Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, junho 12, 2013

Futebol se aprende na escola

Cabe ao professor desenvolver estratégias favoráveis para o desenvolvimento dos alunos, inserindo-os dentro do contexto pedagógico da escola

Jorge Araújo / Universidade do Futebol

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No Brasil, muito se fala de um passado, no qual os meninos aprendiam a jogar futebol somente na rua, e que, hoje em dia, as escolinhas de futebol estariam atrapalhando a formação dos jogadores, em razão de se utilizarem de metodologias consideradas equivocadas, e sem nenhum conteúdo lúdico.

Alguns analistas profissionais do futebol defendem essa tese, apontando-a como a principal responsável pela atual “escassez” de grandes “craques”. Essa visão precipitada em relação ao processo de iniciação do jogador de futebol profissional vem alimentando certos “preconceitos” em relação aos profissionais e às instituições que se propõem a instruir crianças e adolescentes nas práticas do esporte coletivo mais democrático do mundo.

Na verdade, o conceito de “escolinha de futebol” não é tão recente quanto se imagina. É possível, até mesmo, ouvir de grandes ídolos de nosso futebol entre os anos 1960 e 1970, a respeito de suas experiências durante a infância, com aqueles que seriam os “técnicos” mais relevantes para suas carreiras.

Quando foi trazido ao Brasil, há mais de um século, o futebol era praticado e apreciado, exclusivamente, pelas classes mais abastadas. Com o passar do tempo, os jovens das classes menos favorecidas, tentando adequar a prática do futebol à sua própria realidade, criaram várias ”brincadeiras de jogar bola”, que foram adicionadas ao acervo popular de brincadeiras. Entre elas, podemos destacar: o bobinho, o controle, a rebatida e a mais importante, a pelada.

Brincar de "Jogar bola" podia ser a qualquer hora e em qualquer lugar, estando ou não descalço, com ou sem camisa, na grama, na terra, no asfalto, na lama, na areia, no concreto, etc.

Esse conjunto de iniciativas construtivistas foi definido pelo professor João Batista Freire como, "pedagogia de rua". Essa pedagogia era a ideal para o desenvolvimento das técnicas, e da criatividade dos nossos jogadores.

Com o passar do tempo, o futebol se transformou num "fenômeno mundial" de consumo das massas. Isso despertou o interesse de estudiosos da área esportiva, estrategistas, empreendedores e curiosos em geral, em explorar esse novo nicho.

Em uma economia ainda pouco estruturada, o termo "explorar", na maioria das vezes, significa oferecer serviços de baixa qualidade. Aqui no Brasil, basicamente limitou-se a incentivar a prática indiscriminada do esporte, facilitando ao máximo o acesso de jovens talentosos que, "naturalmente" conseguiam desenvolver seu potencial futebolístico.

Não havia, portanto, qualquer preocupação com a formação do futuro atleta, desde que este estivesse apto a ter um desempenho competitivo numa equipe. A partir daí criou-se a máxima de que "o boleiro bom já nasce pronto". A formação tática do jogador (posicionamento em campo e a utilização de esquemas para atacar e defender) aconteceria somente no momento em que este ingressasse num clube.

Na "pré-história" do nosso futebol profissional, a carreira do jogador era mais curta, e muito menos lucrativa do que nos dias atuais. Mesmo aqueles que se tornaram campeões em grandes clubes e na seleção brasileira, não conseguiram acumular um patrimônio que lhes pudesse garantir uma aposentadoria digna.

Para poderem repor rapidamente, em qualidade e quantidade seu contingente de atletas, os clubes criaram a categoria de "jogadores aspirantes", abaixo apenas da equipe profissional. Surge então, o "técnico professor". Na maioria das vezes, um ex-jogador encarregado de transmitir os valores da agremiação, bem como, sua experiência para os mais jovens.

A crescente profissionalização do futebol motivou a criação de categorias de base para menores, justificando o ingresso de jogadores cada vez mais jovens nos clubes. A exigência quanto ao desempenho desses jovens, por sua vez se tornou tão grande, que gerou uma demanda sem precedentes por "pequenos profissionais" do futebol.

O desenvolvimento de escolas especializadas em ensinar futebol foi uma consequência natural ao aumento da demanda por jogadores cada vez mais jovens. Principalmente, pelo fato de que, até então, nossos clubes não tinham como "missão" instruir crianças quanto aos aspectos mais elementares do esporte, e sim absorver o trabalho daqueles que desenvolviam as melhores performances. No jargão do futebol, ainda é comum a utilização por parte dos clubes de termos como: "lapidar" jogadores, "dar o polimento final" ao atleta, e "garimpar" as novas joias.

A formação do ser humano recebe influência direta do meio ambiente e das experiências vivenciadas desde a infância. Chamamos de "cognitivismo" à teoria que aproxima o meio ambiente e a criança para a construção de uma interrelação que contribui com o processo de aprendizagem.

Os estudiosos entendem o ato de brincar, como sendo: "a principal maneira pela qual uma criança constrói o seu conhecimento, baseando-se em sua interpretação da vida dos adultos". Durante a infância, a "rua" sempre foi o local predileto para se brincar, pois, proporciona uma gama muito grande de estímulos.

O problema é que, atualmente, as crianças estão brincando cada vez menos, seja pelo aumento da violência urbana, pela escassez de espaços apropriados, ou pela adesão a outras formas de entretenimento, como computadores e videogames.

A falta de vivência em brincadeiras ou em outras atividades físicas durante a infância pode acarretar no atraso ou mesmo na inviabilidade do desenvolvimento das capacidades físicas (coordenação, velocidade, força e flexibilidade) necessárias para prática de qualquer esporte, em consequência da não ampliação do "acervo motor".

Negar a "pedagogia de rua" é negar o ser humano e, portanto, a própria vida, pois, a mesma "rua" tem nos ensinado há séculos, como manter um ambiente atrativo e estimulante, o que propicia o processo de aquisição de conhecimento.

Cabe ao professor de uma escolinha desenvolver estratégias favoráveis para o desenvolvimento dos alunos, se necessário resgatando aquilo que aprendemos de positivo no ambiente externo (rua), como as brincadeiras e os jogos, inserindo-os dentro do contexto pedagógico da escola.

Tenha uma escolinha de futebol somente um campo de terra, grama ou areia (no beach soccer); uma quadra de taco ou piso sintético (no futsal); seja esta mantida apenas com recursos públicos ou privados, a verdade é que, há várias décadas tem representado o principal ponto de partida para os aspirantes a jogadores.

E, embora as primeiras escolinhas não tenham surgido na mesma época em que o esporte foi trazido ao país, elas se tornaram parte do universo esportivo do nosso povo, a partir do momento em que surgiu a necessidade de instruir as novas gerações para transmitir e perpetuar seu conhecimento.

Ao fornecerem a estrutura de base para a formação de grandes cidadãos e para a iniciação de possíveis futuros atletas, os proprietários e responsáveis pelas escolinhas de futebol estarão contribuindo para a consolidação destas, como instituições vitais para a manutenção e para o desenvolvimento da nossa "cultura futebolística".

Bibliografia

FREIRE, João Batista. Pedagogia do Futebol. Londrina: Editora Ney Pereira, 1998.

Tags: pedagogia da rua , pedagogia do treinamento , crianças , escola , escolinhas , formação ,desenvolvimento cultura , conhecimento , educação , 

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Benê Lima