Argentino que fez sucesso na principal liga do Paraguai fala sobre semelhanças de seu trabalho com Marcelo Bielsa e valor do sistema defensivo e das jogadas ensaiadas de sua equipeJorrit Smink*O Paraguai tem sido um sólido competidor em Copas desde 1998. Um grande feito, se considerado que o Paraguai – junto com a Bolívia – é um dos países mais pobres da América do Sul, além de possuir apenas sete milhões de habitantes. Historicamente, os sul-americanos têm contado com defesas firmes e jogadas ensaiadas. Escanteios se tornaram a arma mais letal da equipe de Gerardo Martino. O treinador da seleção paraguaia explica.
Como você descreveria o jogador paraguaio?
Gerardo Martino: “Os jogadores são ótimos. Paraguaios são conhecidos por seu trabalho duro, sem reclamar. Seja física ou tecnicamente, sempre estão abertos para tudo e se doam 100% toda vez. Essa é uma ótima atitude para o trabalho de um treinador”.
Uma boa atitude. Mas os paraguaios são fortes tecnicamente?
Gerardo Martino: “Eu acredito que uma evolução positiva aconteceu no futebol. No passado, o futebol paraguaio era descrito como assistência, cabeçada, gol, mas hoje em dia o Paraguai possui jogadores ótimos tecnicamente. Claro que ainda somos fortes no jogo aéreo, mas eu também observo muitos jogadores técnicos”.Você foi assistente de Marcelo Bielsa em vários clubes. Existe alguma semelhança entre você e Bielsa (ex-treinador da seleção chilena)?
Gerardo Martino: “Eu gosto da comparação. Eu trabalhei com ele e Marcelo é uma pessoa que tem muita influência na minha vida. Entretanto, isso não significa que possuímos as mesmas visões sobre futebol”.Vocês dois conquistaram o mesmo número de pontos nas Eliminatórias para a última Copa do Mundo, ambos com países relativamente pequenos. Vocês possuem a mesma mentalidade?
Gerardo Martino: “Bem, essas são coincidências. Assim como a vitória do Paraguai sobre os chilenos no Chile, e a vitória do Chile sobre nós no Paraguai”.Está sendo comentado que sob o seu comando tem ocorrido uma grande mudança na mentalidade do futebol paraguaio, assim como o foi no Chile com Bielsa. Você concorda?
Gerardo Martino: “Todo treinador sabe que no futebol você tem que fazer muitos acordos. Quando você pressiona, quando você precisa passar a bola para a frente rápido, quando você deve cadenciar, e assim por diante. Os jogadores precisam manter esses acordos que fizemos e com alguma sorte eles executarão tudo como combinamos nos momentos certos”.O futebol depende então de momentos?
Gerardo Martino: “Certamente. Os grandes torneios duram por um curto período de tempo, enquanto, por exemplo, no caso de uma Copa do Mundo, você precisa trabalhar com o foco naquele momento por mais de dois anos. Com esse tipo de torneio, o segredo é estar no topo de seu jogo no momento certo durante uma partida. Isso é especialmente verdadeiro para jogadas ensaiadas”.Infelizmente para a Copa do Mundo o Paraguai perdeu seu homem para as faltas e escanteios que geram jogadas ensaiadas, Salvador Cabañas. Gerardo Martino não se preocupa muito com isso.
Uma das chaves nesses momentos é ter todos os seus principais jogadores disponíveis. Devido a um trágico evento um de seus astros, Salvador Cabañas não pôde fazer parte de seu elenco para a Copa do Mundo.
Gerardo Martino: “Eu prefiro não falar sobre isso. É algo muito terrível o que aconteceu no México. Se você pensar sobre isso, o futebol pouco importa nesses momentos. Claro que foi terrível para nós ele não estar lá durante o Mundial, mas o mais importante é que ele sobreviveu e que ele pôde estar com sua família”.
Gerardo Martino
Gerardo Martino nasceu em 20 de novembro de 1962 em Rosario (como outros argentinos criativos como Lionel Messi e Marcelo Bielsa). A partir dos doze anos, Martino jogou pelo Newell's Old Boys na base e depois no profissional e disputou 505 partidas pelo clube, em que marcou 35 vezes. Na história do Newell's não existe atleta com mais partidas disputadas do que ele. Foi eleito pelos torcedores como o melhor jogador do clube em todos os tempos.Na Argentina, Martino atuou também pelo Colón e pelo Santa Fe, mas como treinador seus maiores sucessos foram obtidos no Paraguai, onde suas equipes foram coroadas campeãs em sete ocasiões - cinco com o Libertad e duas com o Cerro Porteño. Em 2007, Martino foi eleito o melhor treinador sul-americano.
Martino foi contratado como treinador do Paraguai em fevereiro daquele ano, no lugar do uruguaio Anibal Maño Ruiz. Seu conhecimento e sucesso treinando clubes paraguaios foram os parâmetros que o posicionaram como a melhor opção para o cargo (outros candidatos foram Nery Pumpido e Miguel Ángel Russo). Anteriormente, Martino havia vencido a liga paraguaia quatro vezes, de 2002 até 2006.
Em 5 de julho de 2010, Martino anunciou que deixaria o cargo de treinador do Paraguai após a Copa do Mundo de 2010. O treinador confirmou que, com seu contrato de quatro anos chegando ao fim, ele não o prorrogaria. No entanto, no dia 10 de julho, concordou em comandar o Paraguai até o fim da Copa América de 2011.
Martino é realista sobre o desenvolvimento do futebol. Ao responder se ele vê um jogador como ele na seleção paraguaia, ele respondeu: “Felizmente não. O futebol se tornou muito mais veloz”.
Durante a preparação você pensou sobre mudar as coisas taticamente para a Copa do Mundo?
Gerardo Martino: “Não, não pensei. Você só deve fazer mudanças quando as coisas dão errado. Esse não era o nosso caso”.Qual era o seu objetivo durante a Copa do Mundo?
Gerardo Martino: “Nós tínhamos que sobreviver à primeira fase. Seria um desastre se não conseguíssemos isso. Acabamos chegando às quartas de final, uma grande conquista tanto para a comissão técnica quanto para os jogadores”.Qual é a razão para esse sucesso?
Gerardo Martino: “É um pacote. Como chegamos lá, nossa boa preparação, nenhuma lesão grave e uma boa seleção de atletas. Tudo se uniu no momento certo. Historicamente, jogadas ensaiadas sempre foram um fator muito decisivo em uma Copa do Mundo. Isso é outra grande vantagem para nós”.
Jogadas ensaiadasAs jogadas ensaiadas do Paraguai são famosas e notórias por toda a América do Sul. Chile, Brasil ou Equador: todos eles sofreram gols paraguaios através de escanteios ao longo das Eliminatórias. O time de Gerardo Martino tem uma organização padrão em escanteios.
Escanteio com curva para fora
1. Escanteios são sempre batidos diretamente
2. Existem cinco jogadores posicionados na área
3. Um jogador se move para o canto da área
4. Dois jogadores começam fora da área
5. Dois começam um pouco mais próximos
6. Alternadamente dois jogadores são bloqueadores ou cabeceadoresO Paraguai enfrentou uma variedade de posicionamentos defensivos. Dependendo da estratégia defensiva do oponente, o Paraguai se movia sempre sem a bola com o objetivo de deixar um ou dois jogadores livres. Nos diagramas abaixo você pode ver como o Paraguai marcou contra diferentes tipos de marcação.
Diagrama 1 (curva para fora):
O Chile se defende com cinco homens marcando individualmente e um defensor livre na entrada da área. O Paraguai vence essa defesa liberando Paulo da Silva. Ele se livra de seu oponente direto saindo do costado de um companheiro, e ao passo que ele cabeceia a bola, seu adversário é bloqueado por outro companheiro.
Diagrama 2 (curva para fora):
O Chile tenta uma abordagem diferente e agora posiciona seis jogadores, distribuídos quase que em zigue-zague dentro da área. Mais uma vez o Paraguai não encontra problemas para lidar com a nova estratégia. Paulo da Silva faz um movimento de passagem e outra vez seu marcador é bloqueado e não o acompanha.
Em escanteios com curva para dentro:
1. Escanteios são cobrados sempre diretamente para a área
2. Existem cinco jogadores posicionados na área
3. Um jogador se move para a marca do pênalti
4. Um jogador se move para o segundo pau
5. Um jogador bloqueia para dar passagem a seu companheiro
6. Um jogador está completamente livre.Dependendo da organização do adversário, os diagramas 3 até 6 mostram como o Paraguai encontra o jogador livre.
Diagrama 3 (curva para dentro):
O Brasil também se defende com cinco homens mano a mano e um jogador livre na grande área. A equipe canarinho não coloca um jogador na borda da área, então o Paraguai pode facilmente alçar a bola até o centro. Os dois jogadores na marca da penalidade bloqueiam, para que o companheiro atrás deles fique livre. Esse jogador se move sem a bola até a área e quase marca. Como o jogador brasileiro livre se moveu para marcá-lo no primeiro duelo aéreo, o marcador de Roque Santa Cruz tem que fazer uma escolha entre o jogador livre entrando com perigo ou o próprio Santa Cruz. Ele hesita um pouco e já é tarde demais, e gol de Roque Santa Cruz.
Diagrama 4 (curva para dentro):
O Equador espera um cruzamento com curva para dentro, então posiciona três jogadores antes do primeiro poste e mais um atleta colado a ele. Atrás deles estão quatro defensores e quatro paraguaios. Estes quatro estão razoavelmente longe do gol. Santa Cruz se move para a marca do pênalti, fintando ser o homem que escorará a bola para trás. Entretanto, a bola é cruzada no espaço entre o primeiro pau e a marca do pênalti, na linha da pequena área. Ninguém está lá para defender e Nelson Valdez se aproveita da ingenuidade da defesa e marca.
Diagrama 5 (curva para dentro):
O Equador toma quase as mesmas posições. Apesar de agora a bola chegar até Santa Cruz. Ele cabeceia para trás e Cristian Riveros invade a área e marca entre os defensores equatorianos.
Diagrama 6 (curva para dentro):
Agora o Equador coloca quatro jogadores na entrada da área, esses atletas têm que marcar quatro paraguaios. Três jogadores ainda cercam o atacante. No segundo pau o Paraguai deixa outro homem livre bloqueando. Mas a bola não o encontra. Entretanto Riveros vai mais alto que seu oponente, e marca mais uma vez.
*Contribuição da revista Soccer Coaching International, parceira da Universidade do Futebol – www.soccercoachinginternational.com
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Benê Lima