Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, julho 22, 2014

A derrota do futebol de condomínio

Torcedores acostumados a assistir jogos pela TV e jogadores descontrolados: a Era Mimimi afundou a seleção brasileira

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Pense na seguinte situação: a Copa do Mundo é na Argentina. Há uma invasão de brasileiros, a maior parte sem ingresso. Eles acampam nas ruas de Buenos Aires, de Córdoba, de Mendonza, de Rosário, de La Plata, de Mar Del Plata... enfim, de todas as sedes. Promovem uma barulheira infernal e não conseguem deixar de ser notados. Pensou?

Pois bem, agora imagine se isso seria real. Esse afinco com que os nossos vizinhos torcem por sua seleção, na vitória ou na derrota (lembrem-se de como eles receberam os derrotados de 2006, com uma invasão no aeroporto de Ezeiza, e compare com a nossa reação, queimando bandeiras e destruindo uma estátua de Ronaldinho Gaúcho naquele mesmo ano), nada tem a ver com a torcida pela nossa. Isso não é culpa só dela, mas de como a CBF a manteve longe do time nacional há, no mínimo, 18 anos.

O torcedor que a acompanha é, sobretudo, um chato. O jogo, para ele, é mais uma balada em que foi convidado pelo “amigo diretor de marketing de uma empresa amiga da CBF”. Ele não tem o costume de assistir ao que é uma partida de futebol. Talvez tenha a mesma impressão dos norte-americanos que o odeiam: é um jogo chato em que dificilmente sai um gol.

É a grande lógica do condomínio. Quer todas as facilidades e o conforto que ele proporciona. O jogo na TV a cabo, se não estiver bom, abandona e vai na padaria – de carro, de preferência. Se ele estiver bom, e a favor do seu clube, o larga do mesmo jeito e vai para as redes sociais contar vantagem de como seu time é bom. A torcida da seleção é exatamente dessa maneira. Enquanto o jogo rola, tira selfies, sai de seus lugares caros para comprar comidas e bebidas e os deixam vazios, sobretudo na volta do intervalo. Se está ruim, ou se está perdendo, em vez de apoiá-lo, vaia e tenta encontrar culpados: os jogadores, o técnico, a presidente...

Mas ela não cabe apenas no estádio. Ela reflete de alguma forma o comportamento dos jogadores no campo – uma outra face desse complexo de condomínio, a de crianças que crescem superprotegidas e que não aceitam desvios de seus planos iniciais de sucesso.

Temi, depois do jogo contra o Chile, que esta virasse a Copa da vitória do futebol de garotos de condomínio. Não discuto aqui a origem deles – muitos nem sequer viveram em condomínios antes de ir para o futebol –, mas a reação. Não acho que é ter colhões pedir para não bater um pênalti. Também não concordo que o descontrole emocional signifique ter brios ou uma ponta qualquer de patriotismo. Como exemplo, só coloco que dificilmente trabalharia com alguém que largasse o fechamento da revista (que é o nosso prazo fatal, quando ela tem que ir para a gráfica e, se perdermos o tempo certo, arcamos com custos extras) porque não aguentou a pressão. Homens choram, mulheres também, todo mundo chora. Descontrole é algo completamente diferente.

Lembrei das crianças com quem convivo no prédio. Na primeira dificuldade, um garoto chora e o pai ou mãe vai consolá-lo. Ele dá chutes ruins, mas o pai deixa que a bola entre no gol, para não desagradá-lo. Nunca ouviram deles um “engole esse choro e vai fazer o que tem que ser feito”. O mundo vai girando, e esse garoto, já adulto, jamais vai sair da infância. E nunca vai perder essa vocação por chorar antes de tentar novamente e conseguir.

Não estou poupando o desastre comandado por Luiz Felipe Scolari, com análises ultrapassadas e baseadas em livro de auto-ajuda e vídeos motivacionais de caráter duvidoso, como já escrevi anteriormente. A seleção foi um horror tático e técnico durante a Copa. Mas, se aqueles atletas vencessem, seria para sempre ressaltada a “emoção”. Aliás, o tempo todo tivemos que flertar com ela. As reportagens da emissora oficial da seleção antes de a Copa começar eram todas chorosas, um apresentador de TV famoso pela “amizade” com os caras do time nacional interrompeu um treino na concentração, em Teresópolis, para levar um garoto de 17 anos com uma doença congênita. Muitos jogadores caíram em prantos. Sério, para que isso?

Jornalistas adoram rotular eras. A Era Pelé, a Era Zico. Em 1990, nosso fracasso foi apelidado de Era Dunga. Eu arrisco um palpite: o fiasco de 2014 se deve à Era do Mimimi.

Fonte: PLACAR

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Benê Lima