De alguns anos para cá, têm ganhado espaço no ambiente futebolístico, discussões que envolvem a formação de jogadores de futebol nas categorias de base no Brasil.
Se em um passado mais distante, reinava a certeza de que nenhum outro lugar no mundo seria capaz de gerar tantos excelentes jogadores de futebol, em um passado mais recente, a certeza emergente de que alguma coisa tem falhado na formação dos jovens jogadores brasileiros.
Não faz muito tempo, muitos jogadores nascidos no Brasil ainda brilhavam como principais destaques de seus clubes europeus – fosse na Itália, fosse na Espanha, fosse na Inglaterra, Portugal e até Alemanha.
Mais recentemente, apesar da contínua "exportação" dos talentos "canarinhos" (talentos ainda bem comentados no Brasil), muitos dos "exportados" jogadores brasileiros têm ficado à sombra de astros agora nascidos nesses mesmos países mencionados acima.
Em casos mais extremos (mas cada vez mais comuns), alguns deixaram até mesmo a titularidade indiscutível (indiscutível em nosso verde-amarelo território e a um oceano de distância) para se tornarem opções (segundas e até terceiras).
Faz muito tempo que o futebol tem sido estudado, no Brasil e fora dele, para que dentro de um processo de formação de jogadores e dentro de um processo de formação de equipes profissionais de altíssimo nível, seja, em diversas disciplinas, atingida a excelência.
Enquanto, porém, em países como Espanha, Itália, Alemanha, Holanda e Portugal esse processo tem integrado efetivamente conhecimento acadêmico e experiência prática, no Brasil, a distância, o conflito e a pouca sabedoria ainda entravam o melhor desenvolvimento de jogadores em formação, e da maioria das equipes de alto nível competitivo.
Claro há exceções! Mas, apesar da abundância de talentos espalhados pelo continental país, devo afirmar que como regra, e dentro de uma curva de normalidade, estamos engatinhando em uma corrida onde os concorrentes estão correndo com pernas longas.
O pior é que começamos a corrida com muitos quilômetros de vantagem - e agora estamos ficando para trás.
Bom, essa discussão é longa e merece um grande fórum de debates – e muitas ações.
Resolvi trazer uma "pitada" dela na introdução desse texto, justamente para discutir algo que tem relação com o ensino e desenvolvimento do "jogar" futebol, especialmente na formação de jogadores nas categorias de base.
Em 2012, em Madrid, pude acompanhar uma sessão de treino/aula (de um clube profissional da Espanha) em que crianças de 9 a 11 anos aprendiam a jogar futebol.
E nessa aula/treino, uma coisa me chamou muito a atenção: a maior parte das crianças usava muito bem, tanto a "perna" esquerda quanto a "perna" direita para controlar, driblar, chutar ou passar a bola – eram ambidestras (e nem tinham ainda completado 12 anos de idade).
Não que isso seja algo decisivo – na verdade não sei se é ou não é – mas é fato que no Brasil, quando chegam às categorias próximas ao profissional (sub-20 e sub-23), a grande maioria dos nossos jogadores, ou são efetivamente destros, ou efetivamente canhotos. Mesmo os jogadores de maior destaque, ao entorno dos 21 anos, estatisticamente em sua maior parte não são ambidestros.
E ainda que isso seja um pequeno detalhe no amplo leque de conteúdos que devem ser ensinados e aprendidos na formação de jogadores de futebol, é importante entendermos que o fato de um jogador ser capaz de utilizar a perna direita e a esquerda com a mesma desenvoltura e qualidade, de acordo com as circunstâncias do jogo, dará a ele, não só uma amplitude maior de soluções possíveis para solucionar determinado problema, mas também ampliará sua percepção sobre o próprio jogo.
Infelizmente, há negligência, há ignorância sobre conteúdos, há desconhecimento na operacionalização de atividades de treino e há incompreensão sobre momentos e formas adequadas de intervenções e correções da ação (principalmente dentro da totalidade e complexidade do jogo).
A preocupação (ou não preocupação), por exemplo, com o "ambidestrismo", é reflexo disso tudo.
E por que? Porque tanto "ambidestrismo" quanto qualquer outro conteúdo didaticamente chamado de "técnico" (fractalmente falando), se dilui em um sem número de conteúdos tático-físicos, que não só ignoram a ação técnica como parte fractal do jogo, como acabam por contribuir pouco, no todo, pelo próprio desenvolvimento da tática individual do jogador.
O contato com a bola, com pernas direita e esquerda é de suma importância. Porém, a simples repetição mecânica de gestos, com ambas as pernas, pode não garantir qualidade na ação de jogo. Para tornarmos uma solução possível, como ação, precisamos anteriormente torná-la possível como percepção e decisão.
O que quero dizer com isso, é que, se habitualmente um jogador utiliza a perna direita, predominantemente para resolver os problemas do jogo, terá que, para tornar a perna esquerda, variável da solução, algo a ser considerado dentro dos possíveis cenários da tomada de decisão.
Então, exercitar o membro não dominante pode não garantir sua utilização no momento da ação, porque, especialmente dentro do jogo de futebol, o hiato (intervalo) entre o "perceber-avaliar-decidir-agir" é tão ínfimo, que o tempo para a ação muitas vezes está na casa da fração de segundos.
Sendo assim, se o membro não dominante não estiver integrado ao leque de opções da solução a uma circunstância-problema emergencial do jogo, ainda que esteja "apto" sob o ponto de vista do gesto motor técnico, não será considerado e utilizado, em grande parte das vezes, para responder a essa circunstância-problema.
Ser ambidestro ou não, não garantirá nada sob o ponto de vista da qualidade de um jogador para jogar o jogo. No entanto dentro de um ambiente de formação de atletas ampliará o cenário de possibilidades para que ele tenha soluções melhores para o jogo, e para que condicione seus companheiros a responder melhor também, a essas soluções que são melhores.
O fato é que o "ambidestrismo" é apenas um tema mais palpável e evidente de algo muito e mais amplo e complexo. Mas se não somos capazes de perceber o "palpável", como perceber o "amplo e complexo"?
Espero que consigamos corrigir nossas rotas. Espero que os bons exemplos, que temos aqui em nosso território, inspirem profissionais e ambientes, que contagiados pela vontade de fazer melhor e resgatar a ordem das coisas, contribuam para a evolução do nosso bom e belo futebol.
Por hoje, acho que é isso...
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Benê Lima