As classificações delineadoras da responsabilidade social no ambiente corporativo falam em transparência administrativa como fator chave para se buscar uma proximidade maior com a comunidade. A lógica é simples: se a empresa quer que as pessoas consumam seus produtos ou serviços, a relação de troca aparece então na proporção da transparência para com a sociedade, mostrando as ações positivas em termos de boa sanidade administrativa, financeira, legal e social.
Esse discurso é extremamente atual no mundo corporativo e deveria estar saturado nas organizações de administração ou prática esportiva sem fins lucrativos, uma vez que são instituições pertencentes à própria comunidade, não havendo um dono – por óbvio, não vamos entrar, neste momento, na polêmica questão do “regime monárquico” que vivem algumas destas organizações – mas o simples fato de terem, por natureza, uma relação maior de afinidade com a sociedade, espera-se uma atitude diferenciada no que diz respeito à transparência.
Na realidade, tal assunto ainda não está saturado, pois a prática comum das organizações esportivas está bastante distante daquilo que muitos dirigentes apenas dizem fazer. É mais atual do que se imagina. Na "Carta Internacional de Responsabilidade Social para a Formação de Praticantes no Futebol" (CIRESP-FUTE 2009), falamos em transparência administrativa da seguinte maneira:
II. Transparência e Balanço Social
(a) Transparência: Cumprir a legislação em vigor sobre a publicação e a publicitação de balanços e balancetes em cada exercício;
(b) Balanço Social: Publicar anualmente o Balanço Social de modo a traduzir os ganhos sociais obtidos a partir do investimento realizado em ações sociais e nos programas de formação dos praticantes.
Archie Carroll (1991), propõe a “Pirâmide da Responsabilidade Social”, com quatro componentes: (1) a responsabilidade econômica – que é ser lucrativa; (2) a responsabilidade legal – que é cumprir e fazer cumprir a lei; (3) a responsabilidade ética – que é atuar de maneira ética nos negócios e; (4) a responsabilidade filantrópica – que trata da premissa do relacionamento com a comunidade.
Pirâmide da Responsabilidade Social (Carroll, 1991)
Portanto, o item II-a da CIRESP-FUTE 2009 é fundamentado pelo segundo componente da pirâmide proposta por Carroll. A Lei 9.615/98, popularmente conhecida por Lei Pelé, obriga as entidades de administração desportiva, as ligas desportivas e as entidades de prática desportiva a “Elaborar e publicar, até o último dia útil do mês de abril, suas demonstrações financeiras na forma definida pela Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976, após terem sido auditadas por auditores independentes” em seu artigo 46-A, inciso I.
Até aqui, nenhuma grande novidade. Apenas o reforço da necessidade de cumprimento legal como fator básico para o alcance da responsabilidade social corporativa, conforme preconiza Carroll e tantos outros autores que se dedicam ao estudo do tema.
No item II-b da CIRESP-FUTE 2009 aparece a prerrogativa de se publicar anualmente o balanço social. Trata-se da publicação, de forma transparente, de todas as ações empresariais e o impacto de seus negócios para as pessoas envolvidas.
“Um balanço social geralmente significa a apresentação da performance de uma organização em termos ambientais, sociais e/ou econômicos para os seus stakeholders em um relatório impresso (ou também em um relatório separado ou integrado com o relatório (financeiro) anual) ou através de uma base web resumida ou pela combinação destes” (Rogers e Molenkamp, 2007).
Em termos de Brasil, o modelo de publicação de balanço social mais recomendado é o do IBASE. O Clube Atlético Paranaense, de Curitiba, por exemplo, publica seu balanço social com base neste modelo.
No Sport Club Internacional, que adota outro modelo de exposição das suas atividades sociais, fraciona seu demonstrativo em “investimentos sociais para o público interno” (contemplam alimentação, encargos compulsórios, saúde, educação, capacitação e desenvolvimento profissional, creche ou auxílio creche, escolinha de futebol, investimento em categoria de base e transporte) e “investimentos em ações sociais externas” (direcionadas à comunidade com os itens da cultura, da saúde e saneamento, da geração de emprego e renda, de projetos sociais, de investimentos relacionados com a produção/operação da empresa e investimentos em projetos ambientais).
O somatório dos investimentos no social do Inter representam 64% da Receita Operacional Líquida – um montante elevado se comparado com aquilo que é investido no mesmo setor pelas três maiores S.A. do Brasil .
A contribuição social das organizações do futebol passam justamente pela formação de cidadãos, que está dentro do escopo de negócio a que se propôs a fazer na gênese de sua constituição. Muitos autores contemporâneos que falam sobre a responsabilidade social afirmam que as organizações não devem fazer ações filantrópicas extraordinárias com o objetivo único de aparecer na mídia e dizer que aquilo é “responsabilidade social”.
Atitudes fora do contexto de sua unidade de atuação não possuem efeito positivo de longo prazo para a comunidade, além de poder ser prejudicial para as atividades comerciais, já que a organização acaba perdendo o seu próprio “foco”.
Porter e Kramer (2003) exemplificam esta situação em seu artigo com o caso da empresa do ramo alimentício Nestlé*, que, em sua prática de compra de matérias prima, quando da instalação de fábricas em alguma localidade, opta por credenciar vários pequenos fazendeiros ao invés de contratar apenas um único ou poucos latifundiários. Esta atitude não prejudica em nada seus negócios e acaba contribuindo sobremaneira para a microeconomia e distribuição de renda na região de suas fábricas.
Este exemplo resume o que é o exercício da responsabilidade social sob uma ótica moderna de alguns autores e organismos que credenciam as boas práticas nestes termos. Por isso a proposta de os clubes atuarem de maneira mais positiva na formação de atletas para o futebol, sendo capaz de contribuir para o desenvolvimento sustentável da sociedade sem prejudicar o seu negócio que é o futebol.
Por isto destacou-se o Inter de Porto Alegre que, em seus demonstrativos de investimentos sociais, apresentou a aplicação de boa parte dos recursos considerados de natureza social canalizados para a “conta” formação de atletas, sendo as crianças e adolescentes um dos públicos beneficiados e que poderão trazer dividendos futuros para o clube.
Outros investimentos feitos pelo clube, utilizados em ações junto à comunidade, contribuem, além do desenvolvimento sustentável, para a formação de novos torcedores e simpatizantes pela marca “Internacional”, nomeadamente por meio da Fundação Saci-Colorado, que abriga programas de natureza social a serviço da comunidade e estão relatados no “Balanço Social”.
A demonstração clara e transparente por parte dos clubes em serem bons cidadãos corporativos perante a sociedade é o que soma pontos e credencia as instituições do futebol ao cumprimento integral da carta de responsabilidade social.
No próximo texto falaremos sobre sustentabilidade.
Bibliografia
CAMPESTRINI, Geraldo. (2009). A responsabilidade social na formação de praticantes para o futebol: análise do processo de formação em clubes brasileiros. Dissertação de Mestrado em Gestão do Desporto da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, Portugal.
CARROLL, Archie B. (1991). The Pyramid of Corporate Social Responsibility: Toward the Moral Management of Organizational Stakeholders. Business Horizons, July-August.
IANSEN-ROGERS, Jennifer; MOLENKAMP, George. (2007). Non-Financial Report. IN: The A to Z of Corporate Social Responsibility. Editores: VISSER, Wayne; MATTEN, Dirk; POHL, Manfred;
TOLHURST, Nick. John Wiley & Sons Ltda.
LEI nº 9.615 de 24 de Março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências.Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.
PORTER, Michael E.; KRAMER, Mark R. (2006). Strategy and society: the link between competitive advantage and corporate social responsibility. Harvard Business Review, December. Disponível em: http://www.hbr.org. Acessado em: 08/Jul/2008.
*Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), as três maiores S.A. do Brasil no ano de 2007 foram Petrobrás, Vale do Rio Doce e Telemar. IN: As 500 maiores Sociedades Anônimas do Brasil no exercício-base 2007. Disponível em: http://www.fgv.br. Acessado em: 02/Dez/2008.
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Benê Lima