"Detectamos o problema do qual fomos uma das vítimas, o levamos à direção da FCF, demonstramos nossa preocupação em reunião do UNIFUT, expomos o mesmo em programas de rádio dos quais participamos e até aqui nada foi feito." (Benê Lima)
Técnicos de times sub-15 e inferiores
aproveitam regra que veta expulsão de garotos e ordenam divididas mais fortes
Daniel Batista, O Estado de
S.Paulo
Os torneios das categorias
sub-15 e inferiores organizados pela Federação Paulista de Futebol (FPF) não têm
cartões vermelhos. A ideia da entidade é dar um caráter pedagógico para as
jogadas mais violentas, mas sem expulsar nenhum garoto das partidas. Contudo,
treinadores e dirigentes de algumas equipes transformaram a decisão em uma
manobra no mínimo controversa – a ordem é chegar mais forte nas divididas e
distribuir pancadas nos adversários para, na teoria, ter a vida facilitada nos
jogos.
Jogadores mostram muita vontade durante os jogos e acabam cometendo faltas duras Foto: Felipe Rau/Estadão
Estado conversou com pais de atletas,
treinadores e a Federação Paulista de Futebol e apurou que alguns clubes têm
adotado a tática de agredir adversários, principalmente os melhores, para tirar
vantagem da regra determinada pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva. “Os
menores de quatorze anos são considerados desportivamente inimputáveis, ficando
sujeitos à orientação de caráter pedagógico”, diz o CBJD.
Um atleta que comete uma
falta mais dura e já tem cartão amarelo, é substituído e não pode atuar na
próxima partida. Como o time não chega a ficar com um jogador a menos, alguns
treinadores pedem para chegar mais forte nos adversários, pois já têm reservas
prontos para substituir o garoto que cometeu a infração. Na súmula, os árbitros
colocam que os atletas expulsos foram substituídos disciplinarmente.
“Sabemos desse problema e
existe uma preocupação com isso”, admite o ex-volante Mauro Silva,
vice-presidente do Departamento de Integração com Atletas da FPF. Para mudar ou
amenizar isso, a entidade que administra o futebol brasileiro foca nos técnicos
e não nos garotos.
A partir de 2019, para
dirigir um time de base, o profissional será obrigado a ter pelo menos a
licença B (para técnico de divisões inferiores) do curso organizado pela CBF.
Atualmente, não existe nenhum pré-requisito para alguém ser treinador de
garotos. A entidade ainda criará um curso para executivo de futebol
especializado nas categorias de base.
Jogos das categorias sub-15 e inferiores, no futebol paulista, não têm cartão vermelho Foto: Felipe Rau/Estadão
“Meninos são reflexos do
clube e de quem o treina. O problema é o treinador e não o menino. A gente vive
em um país em que só quem ganha é bom e muitos times adotam a tática do ‘vale
tudo’ para vencer”, lamenta Rafael Paiva, técnico do Sub-15 do São Paulo. “A
gente tem que saber orientar e entender que, nessa idade, ainda estão moldando
o caráter e o perfil e que muitas vezes, a postura agressiva vem de casa. Temos
que saber administrar isso”, completou o comandante tricolor.
A ausência do cartão
vermelho é visto como algo positivo por boa parte dos técnicos, pois acreditam
que deixar o time com um a menos não ajudará em nada o desenvolvimento do jovem
atleta. “Acaba expondo o jogador e compromete a formação tática”, explica
Rogério Ferreira, do Sub-13 do Palmeiras. “Os meninos têm inocência e sentem
muito quando precisam ser substituídos e não podem jogar depois”, completou.
Ferreira assegura que
nunca pediu para seus atletas agredirem alguém e que também não chegou a sentir
isso dos adversários, mas percebeu outros problemas. “Acontece de times
simulando lesões para ganhar tempo. Mas nunca uma situação de buscar a
violência como uma carta na manga.”
A questão disciplinar é
algo bastante destacado pela FPF. “Queremos mais jogadores como o Rodrigo Caio
no futebol. Cobramos ética de políticos, mas a gente não é ético na nossa
profissão? Temos que melhorar isso”, ressalta Mauro Silva, lembrando a jogada
em que o zagueiro do São Paulo disse ao árbitro, durante clássico com o
Corinthians, que o atacante Jô não cometeu a falta que lhe causaria um cartão
amarelo e, consequentemente, deixaria o corintiano fora da próxima partida.
Federação Paulista está preocupada com o excesso de jogadas ríspidas entre os atletas mais jovens Foto: Tiago Queiroz/Estadão
PROFISSIONALISMO
O ex-zagueiro Célio Silva,
que comanda o sub-13 do Corinthians, acredita que exista uma superproteção em
cima dos meninos. “Daqui a pouco o garoto vai estar no time de cima, vai levar
cartão vermelho e vai chorar. Acho que a punição tem que existir desde cedo”,
opina o ex-jogador.
Célio diz que se considera
“pré-histórico”, por isso tem opiniões mais fortes que alguns de seus companheiros.
“O menino vai ficar triste com um cartão? Não é problema meu, é do pai. Não
somos uma escolinha de futebol, a gente tem que ter profissionalismo. Eu
preparo o menino para o time de cima. Lá, o árbitro te dá cartão e ainda te
enfrenta”, destacou.
O ex-zagueiro garante que
não manda seus meninos bater, mas entende quando algum deles passa do ponto.
“Não quero ignorância, mas são seres humanos e de vez em quando acabam sentando
o pé mesmo. Acontece. Futebol é esporte de contato e quando eles forem mais
velhos, vão passar por coisa pior. Eles têm que saber lidar com tapa na cara,
torcida gritando, falando que vai matar, e gente jogando saco de urina neles. E
se o cara for bem, a torcida carrega nas costas. Caso contrário, vão virar o
carro deles”, disse.
A decisão de não aplicar
cartão vermelho é algo que tem sido usado pela Federação Paulista, mas não se
repete em outros campeonatos. Em torneios nacionais e alguns estaduais (como no
Rio de Janeiro e Minas Gerais) os meninos recebem o cartão. O mesmo vale para
competições internacionais. Apesar da preocupação, a FPF não pensa, no momento,
passar a usar o cartão para os mais jovens.
Mauro Silva, diretor da FPF, afirma que a entidade está preocupada com a violência nas categorias de base Foto: Rafael Arbex/Estadão
Três perguntas para Mauro Silva, vice-presidente do
Departamento de Integração com Atletas da FPF
1. Como você vê a questão da disciplina entre os jogadores mais
jovens?
Existe uma preocupação
muito grande, já que um dos valores do futebol é a disciplina. Isso vai
melhorando conforme você vai qualificando e entendendo a importância de educar
os jovens, não para serem atletas, mas para se tornarem homens, já que muitos
deles não devem seguir na carreira e precisam ter uma diretriz na vida. Qual
mensagem você passa ensinando ao menino que o certo é bater em alguém? A gente
sabe que muitos técnicos apelam para a violência, mas vamos coibir isso.
2. O que a Federação Paulista está fazendo para mudar esse
cenário?
Na Europa, para você ser
treinador de futebol, você precisa passar por cursos e tirar licenças. Aqui,
qualquer um pode treinar time de base e isso é um problema. O que a gente vai
colocar no regulamento, a partir de 2019, é que para comandar um clube nas
divisões inferiores, será preciso ter a licença B do cursos da CBF. Não adianta
criar punições para os garotos. Precisamos melhorar a qualidade dos profissionais.
Ninguém gosta de ver um jogo com muitas faltas. A gente gosta de ver um futebol
bem jogado e isso que a gente tentar buscar.
3. A ideia é usar o futebol como uma forma de conscientizar os
mais jovens?
Claro. Eu era volante e
nunca precisei ser desleal para vencer na carreira. Não precisei intimidar
ninguém com violência, enganando o árbitro ou dando porrada em alguém. Não é
esse o caminho e nem um dos valores de futebol. Perdi meu pai com 12 anos e o
futebol foi uma inclusão social para mim. A gente pode tirar o jovem da droga e
da violência pelo futebol. Precisamos ter isso na cabeça.
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Benê Lima