Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, julho 11, 2014

Oito lições que o Brasil precisa aprender com os melhores

SIMON KUPER
DO "FINANCIAL TIMES", EM SÃO PAULO

Há exatos dez anos, a seleção alemã estava no fundo do poço. Tinha sido eliminada da Eurocopa 2004 sem derrotar ninguém, nem mesmo a Letônia. Não havia nem mesmo alguém disposto a assumir o comando da seleção como treinador. Naquela semana, perguntei a Jürgen Klinsmann o que havia de errado com a Alemanha. "Não temos um matador no ataque", ele sorriu. "Ainda estamos cometendo o erro de trocar muitos passes laterais. A falta de velocidade pode ser outro motivo". Perguntei se era possível que ele assumisse como treinador da Alemanha: "Não!"

Três semanas mais tarde, Klinsmann se tornou treinador da seleção alemã. Ele e seu assistente Joachim Löw abandonaram a tradição e revolucionaram a maneira pela qual os alemães jogam futebol. Pouco antes desta Copa do Mundo, Klinsmann, hoje treinador da seleção dos Estados Unidos, elogiou a nova equipe alemã para a revista "Elf Freunde": "São jogadores de alta velocidade e muita técnica, que podem jogar um futebol furiosamente ofensivo com mudanças rápidas de posição. Tudo que planejamos em teoria em nossas pranchetas em 2004 se tornou realidade". O massacre do Brasil por sete a um na semifinal pode até se qualificar como hiper-realidade.

Agora o Brasil, no fundo do poço, precisa revolucionar sua maneira de jogar futebol. Eis oito lições que a Alemanha pode ensinar:

1. Não desperdice uma crise. Jamais haverá consenso maior quanto a repensar tudo em seu futebol do que agora. No jargão dos alemães, essa é a "hora zero".

2. O passado é irrelevante. Os cinco títulos mundiais brasileiros nada significam hoje. Só servem para causar a ilusão de que o Brasil continua bom no futebol. O objetivo deve ser jogar como a Alemanha em 2018, e não como o Brasil de 1970.

3. Não culpe indivíduos. Os torcedores brasileiros estavam vaiando o pobre e desavisado Fred, na noite de terça-feira, mas não era sua culpa que ele fosse, talvez, o melhor atacante do país. O sistema falhou. Fred é só um sintoma.

4. A coisa mais importante no futebol é o passe. Não é o drible, a paixão, ou a psicologia. Os alemães são obcecados pela geometria do passe. O Brasil, em contraste, já não pensa seriamente sobre tática, o que é o motivo para que o treinador Luiz Felipe Scolari e a mídia brasileira tenham passado metade do torneio obcecados com a propensão dos jogadores a chorar.

Felipão e Bernard

5. Aprenda com os melhores países. É preciso aceitar que o Brasil já não compreende como jogar futebol. Os alemães de 2004 aprenderam a passar com os holandeses e espanhóis, ritmo de jogo com a Premier League da Inglaterra, recrutamento nas categorias de base com os franceses e condicionamento físico com os norte-americanos.

6. O corolário é que o Brasil provavelmente necessita de um treinador estrangeiro. Klinsmann é alemão mas vive há muito fora de seu país, e foi parar na Califórnia. O Brasil deveria ter convidado o espanhol Pep Guardiola para treinar sua seleção na Copa do Mundo, como sugeriu Ronaldo. É hora de contratar um europeu, e já.

7. Não aceite menos que o primeiro lugar. Para a Alemanha ou o Brasil, o único objetivo é ser o melhor do mundo. Na Eurocopa de 2008, a jovem seleção alemã chegou à final, onde foi destruída pelo passe da seleção espanhola. Löw, o treinador alemão, não se congratulou pelo segundo lugar. Em lugar disso pensou que "quero montar uma seleção como a deles", e começou a trabalhar para tornar seu time mais parecido com a Espanha.

8. Os resultados não serão imediatos, mas é quase certo que o profissionalismo virá imediatamente. A Alemanha lidera o futebol em nutrição, estatística, preparação física e assim por diante. O Brasil precisa ter em mira exatamente a mesma coisa.

O caminho do Brasil para a reforma é mais difícil que o alemão. A federação de futebol da Alemanha tem 6,85 milhões de filiados e é a maior associação esportiva do planeta. O Brasil não tem um poder central comparável para promover mudança em todos os níveis.
O Brasil tem um único gênio, Neymar, que às vezes serve para esconder a doença que assola o futebol brasileiro. (Lionel Messi exerce o mesmo efeito de desaceleração na Argentina.) E geograficamente, o Brasil não está próximo aos países de futebol mais avançado.

Tudo isso dificulta o aprendizado. Mas não há desculpa para chegar à Rússia em 2018 (presumindo que o Brasil se classifique) falando na seleção de 1970 e no jogo bonito. Isso morreu.

Tradução de PAULO MIGLIACCI 

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Benê Lima