Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, outubro 02, 2012

Barcelona e Real Madrid: um debate sobre auto-organização no jogo de futebol utilizando as duas equipes como exemplo

Uma equipe manifesta comportamentos dentro de um jogo que lhe são típicos para resolver problemas

Às vésperas de mais um jogo entre o FC Barcelona e o Real Madrid – agora pelo Campeonato Espanhol – resolvi escrever hoje sobre as inter-relações e interdependências que envolvem a “auto-organização” coletiva de jogadores em um jogo de futebol (e utilizar as duas equipes em questão, para gerar algumas discussões).

Segundo os autores que estudam as teorias da Complexidade, a "auto-organização" é a capacidade espontânea para a ordem no interior dos sistemas.

Isso quer dizer, em outras palavras e transferido ao futebol, que dentro dos desequilíbrios circunstanciais à que uma equipe é submetida (e desde que estes desequilíbrios não sejam demasiadamente grandes e intensos), haverá uma tendência interna do próprio sistema que organiza coletivamente os jogadores, de levá-los à ordem (e logo ao equilíbrio – lembrando que ordem sistêmica é diferente de equilíbrio sistêmico).

A "ordem" tem, neste caso, relação com a hierarquização de referências e comportamentos individuais e coletivos dos jogadores em reposta aos problemas emergentes no jogo.

Esta hierarquização é norteada pela organização adquirida e/ou previamente estabelecida para e pela equipe.

Pois bem. Consideremos dentro do que foi posto até agora que todas as ações dos jogadores da mesma equipe em um jogo interferem e sofrem interferência permanente e ao mesmo tempo umas das outras.

Setorialmente, a relação e a dependência entre jogadores tende a serem mais fortes entre aqueles mais próximos (ou do mesmo setor ou área do campo) do que entre aqueles mais distantes.

Essa "relação" e essa "dependência", sob o ponto de vista sistêmico, se estabelecem a partir de vínculos que são criados formalmente no nível consciente e/ou de maneira intuitiva (e inconsciente) dentro e fora do próprio jogo.

A força que se cria nas relações e interdependências entre os jogadores, sob o ponto de vista coletivo, pode garantir maior estabilidade ao sistema – e além dela (da estabilidade), influenciar e sofrer influência na maneira de jogar, dando identidade ímpar a cada equipe.

Se olharmos, por exemplo, para o FC Barcelona, no jogo contra o Spartak de Moscou, em partida da Champions League 2012/13, e analisarmos (a partir dos dados disponibilizados pela Uefa em seu site oficial) o fluxo de passes entre os jogadores, podemos notar peculiaridades interessantes sob o ponto de vista das relações e interdependências estabelecidas por eles.

Vejamos a figura que segue. Nela as setas descrevem a direção do fluxo de passe entre os jogadores. Sua cor descreve o volume desse fluxo (vermelho = grande fluxo, laranja = médio fluxo, amarelo = baixo fluxo). As setas azuis tracejadas representam o fluxo de passes ao jogador de ataque centralizado da equipe (que é baixo, mas na soma entre os jogadores, tem relevância).

Notemos que nesse jogo, apesar das características do “modelo” da equipe do FC Barcelona serem as mesmas, sempre há coisas interessantes a se destacar.

Em primeiro lugar, uma interação pouco significativa (sob o ponto de vista dos passes) dos "laterais" (número 2 e número 21) para com os atacantes posicionados em suas faixas do campo de jogo (números 17 e 37) e, ao mesmo tempo, uma interação moderada no sentido contrário (dos atacantes para os laterais).

Não estou aqui tentando relatar obviedades do tipo "é claro, os laterais ultrapassam e recebem muitas bolas dos atacantes".
Não é disso que estou tentando tratar. Claro que os laterais ultrapassam; claro que recebem bola dos atacantes e claro também que passam aos atacantes. O que estou explorando aqui é a interação entre os jogadores, utilizando como exemplo a "força" do fluxo de passes.

Então continuemos.

Algo que também chama a atenção na equipe catalã diz respeito ao fato de que os fluxos de maior "força" estão dirigidos ao centro do campo de jogo e de maneira sistemática em direção ao jogador Xavi Hernandez (que recebeu na partida muito mais bolas (123) do que o 2º jogador que mais as recebeu (75)).

E o que isso tudo significa?

Bom, poderíamos discutir um sem número de coisas. Porém vou apenas salientar que as forças de interação e interdependência entre os jogadores do FC Barcelona estão atraídas para o centro do campo (que é algo muito presente na equipe em outros jogos) e, especialmente nessa formação, em direção ao jogador que mencionei.

Essa atração pode ser analisada como consequência de um "modelo" de manutenção da posse da bola, com campo muito largo para atacar (dentre outras tantas características), mas pode também (e deve) ser analisada como resultado de um padrão de auto-organização estabelecido coletivamente entre os jogadores, independente (ou não) do modelo de jogo desenhado para a equipe.

Se olharmos, por exemplo, para o Real Madrid no jogo contra o Manchester City, também pela Champions League, notaremos um padrão de interações e interdependências totalmente diferente.

Além de um jogo mais distribuído sob o ponto de vista da magnitude das interações de passes, podemos notar também uma atração maior pelas extremidades do campo de jogo.

Outra coisa a se destacar, é que pelas extremidades, há uma força maior de interação no fluxo de passes dos laterais aos atacantes (e não no sentido contrário como no FC Barcelona).

Claro que é bom salientar mais uma vez que não devemos deslocar a atenção para aquilo que parece óbvio nos fatos, mas sim para o significado disso sob o ponto de vista sistêmico e de auto-organização.

Sistemicamente, uma equipe manifesta comportamentos dentro de um jogo que lhe são típicos para resolver problemas. Parte disso está relacionada ao seu "modelo" para jogar. Mas independente de qualquer "modelo", padrões vão emergir como reflexo das ligações (inter-relações e interdependências) estabelecidas entre os jogadores.

Para entender isso é necessário, mesmo não se esquecendo delas, não olhar para as obviedades.

Uma caixa de fósforos pode ser apenas uma caixa de fósforos. Porém, para um "tocador de chocalho", talvez, ela seja um chocalho.

Acho que é isso...

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Benê Lima