Sinopse
"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."
Quebrou-se o mito
Quebrou-se o
mito
A Constituição não confere poderes absolutos ao
Ministério Público, mas, da forma como ele está organizado, sem hierarquia
funcional, cada membro da instituição torna-se a própria instituição
O Estado de S.Paulo20 Setembro 2017 | 03h11
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A Constituição de 1988 foi um valioso instrumento
para consolidar a redemocratização do País, resgatando o respeito a importantes
direitos e garantias fundamentais. Deve-se reconhecer, no entanto, que ela
também trouxe alguns sérios problemas, que até hoje dificultam o
desenvolvimento político, econômico e social da Nação. Várias reformas
constitucionais foram feitas, mas os desequilíbrios ainda persistem e, em
alguns casos, foram agravados. Basta ver, por exemplo, o tratamento dado pelo
texto constitucional a supostos direitos, sem a necessária contrapartida e,
pior, sem condicioná-los à existência de recursos. Um grave problema fiscal foi
introduzido no próprio fundamento do Estado.
Outro sério problema institucional trazido pela
Constituição de 1988 foi o tratamento dado ao Ministério Público, contemplado
com uma autonomia que, a rigor, é incompatível com a ordem democrática. Num
Estado Democrático de Direito não deve existir poder sem controle, interno e
externo. Não há poder absoluto. Explicitamente, a Constituição de 1988 não
confere poderes absolutos ao Ministério Público, mas, da forma como ele está
organizado, sem hierarquia funcional, cada membro da instituição torna-se a
própria instituição.
Ao longo dos anos, esse problema foi agravado por
dois motivos. Em primeiro lugar, consolidou-se nos tribunais uma interpretação
extensiva das competências do Ministério Público. Obedecendo a uma visão
unilateral, que olhava apenas para os supostos benefícios de uma atuação
“livre” do Ministério Público, permitiu-se que procuradores se imiscuíssem nos
mais variados temas da administração pública, desde a data do vestibular de uma
universidade pública até a velocidade das avenidas. Parecia que o Estado nada
podia fazer sem uma prévia bênção do Ministério Público.
A segunda causa para o agravamento da distorção foi
uma bem sucedida campanha de imagem do Ministério Público, que, ao longo dos
anos, conseguiu vincular toda tentativa de reequilíbrio institucional à ideia
de mordaça. Qualquer projeto de lei que pudesse afetar interesses corporativos
do Ministério Público era tachado, desde seu nascedouro, de perverso conluio
contra o interesse público. O resultado é que o País ficou sem possibilidade de
reação.
Na prática, a aprovação no concurso público para o
Ministério Público conferia a determinados cidadãos um poder não controlado e,
por isso mesmo, irresponsável. Nessas condições, não é de assustar o
surgimento, em alguns de seus membros, do sentimento de messianismo, como se o
seu cargo lhes conferisse a incumbência de salvar a sociedade dos mais variados
abusos, públicos e privados. Como elemento legitimador dessa cruzada,
difundiu-se a ideia de que todos os poderes estavam corrompidos, exceto o
Ministério Público, a quem competiria expurgar os males da sociedade brasileira.
Nos últimos três anos, esse quadro foi ainda
reforçado pelos méritos da Lava Jato, como se as investigações em Curitiba
conferissem infalibilidade aos procuradores e um atestado de corrupto a todos
os políticos. Os bons resultados obtidos ali foram utilizados para agravar o
desequilíbrio institucional.
Construiu-se, assim, a peculiar imagem de um
Ministério Público inatingível, como se perfeito fosse. Basta ver, por exemplo,
o escândalo produzido quando o Congresso não acolheu suas sugestões para o
combate à corrupção. A reação dos autores do projeto foi radical: ou os
parlamentares aceitavam todas as vírgulas – com seus muitos excessos – ou
seriam comparsas da impunidade.
Pois bem, esse monopólio da virtude veio abaixo nos
últimos meses de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República
(PGR). Ações radicais e destemperadas deixaram explícita a necessidade de que
todos, absolutamente todos, estejam sob o domínio da lei, com os consequentes
controles. Poder sem controle não é liberdade, como alguns queriam vender, e
sim arbítrio.
Na crise da PGR envolvendo a delação de Joesley
Batista há uma incrível oportunidade de aprendizado e de reequilíbrio
institucional. Com impressionante nitidez, os eventos mostram que também os
procuradores erram.
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Benê Lima