, posto que eles consubstanciam
nossos usos e costumes, sendo, como tal, elementos retro alimentadores para a
manutenção do status quo vigente.
Esse estado é algo imanente à condição de desigualdade histórica do
tratamento dispensado a homens e mulheres, o que torna compreensível, embora
não mais aceitável, as diferenças entre aqueles e estas. Portanto, não me
parece que seja o futebol ou mesmo que dele derive a origem dessas diferenças.
Não por acaso, tenho dito que essa situação da mulher no futebol feminino deve
inspirar-se na busca da superação de um atavismo que tem muito de renitência, o
que dificulta sua extirpação. Daí, temos no Brasil um quadro em que a conquista
do futebol feminino pode ser traduzida pela luta da igualdade de gênero, pelo
esforço da mulher por sua emancipação, e por fim, pela busca épica, embora
incessante e gradativa, de uma pretensa e legítima condição de igualdade. Mas
aqui cabe uma observação importante e para a qual chamamos a atenção, ao
introduzirmos a igualdade preconizada na filosofia do direito de certo
pensador, que preconizava ‘dá-se aos desiguais com desigualdade, na proporção
em que se desigualem’. O mais, segundo ele, seria desvario da inveja ou mesmo
da própria loucura.
CBF e seu Comitê de Reformas / Divulgação |
CBF
e investimentos
É interessante relembrar que ao inaugurar o Comitê de Reformas, a CBF
deu-nos a oportunidade, por nós desperdiçada, de promovermos uma revolução em
sua estrutura, a partir de uma retumbante reforma em seu estatuto. Aquelas 66
páginas poderiam expressar muito do que gostaríamos de ver, como resultante do
esforço das nossas entidades de administração e de prática desportiva, no
sentido de um balizamento da gestão daquela entidade-mater. Nossa experiência
na lida e cogestão do Conselho do Desporto do Estado do Ceará consubstanciava
nossa crença não só nessa possibilidade, como também na maior legitimação das
decisões da Confederação Brasileira de Futebol.
Com a frustração dos efeitos positivos do tal Comitê, embora o futebol
feminino tenha obtido destaque pelo mérito de sua extraordinária mobilização,
tivemos mais do mesmo, e a modalidade só não ficou na mesma pelas iniciativas
da FIFA, que ainda assim, por razões de natureza ética e legal, reteve o
repasse da verba oriunda do legado da Copa do Mundo de futebol masculino de
2014, destinada ao futebol feminino, só liberando os recursos a posteriori,
mediante condições de lisura exigidas pela entidade maior do futebol mundial.
A CBF me parece não uma empresa única, mas um conglomerado de
departamentos empresariais estanques. Isso não deve ser encarado como um
equívoco de sua administração, mas como característica e estilo da
administração da entidade. Ao que nos consta, o departamento de maior superávit
é o que trata da Seleção Principal de Futebol Masculino. E para quem tem uma
noção da filosofia da entidade, sabe-se que as boas ideias não são devidamente
valorizadas se não forem acompanhadas da solução financeira.
Na verdade, só nos resta torcermos para que o atual ciclo histórico da
CBF contemple uma nova discussão quanto à utilização de seus superávits.
Afinal, a história tem mais trens do que pode nos parecer.
Outro fator ligado à CBF ao qual
frequentemente se direcionam críticas é o que respeita ao fomento do futebol feminino.
Sobre essa questão, conversamos com o diretor de competições da entidade,
Manoel Flores, através de entrevista que ele concedeu à FCFTV, quando na
ocasião sugerimos que fosse instaurado um regime de intercooperação entre o
ente público federal (governo) e a CBF, a fim de que pudéssemos engendrar uma
política de desenvolvimento para a modalidade (futebol feminino). Flores se mostrou
receptivo à ideia, revelando inclusive que esse diálogo seria interessante.
A ideia da intercooperação era, além de dividir responsabilidades pelo
ideário das políticas de fomento, teríamos ainda uma divisão dos custos dessas
políticas. Ademais, a criação desse diálogo entre o ente público e o privado,
certamente se constituiria num elemento de sensibilização da FIFA, situação que
poderia render dividendos para a modalidade em nosso país.
CBF Social em Fortaleza - Ceará / Divulgação |
Modelo
de desenvolvimento “made in Brasil
Quaisquer modelos de desenvolvimento pensado para o futebol feminino,
não pode descurar de dois aspectos básicos. O primeiro deles é o esportivo, com
todas as suas implicações, complexidades e dificuldades. O outro é o modelo de
desenvolvimento e fomento a esse desenvolvimento, sem o quê será improvável
dar-se exequibilidade a quaisquer projetos.
Neste ponto, vale uma reflexão quanto à gênese de inspiração do modelo
desenvolvimentista, evitando-se as corruptelas das ‘copyrights’ ou cópias ‘ipsis
litteris’ de modelos como o norte-americano e francês, que não guardam uma
relação factual de viabilidade com a realidade brasileira. Distamos do modelo estadunidense pela
desestrutura do estado brasileiro, que promove as carências de nossas escolas
públicas e universidades. Já quanto ao modelo francês, com o qual temos maior
identificação, ainda assim é-nos impossível constituirmos mil núcleos
subsidiados para a modalidade, a partir do sub-8. Portanto, cabe-nos o desafio
de pensarmos um modelo meio que híbrido de desenvolvimento, iniciando-se o
apoio aos principais núcleos de futebol feminino em diferentes regiões do
território nacional. Esses núcleos teriam que ser identificados, mapeados, mais
qualificados e por fim credenciados, com o objetivo de, como núcleos formadores
e fomentadores da modalidade, pudessem receber os bônus do apoio
público-privado, sendo periodicamente fiscalizados e avaliados, nos moldes da
certificação dos clubes formadores. Desse modo, cumprir-se-ia a premissa de que
“seleção não é lugar de formação”, devendo tal processo se dar no âmbito das entidades
de prática desportiva, tais como times em geral, associações e projetos
sócio-desportivos.
Seleção Feminina Principal / Divulgação |
Um
modelo de gestão, coordenação e comando técnico harmônicos
O futebol feminino é um negócio, um mega negócio, e como tal não lhe
cabem digressões misóginas ou sexistas. Logo, a seleção de seus dirigentes não
precisa estar apoiada em reserva de mercado ou questão de gênero. Há que se terem
critérios e a meritocracia deve nortear as escolhas e indicações de nomes. O
modelo de gestão deve ser evidentemente de responsabilidade da CBF, enquanto
que a coordenação da modalidade deve ser exercida por um dirigente que saiba
estabelecer o necessário link entre o comando da entidade e os executores de
suas políticas, em todos os níveis que se possa conceber. Essa coordenação
também promoverá a integração das políticas gerais de desenvolvimento da
modalidade, bem como estabelecerá um diálogo constante entre as diferentes
categorias da formação e base, observando ainda a hierarquização necessária de
todos os processos, em que a Seleção
Principal será o desaguadouro. Todavia, a adequação do Calendário de Competições ao
projeto desenvolvimentista far-se-á também necessária, sob pena de termos tal
processo de desenvolvimento atrofiado.
Buscar-se-á a compatibilidade na execução das políticas, desse modo
evitando-se as desarmonias departamentais. Um exemplo clássico disso é fazer-se
com que o comando técnico da Seleção Principal esteja consensualmente
harmonizado com o que se pretende levar a efeito como ações. Um treinador ou
treinadora não poderá jamais discrepar das matrizes conceituais do projeto, tampouco
tentar interferir na execução de quaisquer das políticas, sejam esportivas ou
de gestão.
A discussão encontra-se em aberto, e as contribuições serão sempre bem-vindas.
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*Benê Lima é Cronista Esportivo, Gestor
Esportivo, Ex-Membro do Conselho do Desporto do Estado do Ceará, Ex-Presidente
da Liga Cearense de Futebol Feminino, Ex-Coordenador de Futebol Feminino da
Federação Cearense de Futebol, Membro do Instituto UNIFUT (Unidos Pelo Futebol)
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