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"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, março 27, 2010

Clemer, ex-goleiro e preparador do Internacional
Camisa 1 da equipe colorada por mais de 350 partidas fala sobre a nova etapa dada em sua carreira
Equipe Universidade do Futebol

“No Nordeste as dificuldades são tamanhas, todos nós conhecemos o histórico de sofrimento desta região do país. Porém, há sempre um escape para aqueles que almejam sair desta condição de adversidades, no meu caso, foi um sonho: ser jogador de futebol”. O relato pessoal exposto no site de Clemer Silva revela a trajetória de um personagem comum. Entretanto, de alguém que aproveitou as oportunidades especiais surgidas na carreira, fez história em um dos clubes mais tradicionais do país e pretende seguir no âmbito esportivo.

Aos 41 anos, Clemer, simplesmente, como fincou seu nome na galeria do Internacional, permanece ligado ao clube gaúcho após o anúncio de sua aposentadoria, no início de 2010. Após mais de 350 partidas vestindo o uniforme colorado, o goleiro se tornou preparador dessa função específica.

Maranhense de São Luís, iniciou sua carreira no Moto Clube em 1987 e, na década que se seguiu, atuou por diversos clubes do Brasil. Sua primeira grande oportunidade foi no Remo, onde conquistou em duas oportunidades o Campeonato Paraense e chamou a atenção de agremiações de outros centros.

Pela Portuguesa, em 1996, chegou à final do Campeonato Brasileiro daquele ano – nem mesmo a perda do título para o Grêmio tirou do arqueiro a condição de melhor goleiro da competição e a primeira convocação à seleção brasileira.

Da agremiação paulista, alçou voo a um gigante carioca: foi contratado pelo Flamengo, clube que defendeu entre 1997 e 2002, realizando um total de 232 partidas. Grande destaque para o tricampeonato carioca (99/00/01). Com a profissionalização do prata da casa Júlio César, iminente titular do Brasil na Copa do Mundo deste ano, entretanto, Clemer perdeu espaço.

Até que surgiu o Internacional. Pela agremiação colorada, conquistou seis títulos estaduais, um outro vice-campeonato brasileiro, em 2005, e as duas principais conquistas da galeria: a Copa Libertadores da América e o Mundial de Clubes da Fifa de 2006.

“Eu sempre fui um atleta que treinei bastante e busquei me concentrar muito para cada partida, até para poder me condicionar física e mentalmente. Procuro passar para os atletas essa mesma postura”, revelou Clemer, nesta entrevista à Universidade do Futebol.

Como preparador de goleiros do departamento de futebol profissional, o ex-jogador, que conquistou também a Recopa Sul-Americana, a Dubai Cup, a Copa Sulamericana e a Suruga Bank, todas pelo Inter, fala sobre sua filosofia de trabalho, o contato com o argentino Pato Abbondanzieri e a integração da comissão técnica chefiada pelo uruguaio Jorge Fossati.



Líder no grupo de atletas, Clemer fez história com a camisa do Internacional e planeja permanecer no clube ainda por alguns anos

Universidade do Futebol – Como aconteceu a sua transição da função de goleiro para preparador de goleiros dentro do Internacional? Como você se preparou e tem se capacitado para esta nova fase profissional?

Clemer - Na realidade, eu vinha me preparando há alguns anos. Em 2009, praticamente não joguei, e já me via do outro lado, como um técnico da área. Passei a observar com mais atenção o que o preparador de goleiros fazia, o que ele falava, e aliei isso à minha vivência no futebol.

Sempre busquei tirar o melhor do contato com esses profissionais. Sou muito perfeccionista e me cobrava muito, principalmente quando errava. Revia meus jogos, que gravava, para buscar entender onde eu tinha errado, para corrigir posteriormente.

Era muito curioso em relação ao treinamento na minha área, também. Falava muito, eventualmente como capitão da equipe, algo que reflete a liderança e confere uma segurança para estar à frente de uma nova função como essa.

Universidade do Futebol – Como é a sua filosofia de trabalho como preparador de goleiros?

Clemer - Primeiramente, na pré-temporada, durante os cinco primeiros dias, eu busco trabalhar o condicionamento do atleta – fora de campo, exercícios aeróbicos e de força. A partir da nova condição, começo a atuar em cima de bola, reflexo, força, agilidade, velocidade, agrupando um quesito ao outro.

Claro que muitas coisas eu pergunto ao preparador físico, mais experiente, para sanar alguma eventual dúvida.

Com os atletas mais bem condicionados, busco entender o planejamento do treinador e coordenar atividades específicas, adaptando situações de treinamento geral com o restante do elenco, para que os goleiros possam chegar à parte técnica e tática rendendo da melhor maneira possível.

Universidade do Futebol – Com a contratação do experiente Pato Abbondanzieri, quais são os cuidados que devem ser tomados no treinamento de um atleta mais velho para evitar lesões? Você já possui uma preparação especial em mente? No que ela se diferencia da aplicada aos mais jovens?

Clemer - Temos de ter a sabedoria que o Pato tem 37 anos e, treinando no mesmo ritmo de um atleta de 20 anos, por exemplo, apresentará uma recuperação um pouco mais lenta. Mas ele compensa muito justamente por conta da experiência.

A preocupação é que ele chegue ao jogo bem treinado, e não cansado. E um goleiro com uma idade mais acentuada tem de ser trabalhado dessa forma, pois as partes mental, física e técnica serão expostas durante os 90 minutos. Carregando o desgaste de uma semana dura de atividades, ele pode ter seu rendimento prejudicado.



O experiente Pato foi contratado do Boca Juniors para assumir a titularidade do time colorado, que disputa a Libertadores

Universidade do Futebol – Diante do tradicional Barcelona, na final do Mundial de Clubes da Fifa, em 2006, você era o goleiro da equipe do Internacional que se sagrou campeã e acabou não sendo vazado naquela ocasião. Foi realizada uma preparação especial por você?

Clemer - Eu sempre fui um atleta que treinei bastante e busquei me concentrar muito para cada partida, até para poder me condicionar física e mentalmente. Procuro passar para os atletas essa mesma postura.

Não basta bater bem na bola para saber treinar um goleiro. Ficava chateado na época de atleta, especialmente no início de carreira, quando muitas vezes não havia uma interação com o preparador de goleiros.

No Flamengo, eu fui titular, mas sempre procurava passar alguma dica aos outros goleiros, corrigindo uma pegada, um movimento, uma entrada, um salto. E isso que é muito importante, assim como ter um bom treinador de goleiros nas categorias de base. É lá que você formará e irá acompanhar e avaliar os primeiros atos motores.

Hoje em dia, ainda se percebem muitos defeitos de jovens provenientes do departamento amador com problemas de posicionamento e algumas falhas técnicas.

Treinando na plenitude, busco orientar cada atleta individualmente, pois sempre tive essa liderança quando atuava.

Universidade do Futebol – Atualmente, além de defender a bola com as mãos, é interessante que os goleiros saibam jogar com os pés. No Internacional, é feita alguma preparação específica nesse sentido?

Clemer - Com certeza. Independentemente de haver dois jogos por semana e um período reduzido de treinamentos, quando há a oportunidade de irmos a campo, trabalhamos esse quesito técnico. Reposição com bola rolando e parada, tiro de meta, faltas no campo de defesa, enfim, situações que serão vistas posteriormente.

Quando acaba o treino, todo dia eu costumo efetuar 15, 20 cruzamentos à área, mesmo que os goleiros não venham apresentando qualquer tipo de falha nesse sentido. Porque é algo que você automatiza, um fundamento que não pode ser desconsiderado.

Os meias e laterais estão batendo na bola, seja falta, escanteio ou mesmo levantamento direto, com muita precisão. Há um teste contínuo pelos quais passam os goleiros, sem contar com a tecnologia da bola, sempre em prol do atacante.

Diversificamos também as atividades. Há dias em que também queremos fazer só trabalhos curtos, de areia, força e reflexo, reposição, adequando ao treinamento geral comandado pelo técnico.

Universidade do Futebol – Fala-se muito na preparação dos jogadores de linha durante a pré-temporada, mas pouco se comenta sobre os goleiros. No que difere o treino específico para a retomada das atividades desses dois tipos de jogadores?

Clemer - São preparações diferentes, sem dúvidas. O goleiro treina muito mais força, e menos resistência. Até mesmo há peculiaridades em relação à função dos atletas de linha – zagueiros, laterais, volantes, atacantes, etc.

Acredito que o limiar menos usado pelo goleiro durante uma partida é a resistência, mas temos de efetuar trabalhos nesse sentido para que ele tenha condição de realizar outros tipos de atividades também durante o dia-a-dia de treinamentos.

Na pré-temporada, planejo um período físico forte com os goleiros para que, ao chegar no trabalho com bola, também muito pesado, eles estejam aptos.



Após encerrar a carreira como atleta em janeiro deste ano, Clemer passou a compor a comissão técnica, hoje chefiada por Fossati

Universidade do Futebol – A introdução da tecnologia no futebol é um fato cada vez mais evidente, inclusive na preparação dos goleiros. Como você enxerga o auxílio de meios tecnológicos como, por exemplo, estudar o scout do adversário para melhor preparar o goleiro para cada partida?

Clemer - É algo fundamental. O goleiro que entra em campo sabendo o que vai enfrentar, minimizando os efeitos de “surpresa”, tem uma chance muito maior de ter sucesso. Quando eu jogava, realiza muito esse procedimento.

O próprio clube, entretanto, junto com a comissão técnica, desenvolve produções de vídeo específicas sobre os jogadores adversários, o comportamento deles nas últimas partidas. Dentro do futebol, isso é uma normalidade hoje.

Universidade do Futebol – “Isolado” e sendo o único que pode encostar as mãos na bola, os goleiros apresentam um papel diferenciado dentro de campo, sendo, por vezes, colocados como únicos culpados por falhas coletivas. Existe algum preparo psicológico específico para os goleiros?

Clemer - Sempre procuramos entender o goleiro como um atleta diferenciado, mas sempre ele cometerá erros, como todo ser humano. Nossa função é buscar dar um suporte para que o atleta tente reduzir suas falhas e manter uma regularidade.

Geralmente, ele é mais crucificado, pois seus erros têm possibilidade maior de resultarem em gol. Dentro do jogo, caso o goleiro tome um “frango”, por exemplo, há necessidade de uma reabilitação mental rápida, algo próprio da personalidade, também, para que seja retomada a ação natural.

Quando os atletas de linha perdem a confiança no goleiro, o time fica comprometido. É uma posição em que a cobrança é sempre dobrada. A atenção, então, tem de ser proporcional. E o trabalho diário, com conversas, um diálogo sincero, é o melhor caminho.

O goleiro que entra em campo confiante, seguro, sabendo o que tem de fazer e amparado por um período de treinamentos bom, certamente apresentará menos problemas.

Universidade do Futebol – Você comentou que sempre teve um papel de liderança, especialmente dentro do Internacional. Como o goleiro, convivendo boa parte do tempo dos treinamentos distante do restante do grupo, consegue estabelecer essa condição?

Clemer - Na maioria das vezes, isso vem do atleta, da personalidade da própria pessoa. A base para comandar, ter autoridade para falar, é histórica: relacionada à sua conduta, ao seu comportamento diante das pessoas do clube, o modo como você trabalha. Tudo isso conta e muito.

O goleiro observa o jogo de frente. Todos os lances podem ser percebidos de um ângulo privilegiado. O posicionamento em uma bola parada, a orientação de um contra-ataque, etc. Quando se está em uma roda de discussão, numa preleção, deve-se argumentar sabendo o que se está falando.

Não basta, também, apenas trabalhar um líder de maneira artificial. É necessário haver uma predisposição e uma característica especial do próprio jogador.


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Benê Lima