Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, fevereiro 12, 2013

O uso do esporte como instrumento de demonstração de poder e soberania

Das Olimpíadas às Copas do Mundo. As muitas maneiras como os diferentes povos e nações utilizam o esporte para afirmar seus ideais políticos e seus poderes
Cauê Ferreira Teixeira* / Universidade do Futebol
 

 

Desde que o homem passou a se organizar em sociedades, os diversos povos e nações, além de dominar seu próprio território, tem procurado demonstrar poder e soberania uns sobre os outros.

Esse poder se manifesta e é demonstrado através de diversos modos: a formação de um Império, como foi o Romano, uma vantagem econômica, uma supremacia no militarismo. Entretanto, na história, talvez a forma mais notável de um povo demonstrar poder e soberania sobre outro seja através do esporte, principalmente através de um esporte tão popular quanto o futebol é hoje.

Isso acontece porque uma vitória em uma disputa esportiva é mais inteligível para o grande público, mais fácil de assimilar, de se demonstrar. Ao vencer uma competição em uma Olimpíada ou uma Copa do Mundo, você demonstra claramente sua superioridade física e, por vezes, intelectual, sobre os oponentes, de maneira muito clara.

E desde muito antes da invenção do esporte bretão as disputas esportivas já eram utilizadas como instrumento de demonstração de poder, de soberania, supremacia.

Nos primeiros eventos esportivos de que se tem notícia na história da humanidade, as Olimpíadas da Grécia Antiga, os jogos já possuíam um viés bastante forte de disputa pelo poder político, econômico e militar.

Eventos muito bem organizados e regrados, com atletas preparados e bem pagos, além de bastante lucrativos, as Olimpíadas da Antiguidade significavam uma excelente oportunidade econômica, política e militar. Para uma polis, vencer os jogos olímpicos representava adquirir poder sobre as outras polis. Para um atleta, significava o sustento.

O tempo passou, mas o esporte continuou sendo importante veículo de propaganda política e demonstração de poder de um povo sobre outros, ganhando força a partir do século XX.

Os jogos olímpicos, por exemplo, voltaram a ser disputados no final do século XIX, justamente no período mais belicoso da Europa. As disputas passavam a servir como instrumento de divulgação de ideais políticos, afirmação do Estado-Nação e intensificação do sentimento de nacionalismo (que, quando exacerbado, pode levar ao fascismo ou ao nazismo, como mostraram Mussolini na Itália e Adolf Hitler na Alemanha).

 

 

Hitler, aliás, tentou utilizar as Olimpíadas de 1936, em Berlim, para provar que a raça ariana era superior às outras, em uma tentativa de justificar o regime nazista. Só não contava com o desempenho de Jesse Owens, famoso maratonista negro norte-americano, que conquistou 4 medalhas de ouro.

E, no período entre as duas grandes guerras, surge a Copa do Mundo de futebol, em 1930, que vem logo conquistar seu espaço nesse cenário. Em 1934, Benito Mussolini utilizou a Copa da Itália para propagar os ideais do Fascismo. O lema utilizado por ele, por sinal, era bastante forte: "Vitória ou Morte". A Itália sagrou-se campeã, embora com polêmicas acusações de ameaças aos árbitros da grande final.

Aliás, é interessante pensar o futebol nesse sentido, como mecanismo de demonstração de força, poder, domínio. A própria linguagem empregada no futebol já nos ajuda a entender esse processo, uma vez que seu vocabulário é bastante bélico: "ataque", "defesa", "artilharia", "estratégia", "concentração". Quando uma equipe vence outra com facilidade, fala-se em "massacre". Quando um jogo é bastante disputado, fala-se em "guerra" ou "batalha". Entre outros exemplos que poderíamos citar.

Entre as décadas de 1960 e 1980, quando a América Latina viveu período de regimes ditatoriais em vários de seus países, os governos militares souberam aproveitar muito bem o futebol para fazer propaganda política, como forma de ressaltar as qualidades do país e desviar a atenção da população dos atos desumanos, de barbárie e atrocidades que cometiam.

Foi uma negociação entre militares da alta cúpula do governo argentino e João Havelange, então presidente da Fifa, que levou a Copa do Mundo para a Argentina, em 1978, por exemplo. E a vitória argentina naquela Copa até hoje levanta suspeitas.

Outro momento importante em que o futebol serviu como vitrine política foi a Copa do Mundo de 1990, na Itália, a primeira após a queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. A conquista da Alemanha, agora unificada, veio fortalecer a ideia de que "unidos, somos mais fortes", ainda mais considerando que naquele momento a União Européia estava perto de concluir sua formação.

Mas talvez nenhum outro país do mundo tenha no futebol um instrumento tão forte para a política quanto o Brasil tem. O sentimento de nacionalismo em nosso país está bem conectado ao futebol. Isso porque em nosso passado histórico não verificamos a existência de um grande Império, tampouco notáveis vitórias em grandes guerras.

Nosso passado glorioso, nosso orgulho, é ser o país 5 vezes campeão do Mundo. E é fácil percebermos essa afirmação, observando o comportamento da população em geral. Uma derrota da seleção brasileira em jogo de Copa do Mundo muitas vezes traz mais dor e revolta do que qualquer crise política.

E nossos governos têm sabido muito bem utilizar esse fato para fazer suas propagandas políticas. Na ditadura militar, a Copa de 1970 é um grande exemplo. Primeiro, antes da competição, a demissão do então técnico da seleção, João Saldanha, que ousou posicionar-se contra algumas medidas do governo, e a introdução de militares na delegação para "blindar os jogadores e evitar vazamento de informações".

Depois, com a conquista do tri-campeonato, sob o comando de Zagallo, a força que a propaganda do governo ganhou, ajudada pelo momento do "milagre econômico". A imagem do então presidente Emílio Garrastazu Médici erguendo a Taça Jules Rimet é bastante emblemática nesse sentido. Nas rádios, ecoavam os gritos de "90 milhões em ação, pra frente Brasil! [...]". Coincidência ou não, a propaganda do regime militar nunca foi tão forte como naquele ano.

Chegando aos tempos mais recentes, esse cenário não mudou, até ganhou mais força. Vale lembrar, por exemplo, que o mandato presidencial teve sua duração alterada de cinco para quatro anos, com as eleições ocorrendo sempre em ano de Copa do Mundo. Não é coincidência, uma vez que esse grande evento é bastante apelativo nas campanhas.

Agora, estamos prestes a sediar os dois maiores eventos esportivos do planeta e é evidente que eles serão utilizados para acender no brasileiro o sentimento nacionalista, e para demonstrar a força política e econômica do país para o resto do mundo.

Algumas mostras disso já vêm sendo dadas através do uso da mídia para o marketing dos patrocinadores desses eventos. É curioso notar como as propagandas já buscam enaltecer, de uma maneira ou de outra, as qualidades do país, do povo. Aliás, tudo que se relaciona à Copa do Mundo ou a Olimpíadas, desde logotipos, lemas até divulgação de produtos, busca de alguma forma apresentar alguma característica forte nossa.

Não é possível, ainda, saber precisar de que maneira exatamente o governo brasileiro irá utilizar esses mega-eventos para demonstrar seu poder e soberania, embora já haja alguns indícios. Mas é certo que será feito, a história aponta para esse caminho. Cabe a nós manter a atenção no que acontece dentro do país. Aproveitar, sim, curtir, sim. Mas sem deixar de olhar para as reais necessidades de nossa população.

*Graduado bacharel em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp

Contato: cauefteixeira@hotmail.com

Referências bibliográficas:

http://historiaonline.com.br/2012/10/21/palestra-copas-e-olimpiadas-unicamp/

DE CASTRO, Lúcio. Memórias do Chumbo - O Futebol nos tempos do Condor: Argentina. Rio de Janeiro, Brasil. ESPN BRASIL, 2012.

De CASTRO, Lúcio. Memórias do Chumbo - O Futebol nos tempos do Condor: Brasil. Rio de Janeiro, Brasil. ESPN BRASIL, 2012.

Tags: esporte , Política , social , sociedade , soberania , nação , disputa , guerra , futebol ,manipulação

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