Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, agosto 06, 2012

Relacionamento] O guru do amor

Ele é psicólogo, ex-xamã do santo-daime e sucessor de um mestre indiano. Quem é o brasileiro que prega relações desinteressadas e conquista devotos em todo o planeta

 

Aline Ribeiro / Revista Época

ECLÉTICO Prem Baba num centro terapêutico  de São Paulo. Ele mistura psicologia  e espiritualidade  para curar traumas  do passado  (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)

Era uma questão corriqueira, dessas sobre as quais se conversa na hora do recreio. O menino do pré vira para a colega de sala e pergunta o que o pai dela faz da vida. Ela, na época com 5 anos, responde com naturalidade: “Meu pai é Deus”. Um burburinho toma conta do ambiente. Dias depois, o garoto tem a oportunidade de encontrar, ele mesmo, o tal pai-Deus na casa da amiga. Diante do homem de roupas brancas, olhar profundo e fala pausada, ele pergunta. “É verdade mesmo que o senhor é Deus?” Não exatamente. Embora, para muitos, Prem Baba faça as vezes dele.

Prem Baba é um pouco de tudo. Psicólogo de formação. Brasileiro de nascimento. Indiano por afinidade. Buscador espiritual incessante. Ex-xamã do santo-daime. Pai. Ex-marido. Nomeado por um mestre de uma milenar linhagem indiana como seu discípulo, tornou-se guru em pleno Ocidente. “Este é o Prem Baba”, diz o próprio, soltando uma de suas gargalhadas características. “Um centro eclético e fluente da luz universal.” Apesar de ter grande influência do hinduísmo, ele não segue nenhuma religião. A filosofia que lidera tem como base a busca pela verdade, ou essência, de cada indivíduo. Ao pregar a força do amor nas transformações interiores, Prem Baba arrebanhou milhares de seguidores de todo canto do planeta. Seja na Índia, no Brasil, na Europa ou nos Estados Unidos, locais por onde espalha suas palavras, sempre encontra devotos prostrados a seus pés em reverência. No universo da espiritualidade, estar com Prem Baba é como, para os fãs dos Beatles, ficar frente a frente com Paul McCartney.

Numa noite de junho, no Rio de Janeiro, discípulos com roupas coloridas se reuniram num salão enfeitado para uma cerimônia com o guru. A música contagiava até os mais sonolentos (casos raros). Em pé, os simpatizantes entoavam mantras, batiam palmas, rodopiavam e saltitavam com leveza, alguns sublimados a ponto de perder o ritmo. Prem Baba chegou com as mãos em posição de namastê, andar arrastado e seus trajes brancos costumeiros – no Brasil, usa roupas típicas indianas, feitas por uma seguidora que é doutora em moda. Na Índia, onde passa quatro meses do ano, veste panos sem costura.

caminhada 1. Prem Baba  lidera um grupo  de estudos no ashram de Nazaré Paulista  2. O retrato do mestre Raj Maharaj ji 3. Prem Baba numa cerimônia na Índia, às margens do Rio Ganges  4. Percorrendo o caminho do coração, referência a seu método 5. Conferi (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA (4) e arq. pessoal)

A plateia, majoritariamente jovem e repleta de artistas conhecidos, entrou em êxtase coletivo. Prem Baba convidou todos a bater à porta da verdade, a despir-se das camadas de mágoas, angústias e mecanismos de defesa que afastam o ser humano de sua essência e o impedem de alcançar a plenitude. Ao final, dois amigos que assistiam ao encontro pela primeira vez voltaram para a casa convertidos. Mais gente para engrossar a turma de seguidores (eles estimam que sejam 5 mil). Suas manifestações de fé variam. Há quem cultive em casa um altar com fotos do mestre. Alguns trocam o nome de batismo por outro espiritual, geralmente de um deus indiano.

O trabalho de Prem Baba se divide entre um ashram (termo em sânscrito para centro espiritual) em Nazaré Paulista, no interior de São Paulo, e outro em Rishikesh, uma das cidades sagradas da Índia, a primeira área urbana a receber o também sacro Rio Ganges. Neste ano, ele esteve na Argentina, Espanha, Holanda e em Israel. Nas próximas semanas, embarcará para o Havaí. Ficará numa mansão com vista para o mar, uma das muitas doações feitas por seus discípulos (seu trabalho se sustenta com doações e pagamentos dos cursos). Prem Baba influencia os peregrinos não só no plano pessoal. Vários deles transportam os ensinamentos para a profissão. Em São Paulo, há um restaurante, uma consultoria em negócios e uma companhia de arte regidos por suas lições. Ele diz que um de seus seguidores, um americano de Harvard, participou das discussões na Casa Branca sobre a retirada das tropas americanas do Iraque. Inseriu ali, diz ele, algumas das orientações do mestre.

A mensagem
Para quem busca
Você precisa abdicar das mágoas e angústias para encontrar a paz interior
Para quem achou
Você não precisa nascer na Índia para traduzir a sabedoria ancestral do país
 

Não se trata de milagre. Prem Baba fala o que a humanidade quer ouvir. Acolhe um mundo carente de conforto espiritual. Foge dos padrões das religiões cristãs, como catolicismo e protestantismo, segundo as quais Deus observa de binóculo qualquer tropeção aqui embaixo. O pai do amor (significado de Prem Baba) não faz sermão. Não julga. Nunca franze a sobrancelha. Parece sorrir com os olhos ininterruptamente. Tem a voz tão aveludada que é impossível não baixar o tom quando se conversa com ele. Sua missão, diz, é esbanjar o amor desinteressado. Além dos atrativos óbvios, salpica em seu trabalho conceitos da psicologia analítica de Carl Jung, herança de sua formação. Valoriza os dons dos discípulos. Ajuda a lembrá-los dos motivos que os tiram da cama todas as manhãs, o tal sentido da vida. É como se fosse um terapeuta com uma pegada espiritual. “O cara bom fala para o coletivo e para o indivíduo”, diz o jornalista Arthur Veríssimo, estudioso da Índia. “O Prem Baba faz isso muito bem. Ele é o frescor que as pessoas precisam, e tem fundamento.”

Há quem interprete essa mansidão com desconfiança. “Ele fala tudo o que o pessoal da autoajuda repete por aí”, afirma Reinaldo Polito, professor de oratória. “A diferença é que sua comunicação é sedutora. Ele tem um visual místico, escolhe as palavras e as interpreta com sentimento. Até a naturalidade dele é interpretada.” Segundo Polito, os dentes brancos, a voz afinada para o canto, os cabelos puxados para trás, o comedimento nos gestos, as roupas claras – tudo isso passa uma imagem de pureza. Ele diz que a própria estrutura das falas de Prem Baba é pensada: não usa frases longas, tem bom vocabulário, evoca valores éticos, é hábil em quebrar objeções.

No bairro da Aclimação, em São Paulo, Prem Baba nasceu Janderson Fernandes de Oliveira em 9 de novembro de 1965. A mãe, de uma família pobre do Nordeste, engravidou ainda adolescente de um jovem mais velho e rico. “Nasci de uma mãe virgem”, diz. “Meu pai gozou na coxa dela. Fui literalmente feito nas coxas.” Os pais não formaram uma família, e Janderson foi criado pela avó, que se dizia médium. Aos 7 anos, o menino começou com dúvidas existenciais. Quem fez o mundo? Quem criou Deus? Aos 14, diz que ouviu uma voz chamando para ir a Rishikesh assim que completasse 33 anos. A história ficou guardada numa daquelas caixinhas da memória.

Como não encontrava na ciência as respostas para a origem do sofrimento humano, Janderson foi procurá-las na espiritualidade: da umbanda à Ordem Rosa Cruz, do kardecismo ao santo-daime. “Percebi que aqueles mestres não respondiam as minhas perguntas”, afirma. Formou-se em psicologia e começou um trabalho de cura misturando terapias alternativas, vidas passadas, medicina tradicional chinesa... até exorcismo diz ter feito. Tornou-se um líder espiritual, mas não convencia a si próprio. Achava que seu conhecimento era emprestado dos livros. “Me sentia um cego guiando outros cegos”, diz. Perto dos 32 anos, cético e em meio a uma depressão profunda, diz que fez um último apelo. Uma oração “para o grande mistério” que rege a vida. De novo ouviu o chamado para Rishikesh. Desta vez, a voz chegou com a visão de um velho de longas barbas brancas.

Janderson finalmente foi à Índia, não com a intenção de se encontrar. Recém-casado, foi de lua de mel. Tudo ia mal até que, dentro de um carro sem ar-condicionado numa cidade próxima de Rishikesh, diz ter sido inundado por uma luz branca e uma canção. “Entendi que estava no caminho certo”, afirma. Ao chegar a Rishikesh, bateu à porta de um ashram e foi recebido por Raj Maharaj ji. “Era o mesmo velho de barbas da aparição”, diz. Janderson caiu a seus pés. Maharaj, segundo ele, afirmou: “O que lhe falta é se entregar a um guru vivo”.
Três anos depois, em 2002, Janderson virou Prem Baba durante um famoso festival indiano, o Mahashivaratri. Tornou-se o quinto guru da antiga linhagem Sachcha, uma tradição da cultura hindu. Desde então, trabalha para que o ser humano transite do sofrimento para a alegria. Criou um método psicoespiritual chamado O Caminho do Coração. O casamento? Acabou nesse meio-tempo, mas antes ele teve a filha que pensava ter um pai-Deus. Hoje, Prem Baba se diz celibatário.

A professora de inglês Patricia Anez é uma das escudeiras de Prem Baba. Os dois se conheceram em 1998. Ele, ainda Janderson, era seu psicólogo. A relação paciente-terapeuta evoluiu para discípulo-mestre. Patricia passa quatro meses do ano na Índia como voluntária, traduzindo encontros e consultas espirituais. É o ouvido do guru. No ashram indiano, o trabalho é intenso. “Tenho de acompanhar o ritmo dele, com a diferença de que ele é iluminado, e eu não”, diz ela, rindo.

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Benê Lima