René Simões, que assume o departamento de formação de atletas do São Paulo como diretor técnico, cobra avanço metodológico e uma reflexão filosófica sobre o trabalho desenvolvido no BrasilEquipe Universidade do Futebol / www.universidadedofutebol.com.brO São Paulo Futebol Clube anunciou recentemente a contratação de René Simões como novo diretor técnico do departamento de formação de atletas. Este conhecido treinador, formado em Educação Física e membro do painel de instrutores da Fifa, está iniciando o seu trabalho no Centro de Formação de Atletas (CFA) Laudo Natel, em Cotia (SP), e futuramente, espera-se, será o responsável pela integração entre o elenco profissional e as equipes de base.
Logo em sua primeira entrevista ao site oficial do São Paulo, Simões enalteceu a estrutura excepcional já existente, mas sem deixar de destacar a necessidade da correta aplicação dos conhecimentos dos profissionais envolvidos no projeto do clube.
Na avaliação dele, o clube deve retomar o seu padrão de qualidade próprio, desenvolvendo um “jogo bonito”, mas acima de tudo coletivo, com o objetivo da vitória.
“O São Paulo é uma marca grande e por isso tem que ter projeto grande. Vou ter que ouvir muito. Talvez eu saiba como fazer, tenho minhas ideias, mas preciso conversar e ouvir muito todos os profissionais envolvidos. Conversei com o presidente, com os diretores, com o Leão. Quero conversar muito com ele e com todos os treinadores da base”, acrescentou Simões, que disse já vir se preparando para essa mudança na nova gestão de sua carreira.
Semanas atrás, o experiente gestor técnico fez uma visita às estruturas do Barcelona na Espanha. E, durante os quatro dias conhecendo profundamente La Masia, o local cada vez mais famoso onde o clube forja seus jovens talentos, e o departamento de futebol principal, Simões teceu alguns comentários em sua página pessoal de uma importante rede social a respeito da experiência:
“...um banho de normatização, organização, respeito à filosofia de jogo, e metodologia de trabalho. Me entristece ao verificar que tudo isso no Brasil é considerado fútil, inútil e teórico demais. Paciência! Eles estão dando banho de futebol. Assisti à goleada de 5 x 0 da Espanha na Venezuela. Parecia profissionais contra juvenis tamanha a diferença. A bola era escondida ao adversário. Só podiam correr e dar a saída depois dos gols. Ainda há tempo para voltarmos a fazer o que fazíamos com tanta facilidade. Brasil e brasileiros, queiramos mais”.
Espanha 5 x 0 Venezuela - Amistoso Internacional - 29/02/2012
Com base nestas considerações de René Simões, a Universidade do Futebol ouviu uma nova geração de profissionais brasileiros que atua em clubes e instituições acadêmicas, propondo uma reflexão crítica sobre a atual realidade do futebol brasileiro. Para isso, formulou a todos eles as três seguintes questões abertas:
1) Qual é o seu sentimento ao tomar contato com o depoimento de René Simões comparando o que é feito no Barcelona e aqui no Brasil?
2) Por que a grande maioria dos clubes brasileiros, apesar de muitos contarem com profissionais competentes, ainda tem dificuldades em realizar um trabalho integrado, científico e que agregue as principais conquistas metodológicas atuais do treinamento?
3) Como você avalia que poderíamos desenvolver uma nova inteligência de jogo, de responsabilidade e de qualidade nas atividades aos nossos atletas, em função das altas exigências competitivas deste século XXI?
Confira o que pensam Wladimir Braga, preparador físico da equipe sub-17 do Atlético-MG; Leandro Zago, treinador da equipe sub-13 do Corinthians; Sandro Sargentim, coordenador do curso de pós-graduação em Ciências do Futebol da FMU; Eduardo Barros, assistente técnico do Paulínia; Rodrigo Bellão, treinador da equipe sub-15 da Portuguesa de Desportos, Bruno Pivetti, preparador físico da equipe principal do Audax São Paulo; Bruno Baquete, assistente técnico da equipe sub-17 do Corinthians e Augusto Moura, membro do departamento de captação do Coritiba.Dividimos esta matéria especial em três partes. A seguir, a primeira delas, contendo a opinião destes oito profissionais em relação à primeira pergunta*:
Qual é o seu sentimento ao tomar contato com o depoimento do René Simões comparando o que é feito no Barcelona e aqui no Brasil?
Wladimir Braga – Compartilha da opinião do professor Renê Simões e acha que um dos motivos de nossa decadência “está relacionado à falta de conhecimento e entendimento dos gestores do futebol brasileiro a respeito do processo de formação. Não entendem que o foco no processo é que deve predominar frente aos resultados passageiros”.
Leandro Zago – Acredita que “não há um sentimento; tudo está muito claro. É preciso buscar em um curto prazo a real identidade do futebol brasileiro e [definir] que tipo de atleta queremos. Devemos respeitar também a questão cultural ligada a cada região do país e entender como ela influencia no atleta que estamos recebendo e no processo que vamos desenvolver.” Ele acredita também que devemos fazer com que os nossos atletas sejam o melhor que puderem ser e que não devemos "construir" jogadores europeus – devemos buscar "construir" grandes jogadores brasileiros.
E complementa: “Diz-se que o futebol brasileiro é um futebol de passes rápidos, dribles, baseado no talento individual. Com isso eu não concordo. Podemos até ter sido um dia, mas atualmente nossos atletas não conseguem manifestar essas capacidades no alto nível, fora do país, quando enfrentam jogadores com outra formação e os jogos dentro do país apresentam uma velocidade inferior ao alto nível europeu. Isso sim penso que possa ser mudado com metodologias mais específicas ao futebol, e não com aquelas que têm origem no atletismo”.
Sandro Sargentim – Para este profissional o grande problema do futebol brasileiro é a desatualização de seus profissionais. “Não temos formação para os profissionais que aplicam treinos para os futebolistas brasileiros, seja na formação, ou no alto rendimento”.
Eduardo Barros – Expressa um sentimento de esperança, porém alerta que “a metodologia de treinamento desatualizada, o privilégio à vertente física do jogo, o imediatismo das vitórias em detrimento ao bom futebol e, acima de tudo, a gestão incompetente voltada ao interesse individual são fatores determinantes em nosso posicionamento atual no futebol mundial.” E complementa:“René Simões e todos os demais profissionais do futebol que se propuserem a reverter este cenário terão muito trabalho pela frente”.Rodrigo Bellão – Ao concordar com as inquietações de René Simões, afirma que “com o passar dos anos, paramos no tempo; acomodamo-nos”. E alerta para o perigo de acreditarmos que o Brasil é um celeiro inesgotável de craques e que “a todo o momento, irão aparecer atletas com extrema qualidade técnica e que isso basta para continuarmos no topo”. Constata ainda que o futebol e a maneira de jogar mudaram. O futebol evoluiu e fizemos pouco para nos adaptar. E recorre a Charles Darwin para provar sua afirmação:
“Não é o mais forte ou o mais inteligente da espécie que sobrevive, mas sim o que melhor se adapta”.Neste sentido cita o Barcelona como um clube que soube se adaptar aos novos tempos. E completa, comentando sobre as categorias de base dos clubes, que segundo ele “já estão se adaptando e mudando diversos conceitos e paradigmas”. Mas acredita que apenas em “mais uns cinco ou seis anos começaremos a perceber algumas mudanças no nosso futebol”.
Bruno Pivetti – Considera René Simões “um dos treinadores mais dotados de discernimento do futebol brasileiro.” E pensa que declarações como esta significam “uma luz de esperança acerca do futuro do futebol brasileiro.” Afirma que “apesar do René representar uma geração de treinadores que se acomodou e se apoiou na resolução individual dos problemas de jogo de jogadores fora de série existentes à época, sem se preocupar com a organização global do processo de formação e das vertentes mais coletivas do jogo”, acredita que este treinador tenha notado o atual ostracismo em que está entregue o futebol brasileiro. E reclama de uma urgente e melhor preparação de dirigentes e treinadores.
“No Brasil, acostumamo-nos a pensar que o fora de série é quem ganha e resolve o jogo.” Enquanto isso, em países com Espanha, Portugal e Alemanha, por exemplo, “não só o jogo e suas variações táticas são matéria de estudo, mas também o processo de operacionalização do jogo em si.” É da opinião de que estamos muito atrasados em relação a estes países. “Não consigo conceber um país de quase 200 milhões de pessoas, em que pelo menos boa parte está inserida na cultura do futebol, e uma significativa quantia pratica o futebol na maior parte de seu dia desde a infância, ter uma eficiência tão baixa no que concerne a formação futebolística”.
Pivetti acredita que “se não fosse o futebol de rua, que fornece um vasto repertório cognitivo-emocional e sensório-motor aos jogadores, estaríamos em um quadro de sucateamento muito mais agravado”. Considera ainda que, por mais paradoxal que seja, “o que está salvando nosso futebol é a desgraça de muitas famílias inseridas na pobreza, em que as condições fundamentais de educação e lazer não são respeitadas e por isto a criança/jovem fica a jogar 6-8 horas por dia.”
Sobre os treinadores brasileiros, também é enfático: “Se dependêssemos de nossos treinadores, acredito que o Brasil estaria equiparado ao fenômeno que acontece na Itália, por exemplo, em que o futebol é normatizado por uma cultura fisicista, na qual a vertente arte da modalidade é sufocada por indivíduos que anseiam o perfeccionismo físico sobrevalorizado nas falidas culturas soviéticas, nazistas e fascistas. Louvado seja o nosso futebol de rua, que apesar de decadente, ainda existe! E conclui com uma afirmação de impacto: “É mais fácil, nos dias de hoje, um jovem futebolista ser ‘estragado’ nos clubes do que propriamente formado.”Bruno Baquete – Afirma categoricamente: “Há algum tempo estamos discutindo os resultados e o futebol bonito apresentado pelo Barcelona e pela seleção da Espanha. Alguns atribuem ao fato de ambos terem excelentes jogadores, porém se esquecem de olhar para o que realmente importa que é o treino e de como ele influencia na formação de uma real cultura de jogo que explicita nessas equipes muito mais que um jogar, uma filosofia que tem embasamento na cultura, religião, história do clube e país.”
Augusto Moura – Destaca o fato de um profissional como René Simões, formado em Educação Física, com vasta experiência prática e passagens em dezenas de clubes nacionais e internacionais, além de seleções, acaba de receber uma bela e desafiadora oportunidade de auxiliar no processo de gestão das categorias de base de um clube brasileiro. “René Simões possui experiência e discernimento suficientes para as constatações feitas.” E enaltece a visita deste profissional ao Barcelona, conhecendo seu plano de ação e sua metodologia aplicada ao longo dos anos, porém sem deixar de salientar que “o Brasil possui incontáveis centros de formação de atletas, milhares de profissionais capacitados e dezenas de clubes que possuem departamento de categorias de base amplamente estruturados.”
Mas complementa dizendo que quantidade não é sinônimo de qualidade. “Talvez esteja aqui nosso maior problema” adverte. Em relação ao futuro é otimista: “O aumento de simpósios, cursos de especialização, acesso aos livros, artigos e constantes debates tornam cada vez mais saudável a formação de opinião e construção do conhecimento no Brasil. Esses fatos servem como premissa para passos mais consistentes e seguros na caminhada rumo a otimização do processo de formação integral de atletas nas categorias de base em clubes brasileiros.”
*Não perca a sequência deste especial, que será publicada nos dias 14 (quarta-feira) e 15 de março (quinta-feira). Na sexta, uma novo texto escrito pelo zagueiro do Corinthians Paulo André fecha a série.
A partir dela, esperamos contribuir para as discussões construtivas da modalidade, com ideias e novas propostas. Contamos com sua participação no espaço de comentários logo abaixo!
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Benê Lima