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Clóvis Rossi
Folha de S. Paulo
Um espírito semelhante ao de Donald Trump acabou por incendiar a Catalunha, uma das regiões do mundo que menos tem a ver com o presidente americano.
Explico: pôr a Catalunha primeiro –como reza o mantra de Trump– levou o governo local a convocar um plebiscito para decidir se a população quer ou não a independência. Será no próximo dia 1º.
O plebiscito é ilegal, decidiu, como era inevitável, o Tribunal Constitucional. Seria eventualmente legal se pudessem votar todos os espanhóis, não apenas os catalães. Faz sentido: todos os espanhóis têm óbvio interesse em manter a Catalunha na Espanha ou jogá-la para fora. Logo, todos deveriam votar.
O governo central, armado com a decisão do Tribunal Constitucional, desfechou nesta quarta-feira (20) uma ofensiva contra os organizadores da votação. Foram presos 12 altos funcionários do governo da Catalunha, pela sua vinculação com os preparativos para o plebiscito.
Entre os presos, aparece Josep María Jové, secretário-geral de Economia da Generalitat (o governo local), ainda por cima o braço direito de Oriol Junqueras, vice-presidente regional e a principal figura do movimento independentista.
Consequência inevitável: mobilização dos partidários da independência em defesa dos atacados na operação, que foi levada a cabo pela "Guardia Civil", o que traz sempre recordações da ditadura franquista (1939/1975), que de fato sufocou o catalanismo.
Agora, no entanto, a Catalunha goza de ampla autonomia, o catalão pode (e é) falado livremente, ensinado nas escolas, há jornais no idioma, e a região goza mais que as demais comunidades autônomas do progresso econômico. Tanto é assim que, se a renda média da Espanha é 100, a da Catalunha é 119,7 (dados de 2013, últimos para os quais a comparação é possível).
Não procede, além disso, a frase mais usada pelos independentistas ("a Espanha nos rouba"). Se fosse assim, a Catalunha, com 16% da população, não teria 18% da economia espanhola –sua região mais rica, aliás.
Discutir se a independência tem uma justificativa histórica é entrar em território minado, tantas são as controvérsias a respeito. De qualquer forma, o catalanismo é um estado de espírito com forte implantação: mais ou menos metade da população de 7,5 milhões apoia a independência.
A pesquisa mais recente, feita em julho e encomendada pelo próprio governo regional que convocou o plebiscito, mostrou 41% a favor da independência e 49% contra.
Josep Lago/AFP | ||
Manifestante e soldado da Guarda Civil em frente de prédio do governo regional da Catalunha |
Em votação igualmente ilegal, em 2014, compareceram apenas 2,2 milhões de eleitores de um total potencial de 5,4 milhões.
No dia 10, "El País" publicou pesquisa em que 56% disseram considerar o plebiscito ilegal (entre os jovens de 18 a 34 anos, a porcentagem subia a 63%).
A pesquisa mostrava que 56% defendiam buscar uma saída negociada para a crise entre o governo central e o da Catalunha. Seria de fato o ideal, mas o incêndio desatado nesta quarta-feira criou tal instabilidade que dá razão à opinião do escritor Valentì Puig em texto para "El País".
"A gravidade extrema dos fatos protagonizados pelo secessionismo –quer dizer, pela Generalitat– é de uma magnitude tão catastrófica que quase impede pensar no que pode ser o dia seguinte. A autodestruição institucional, a incerteza jurídica, o temor imediato à instabilidade, a perda de coesão social e o desacato que enfrenta a Catalunha com o Estado [central] terão consequências não apenas políticas, mas que afetarão toda a cidadania", afirmou Puig.
Uma crise besta, mais uma a pôr na conta do nacionalismo.
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Benê Lima