O futebol é um produto global, e para competir pelo torcedor precisamos sair da era analógica e melhorar a atratividade dos campeonatos disputados no BrasilFernando Pinto Ferreira*Muito se fala sobre uma possível internacionalização dos clubes brasileiros, cenário hipotético em que nossos times passariam a ter maior visibilidade externa e, com o tempo, disputariam mercado (e torcedores) com os grandes clubes mundiais.
Seria ótimo que isso acontecesse, mas o processo que está em curso é justamente o contrário, pois são os nossos torcedores que estão sendo internacionalizados. Aos poucos, os grandes clubes europeus "invadem" silenciosamente os corações e mentes dos amantes do futebol, principalmente os mais jovens, avalizados por competições muito mais atraentes do que costumamos ver no Brasil, país dos campeonatos estaduais.
Estamos falando de clubes que já possuem um número significativo (e crescente) de torcidas organizadas no Brasil, bastando uma rápida pesquisa na rede para vermos a quantidade impressionante de comunidades de times estrangeiros por todo o país.
Nos dias que antecederam ao Mundial de Clubes, a imprensa noticiou o caso da Chelsea Brasil, uma torcida organizada reconhecida pelo próprio clube inglês, com sede no Rio de Janeiro e que possui 2 mil membros e 10 mil seguidores no Facebook.
Até aí tudo bem, pois Barcelona, Real Madri e Manchester United tem torcidas maiores por aqui, mas chama a atenção o fato de o líder do grupo torcer para o Chelsea e também para o Vasco. De fato esse é um fenômeno cada vez mais comum, o de brasileiros que torcem para um time do Brasil e outro do exterior, tendência essa tão evidente em cidades do interior quanto em bairros de classe média/alta de São Paulo ou Rio de Janeiro.
Por trás dessa transformação, está mais uma mudança na forma de transmissão dos jogos, com a disseminação da TV por assinatura e via internet. Sabemos que boa parte da torcida de clubes cariocas e paulistas no Brasil foi construída pela influência das transmissões de rádios, principalmente a partir dos anos 1950, que levavam as partidas dos campeonatos carioca e paulista para todo o país, fato potencializado pela TV a partir dos anos 1970.
Essa foi uma ajuda decisiva para a criação das grandes torcidas nacionais de clubes como Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco, além de disseminar um fenômeno bastante comum em quase todo o país, com exceção de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul: o do torcedor que possui mais de um time, em geral um local (do município ou do estado), e outro do eixo Rio-São Paulo. Esse foi um processo natural, já que os torcedores que acompanhavam campeonatos e clubes mais modestos foram rapidamente seduzidos pelos craques e grandes jogos disputados pelos maiores clubes do país.
E o que vemos agora, quando olhamos para o cenário futuro? Vemos a TV por assinatura, como mais uma transformação que impactará o futuro das nossas torcidas, só que desta vez é um gol contra os nossos clubes. Hoje, o Brasil já possui cerca de 15,4 milhões de domicílios com o serviço, número 188% superior ao final de 2007, apenas cinco anos atrás.
Considerando que cada domicílio abriga em média 3,3 pessoas (IBGE), estamos falando de um contingente superior a 50 milhões de pessoas atingidas por um mercado que dobrou de tamanho somente nos últimos três anos, e deve continuar acelerado na medida em que as operadoras de telefonia entraram nessa briga.
Ou seja, cada vez mais os brasileiros terão acesso aos vários canais fechados especializados em esportes, em especial ESPN, Fox e Sportv. Sim, eles também cobrem, e muito, os campeonatos nacionais, mas a grande diferença em relação ao modelo de TV aberta é que todos os canais fechados, sem exceção, têm parte importante de sua grade dedicada à transmissão e repercussão de partidas dos campeonatos internacionais. E aí entram desde os estrelados campeonatos Inglês e Espanhol, até os de Rússia e México, passando por Itália, Alemanha, França, Holanda, Portugal, Turquia e Argentina.
Não bastasse isso, temos ainda as copas nacionais dos principais países Europeus, a Liga Europa, e a badaladíssima Uefa Champions League. E, além disso, tem a internet e os games para acelerar o processo. Um bombardeio. Ou seja, a TV a cabo está começando a fazer, com o torcedor brasileiro, o que a rádio e a TV fizeram no passado com os torcedores de centros regionais em que os principais clubes não eram tão fortes quanto os do eixo Rio-SP.
Como se não bastasse, o gosto crescente dos brasileiros pelos jogos dos gringos está fazendo com que até a TV aberta aumente o interesse pelos campeonatos europeus, vide as transmissões de partidas da Uefa Champions League pela Globo, com direito a narração de Galvão Bueno, que raramente aparece em jogos do Brasileirão.
Nesse processo, a influência estrangeira avança de forma incisiva também nos grandes centros, a casa dos ditos grandes clubes, onde existe uma tendência à população ser mais cosmopolita, e justamente onde é maior a proporção de assinantes de TV a cabo na população.
No Sudeste, 40% dos domicílios já possuem TV por assinatura, é uma parcela substancial da população, com poder de compra mais elevado, e que está sendo muito exposta aos clubes Europeus. Não é por acaso a grande quantidade de crianças de perfil socioeconômico mais alto desfilando pelas ruas das grandes cidades brasileiras com camisas dos principais clubes europeus.
E quanto mais a TV por assinatura se popularizar, maior será a influência do futebol (e dos times) estrangeiro sobre o Brasil. É fato que fatores culturais inibem parte do avanço da influência externa, principalmente junto às gerações mais antigas, que costumam cultivar um maior sentido de nacionalismo, um valor que não é tão relevante para os mais jovens, em especial quando falamos de algo trivial como o futebol.
Para esses, é muito mais interessante assistir aos jogos do Campeonato Inglês, por exemplo, como uma boa opção de entretenimento, com estádios lotados, abundância de ídolos e jogadores de alto nível, onde se joga de forma muito mais dinâmica, onde temos pouco tempo de bola parada e onde a torcida vaia a simulação de jogadores mimados e preguiçosos.
Enquanto isso, por aqui, dá-lhe campeonatos estaduais! Esse é um assunto que merece atenção e ações preventivas, principalmente pela dificuldade em se antever os seus impactos. Ainda não sabemos o que significará, em termos de mercado para os clubes brasileiros, um futuro em que terão a preferência de parte crescente de seus torcedores dividida com clubes europeus. O futebol é um produto global, e para competir pelo torcedor precisamos sair da era analógica e melhorar a atratividade dos nossos campeonatos. Ou no futuro seremos uma pátria de barcelonistas, madrilenhos...
Quem trabalha com o futebol volta e meia se depara com a fatídica frase "no futebol é diferente", que geralmente é dita apenas para disfarçar uma boa dose de inércia e incompetência, mas creio que esta é uma das situações onde o seu uso se justifica, pois em qualquer setor da economia, se houvesse o risco de uma perda de mercado desta magnitude, os agentes já estariam totalmente mobilizados pesquisando, analisando, planejando, reunindo-se freneticamente e implantando ações para resguardar seus mercados.
Mas, a CBF e as federações estão estudando o assunto? E os clubes, o que pensam sobre isso? Existe alguma estratégia de ação planejada? Estão pesquisando qual a opinião e o comportamento do torcedor? Claro que não!
Realmente, o futebol é diferente.
Finalizo voltando ao tema da internacionalização dos clubes brasileiros, onde cabe a mensagem: olhar para fora é bom, mas antes é preciso cuidar do próprio quintal.
*Economista, Especialista em Gestão e Marketing do Esporte e Pesquisa de Mercado.
Contato: fernando@pluriconsultoria.com.brTwitter: @fernandopluri
Tags: gestão , administração , futebol europeu , futebol brasileiro , marketing , torcida ,internacionalização , liga dos campeões
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Benê Lima