Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, março 24, 2010

Os grandes treinadores fazem a diferença
Será que realmente temos grandes treinadores no futebol brasileiro?
Walério Melo

Num primeiro momento essa pergunta parece totalmente fora de propósito. Como, no futebol pentacampeão do mundo, alguém ainda possa ter dúvidas a respeito daqueles que são considerados os “professores”, ou seja, aqueles que conduziram o futebol brasileiro ao mais alto posto no cenário esportivo mundial.

Por outro lado, existe história a respeito de treinador campeão mundial, que dormia no banco de reservas durante os jogos.

Na verdade, o grande diferencial do nosso futebol sempre foi a qualidade dos nossos jogadores. Mas qual a justificativa para tal afirmação?

Desde sua introdução em terras brasileiras, o futebol passou por inúmeras transformações como relata o professor Alcides Scaglia, em sua coluna “A reinvenção do futebol”. Segundo o autor, foram as crianças que reinventaram a maneira de jogar futebol, a partir dos pequenos jogos que utilizavam para brincar nos campinhos e terrenos baldios, dentre os quais podemos destacar o bobinho, golzinho, duplinha carioca, embaixadinha, linha, cada um por si, driblinho, timinho, gol a gol, etc.

Na faculdade, nas aulas de aprendizagem motora, educação física escolar e metodologia do futebol, sempre provocamos, no bom sentido, os nossos alunos, dizendo-lhes que a nossa geração foi a última a ter a “rua na integra”.

O que isso significa e o que tem a ver com os treinadores do nosso futebol?

Até o final da década de 1970, inicio da década 1980, as crianças tinham mais liberdade e podiam brincar na rua se fartando com jogos e brincadeiras da cultura popular, dentre eles, os diversos jogos de bola com os pés. Esses jogos adaptados do futebol, assim como outras brincadeiras, davam às crianças condições de desenvolverem um rico acervo motor.

Nesse período, não se falava em escolinhas de futebol. Aprendia-se jogar brincando na rua e a pedagogia vigente, como aborda o professor João Batista Freire, não era outra senão a pedagogia da rua, com todas as suas virtudes e defeitos, mas acima de tudo com a essência do jogo de futebol.

Nessa época não se imaginava uma criança de 10-12 anos sendo “negociada” com clubes europeus, e os jovens só chegavam para jogar nos grandes clubes brasileiros por volta dos 16-17 anos, sem a especialização precoce e com uma bagagem muito rica, não somente no aspecto motor, mas também no que se refere ao aspecto cognitivo. Ou seja, esses jovens eram jogadores inteligentes, porque mesmo tendo sido orientados pela pedagogia da rua, que às vezes é perversa, aprenderam a resolver os problemas do jogo, jogando o jogo.

Para os treinadores das décadas de 1950, 1960, 1970 e início dos anos 1980, as coisas se tornavam mais fáceis, já que a capacidade técnica e a inteligência de jogo do futebolista brasileiro faziam com que ele se destacasse no cenário esportivo nacional e internacional. Nesse período, o que realmente decidia os jogos, tanto em nível nacional quanto internacional era, sem dúvida, a qualidade técnica e a capacidade de improvisação dos nossos jogadores.

A partir do final da década de 1980, início da década de 1990, devido a vários fatores amplamente conhecidos, como a expansão imobiliária e a violência urbana, nossas crianças não mais tiveram integralmente a rua e passaram a aprender futebol nas escolinhas, tendo como modelo o que se praticava nos clubes profissionais, ou seja, uma metodologia altamente tecnicista, tendo como fator preponderante a preparação física que veio em constante evolução desde o início dos anos 1970.

Hoje, apesar de o Brasil ainda ser um celeiro de craques (é claro, não temos tantos como em décadas atrás), o que se percebe é que o jogador brasileiro está cada vez mais forte fisicamente, porém sem a técnica apurada e, o que é mais assustador, perdeu a inteligência de jogo que era peculiar em gerações passadas. Esse é o resultado do processo cultural, ou seja, as brincadeiras de rua foram paulatinamente sendo substituídas pelo vídeo game e o computador.

É esse cenário que nos permite fazer a afirmação do início desse texto, ou seja, o futebol brasileiro não tem e nem nunca teve grandes treinadores. Sempre, no passado e no presente, o diferencial foi o jogador. E neste momento, onde os jogadores de nível mais elevado estão cada vez mais escassos, o que deveria prevalecer é a capacidade dos treinadores, ou seja, aqueles que são considerados top de linha e que ganham no mês o que outros de menor expressão levam anos para receberem, deveriam fazer a diferença.

Porém, isso não vem ocorrendo. Ao contrário, sempre temos times considerados de ponta enfrentando serias dificuldades, inclusive nos campeonatos regionais, onde o nível é ainda mais baixo. Tal situação reflete a qualidade dos treinamentos que são aplicados tanto aos jovens em formação, quanto aos profissionais de alto rendimento.

Apesar da pedagogia do esporte apontar caminhos de grande alcance no processo de ensino-aprendizagem-treinamento, nossos treinadores estão presos a velhos paradigmas. Na prática, temos a preparação física como o fator mais importante da periodização convencional. O treino é fragmentado, fora da realidade do jogo, onde tocar a bola para o treinador, receber de volta, driblar o cone e finalizar ainda é considerado trabalho qualificado e está na pauta do dia, na maioria absoluta dos times de futebol espalhados por esse Brasil continental.

Portanto, caros amigos, a solução não está na troca de treinadores a cada sequência de maus resultados. Precisamos nos conscientizar de que a metodologia de treinamento está ultrapassada e ter a coragem de quebrar os paradigmas. Caso contrário, nosso futebol continuará cada vez mais medíocre e o nosso torcedor, cada vez mais assistirá pela televisão ou pela internet, os jogadores brasileiros que partem para a Europa cada vez mais jovens.

Por aqui, aqueles que ainda não têm acesso à tecnologia e que ainda têm coragem para ir a um estádio de futebol, continuarão vendo um “espetáculo” de trombadas e balões, onde a bola é maltratada durante os 90 minutos e, ao final, ainda assistirão as entrevistas dos milionários e emburrados treinadores, que darão patadas coletivas nos pobres repórteres.

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