Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, junho 12, 2013

Crítica] A "arenização" do Brasil

Escritos (não muito sóbrios) sobre economia, mercado financeiro e afins.

Arena Amazônia, vulgo Elefantão

Quem tem o mau hábito de acompanhar o mercado financeiro ou o fluxo de notícias econômicas, provavelmente nos últimos dias se perguntou, tal qual os personagens do fabuloso Conversa na Catedral: em que momento o Brasil se fodeu (neste ciclo, claro, não vai ser a primeira vez, nem a segunda, terceira, quarta, etc)? Pois bem, amigos, minha resposta é: o Brasil se fodeu quando começou a construir / reformar estádios de futebol e chamar esses novos projetos de "arenas".

A "arenização" do Brasil começou, claro, com o sucesso da candidatura para sediar a Copa do Mundo de 2014. O governo novo-rico achou por bem jogar no lixo qualquer critério econômico para definir como seriam os gastos para o Mundial. Primeiro, ao fazer questão de doze cidades-sede (a Copa de 1994, nos Estados Unidos, de dimensões parecidas, tinha nove). Segundo, ao incluir entre essas cidades algumas onde grandes estádios jamais proverão grandes benefícios à população, quanto menos retorno financeiro (ficaram famosas as 
contas dos séculos que seriam necessários para pagar o estádio de Manaus, por exemplo). Terceiro, ao decidir construir novos estádios mesmo em cidades onde seria possível apenas reformar estádios já existentes (como São Paulo e Recife).

Sediar uma Copa do Mundo tem custos conhecidos e benefícios difíceis de serem medidos diretamente. Pode-se escolher gastar mais ou menos para resultados parecidos, e o Brasil claramente resolveu esbanjar - por húbris ou pela conveniência política de atender aos interesses de uma legião de rent-seekers, numa oportunidade que dificilmente se repetirá em uma geração.

A mania, porém, não se limitou ao governo e aos estádios da Copa: clubes como Grêmio e Palmeiras também resolveram erguer suas arenas, mesmo sem sediar jogos do Mundial e contando apenas com financiamento do setor privado. Bom para os clubes, talvez não tão bom para quem colocou dinheiro nas obras - e esse é um problema compartilhado com quem investiu em muita coisa no Brasil. Os que conhecem melhor os detalhes corrijam as minhas possíveis leviandades, mas imagino que esse investimento está baseado em algumas premissas, como:

  • O espectador de futebol brasileiro enriqueceu e seguirá enriquecendo, portanto poderá pagar mais caro por ingressos, estacionamento, comida, material esportivo, etc;
  • O futebol brasileiro está melhor e deverá atrair um público médio crescente;
  • A gestão dos clubes está mais profissional, o que reduz riscos de operação ou de quebra de contrato;
  • As arenas poderão ser utilizadas para shows, cobrando bons aluguéis, já que o público brasileiro paga os ingressos mais caros do mundo;
  • As arenas atrairão empresas dispostas a pagar muito para atrelar seu nome a elas;
  • Os juros brasileiros caíram e permanecerão baixos, de forma que investimentos são atrativos mesmo com taxas de retorno baixas para o padrão histórico do país.
Algumas dessas premissas podem ser verdadeiras, mas muitas dependem da concretização da frase mais cara para qualquer investidor: "desta vez é diferente". Mudanças de paradigma ocorrem menos frequentemente ou são menos previsíveis do que os vendedores de projetos querem fazer os investidores acreditar. Creio que muito do sentimento atual com os mercados no Brasil é fruto menos de uma piora nos fundamentos ou na condução da política econômica do que de um reencontro com a realidade de premissas exageradamente otimistas e alguns delírios e fraudes. Na mesma linha, no campo das finanças públicas, hoje o Mansueto escreveu:
 
Twitter Mansueto Almeida
 
Nesse sentido, não ficaria espantado caso comecem em breve a aparecer papagaios mesmo nas arenas que não contaram com dinheiro público (rombos nos clubes aparecerão de qualquer jeito, sempre aparecem - já escrevi um pouco sobre isso aqui). Projetos desse tamanho são instrumentos de investimento difíceis: exigem grande capital na saída para retornos ao longo de muitos anos, horizonte no qual incertezas inicialmente desconhecidas aparecem e se compõem com as já conhecidas.

Evidentemente não serão só as "arenas" que terão fodido o país, mas vejo-as como os maiores símbolos da combinação de arrogância, exagerado otimismo, planejamento tosco e picaretagem que vêm derrubando o Brasil, como foram para a Espanha os aeroportos e condomínios no meio do nada ou para Dubai os arranha-céus futuristas. A decisão de enterrar dinheiro (grande parte público) em estádios de futebol será vista como o marco do auge de um ciclo em que o Brasil imaginava estar na rota inevitável para se tornar um país rico, apenas para, poucos anos depois, perceber que tínhamos tido pouco mais do que a sorte de, por um tempo, produzir o que os chineses queriam comprar em grandes quantidades.

Fico apenas nos aspectos econômicos, mas há outras discussões relevantes para o fenômeno das arenas - como elas marcam uma descaracterização do público tradicional de futebol no país, os estragos em patrimônios arquitetônicos (a notícia mais recente é - ugh - de uma possível "arenização" do Pacaembu pela nova prefeitura neoliberal - e fica como exercício para o leitor mais desocupado tentar criar um cenário onde São Paulo pode manter três arenas multiuso viáveis), e, possivelmente, tantas mais. Deixo-as para outros cientistas sociais mais capacitados. De qualquer maneira, no futuro, quando passar com meus eventuais netos pelas ruínas de uma dessas arenas, usarei-as para contar, dentro das limitações da minha bagagem, a história de como, na minha geração, o Brasil se fodeu.

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Benê Lima